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Guia para Gestores de Escolas

Especial Educação — Por uma Escola Melhor: Processos de Avaliação Pública e Privada

Matéria publicada na edição 65 | Fevereiro 2011 – ver na edição online

Instituições buscam parâmetros para avançar na qualidade do ensino O Brasil pretende que seus estudantes atinjam, em 2021, a média 5,5 na conclusão do Ensino Fundamental, e 5,2 ao final do Ensino Médio, conforme projeções do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do Ministério da Educação. Quer também chegar a 473 pontos no PISA, programa internacional da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que avalia conhecimentos de alunos de 15 anos em Matemática, Leitura e Ciências. Mas se considerasse apenas os resultados obtidos pelos alunos da rede privada nos processos externos de avaliação do rendimento escolar, o País já estaria lá.

Conforme o mais recente IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), de 2009, a clientela da escola particular atingiu a média 5,9 no encerramento do Fundamental e 5,7 do Ensino Médio, contra, respectivamente, as médias de 3,4 e 3,2 da rede pública. No PISA, divulgado em dezembro passado, contabilizou 502 pontos, contra 387 da pública, desempenho que coloca os estudantes das instituições privadas em patamares similares aos dos países considerados dentro da média em Matemática e Ciências e acima da média em Leitura.

Mas a lição de casa não está feita. A rede privada tem buscado, cada vez mais, instrumentos que lhe permitam aprimorar a aprendizagem, seja pela necessidade de dar “uma resposta ao controlador do sistema de ensino, à sociedade e à família”, seja “também como estratégia de busca de qualidade”, analisa Regina Cançado, diretora geral do Inade (Instituto de Avaliação e Desenvolvimento Educacional). A empresa promove hoje processos do gênero no setor público e privado do País (neste caso, com programas específicos para a rede Sesi, Católica, Marista e Pitágoras, além de convênios firmados com sindicatos regionais de estabelecimentos de ensino). Também a Rede Salesiana de Escolas recorre à consultoria externa para balizar seus resultados, através de parceria com a Avalia Assessoria Educacional.

PONTO DE PARTIDA
A avaliação externa do rendimento escolar enquanto ferramenta de “definição de prioridades e melhoria da qualidade do ensino” foi introduzida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1996. Mas já em 1995, o Ministério da Educação, sob a gestão de Paulo Renato Souza e da então secretária executiva Maria Helena Guimarães de Castro, resolveu sistematizar os processos e implantar uma metodologia que permitisse comparar as informações de um ano para outro. “Os dados mais recentes que tínhamos eram então do Censo Escolar de 1989. Não havia um sistema de avaliação qualitativa do desempenho dos alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio”, lembra Maria Helena, que depois assumiu a Secretaria de Estado da Educação em São Paulo e hoje coordena a área pedagógica da Associação Parceiros da Educação.

Maria Helena afirma que o SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) contava com duas versões pilotos, mas de metodologias diferenciadas, o que levou o MEC a adotar um modelo internacional de avaliação, capaz de gerar dados que pudessem ser comparáveis e, assim, viabilizar a montagem de um sistema de estatísticas educacionais. O SAEB e, posteriormente, o ENEM, assim como os demais sistemas, implantaram a TRI (Teoria de Resposta ao Item), em que a nota reflete o desempenho do aluno conforme aumenta o grau de dificuldade das questões e não apenas a proporção de erros e acertos. Leva em conta ainda a consistência das respostas dos estudantes, que podem ter o mesmo número de acertos, mas notas diferenciadas. A partir de 2005, já sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o MEC implantou a Prova Brasil (de caráter censitário para a escola pública) e tornou a prova do SAEB opcional à rede privada. Em 2007, veio o IDEB, cujo índice de zero a 10 atribuído a cada escola resulta da articulação entre a taxa de aprovação dos estudantes e as médias de seu desempenho no SAEB ou na Prova Brasil.

“Avançou-se muito na metodologia e pouco no uso das avaliações para capacitar os professores e melhorar a sala de aula”, observa Maria Helena, apontando ser este o grande desafio das autoridades e das escolas e lembrando que os estados de São Paulo e Minas Gerais deram um passo à frente, ao lançarem sistemas próprios (respectivamente, Saresp e Simave). Para a diretora do Inade, Regina Cançado, é preciso se “apropriar dos resultados para melhorar o processo educacional e orientar as decisões, que devem ser tomadas com base em dados e fatos”. Ou, como explica o vice-presidente do Sieeesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo), José Augusto de Mattos Lourenço, utilizá-los para “fazer o planejamento do ano seguinte”.

Mantenedor do Colégio São João Gualberto, em Pirituba, zona Oeste de São Paulo, José Augusto introduziu a metodologia do Inade na escola há quatro anos e acordou uma parceria entre a empresa e o Sindicato. “É uma avaliação global, da escola e do aluno, que observa o rendimento e suas notas, além de pesquisar os pais, o corpo docente, a infraestrutura e a proposta pedagógica.” José Augusto afirma que o serviço se tornou uma “exigência do mercado”, uma forma de corrigir rotas e evitar que situações ruins venham afetar a imagem da escola, “pois elas se espalham rapidamente”.

Mas é também “uma alternativa para que a rede privada tenha autonomia de aferir a qualidade da aprendizagem, utilizando uma ferramenta própria de credibilidade e com metodologia que permita comparações com os indicadores obtidos nas avaliações públicas, como o SAEB e o Saresp”, pondera, por sua vez, Regina Cançado. No entanto, a diretora destaca a importância de se distinguir esta avaliação – “em larga escala, externa e realizada pontualmente em ciclo anual” – daquela promovida em sala de aula pelo professor, em que ele monitora “o progresso do seu aluno individualmente” e colhe subsídios para “as intervenções pedagógicas”.

A externa avalia o nível de aprendizagem “com foco em grupos de alunos”, destaca. E seus “resultados são analisados à luz dos processos que caracterizam o sistema educacional da escola”, considerando “o perfil sócio-cultural e econômico, os processos de gestão, a cultura, o ambiente e as relações interpessoais”. “Tudo isso impacta na aprendizagem do aluno”, comenta Regina. Portanto, os resultados devem ser analisados “em primeira mão pelos diretores e desdobrada para a equipe técnico-pedagógica e os professores”. Em ambas as avaliações, “o objetivo geral é único: melhorar a aprendizagem”. “O que diferem são os objetivos específicos e as estratégias para alcançar as melhorias da qualidade educacional das escolas.”

COMO FUNCIONA
O Colégio Franciscano Nossa Senhora Aparecida (Consa), tradicional instituição do bairro de Moema, em São Paulo, implantou em 2007 um dos programas do Inade, o Proarce, desenvolvido para a rede Católica. “É uma ferramenta diagnóstica de habilidades cognitivas e conhecimentos, que visa aferir até que ponto os estudantes desenvolveram os saberes escolares para um efetivo resultado acadêmico em busca de níveis crescentes de excelência”, afirma a irmã Teresa Warzocha, responsável pela Coordenação Educacional do Consa. Entretanto, o colégio utiliza outros recursos para o aperfeiçoamento dos seus trabalhos e, paralelamente, oferece orientação e apoio aos professores. “Quanto mais a escola se instrumentaliza para fazer um trabalho sério em educação, melhor. Mas isso depende da qualidade desta avaliação e do que você faz com ela, de que forma irá ler os indicadores”, observa o orientador da Área de Linguagem, Códigos e suas Tecnologias, José Luis Landeira.

Consultor em educação, professor de Português graduado em Coimbra, Portugal, e doutor pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Landeira chegou ao Consa justamente para auxiliar em um “trabalho intensivo de ajustes, estudos e orientação”, a partir das carências identificadas pelas avaliações. Além do Proarce, aplicado sobre o 5º e 9º ano do Fundamental e 3º do Ensino Médio, o colégio disponibiliza para a área pedagógica a consultoria da Mathema (especializada em Matemática), promove questionários entre professores, pais e alunos e desenvolve um programa de formação continuada, montando grupos de estudos entre os docentes.

Landeira acompanha cada passo das avaliações, o planejamento, a metodologia e a capacitação. “Com isso você identifica os pontos fracos, o que o professor precisa estudar, as necessidades de formação e vai trabalhando de acordo com as dificuldades. Em meu grupo elas eram: entender habilidades, competências e linguagens dentro de uma perspectiva psicossocial; concatenar as avaliações internas à metodologia e ao conteúdo, e; compreender o conceito do gênero discursivo.”

Os resultados surgiram rapidamente. “Houve melhora no desempenho dos alunos nas avaliações, diminuição daqueles em recuperação, incremento do número de professores na pós-graduação e mesmo os estudantes que fecharam notas continuaram participando das atividades educativas”, enumera o orientador. Já os resultados do Proarce, de 2009 para 2010, “melhoraram muito em Português e Linguagens; tínhamos problemas na área, que foram identificados não apenas por uma única prova, mas a partir da consolidação dos dados de três a quatro testes”. Landeira destaca também que foi possível perceber que os trabalhos solicitados pelos docentes aos alunos não os motivavam, pois eram feitos para os professores, “não circulavam socialmente”. “A partir daí fizemos uma reavaliação da importância da revista impressa semestral, da virtual, passamos a divulgar esses trabalhos e o aluno deixou de escrever para o professor, a escrita tornou-se parte de uma dinâmica social.”

Por fim, Landeira constata: “A profissão docente é muito solitária, embora não pareça. O professor está muito sozinho em seu fazer profissional, portanto, a avaliação externa o ajuda a se conectar com toda uma realidade docente que está ocorrendo a volta dele, como, por exemplo, a preocupação com as habilidades e competências que está presente há dez anos mas ganhou relevância no ENEM e nos vestibulares mais recentemente.” Ou seja, da forma como vem sendo realizada pelo Consa, está agregando aprendizagem não apenas aos alunos, mas também aos educadores.

“AVALIAR PARA AGIR E NÃO PENALIZAR”
Professora de Didática na Faculdade de Educação da USP, Rita de Cássia Gallego, coautora do livro “Avaliação”, lançado ano passado pela Editora Unesp em parceria com sua colega na Universidade, Denise Catani, vê com preocupação o avanço dos sistemas externos de avaliação. Mesmo que a intenção seja buscar elementos que norteiem o aprimoramento dos processos de ensino-aprendizagem, Rita observa que prevalece a cultura da hierarquização e classificação que as notas acabam projetando sobre escolas e alunos, sem se levar em conta as diversidades sociais, regionais, históricas, culturais, econômicas etc. Segundo Rita Gallego, é preciso disseminar um “novo paradigma de avaliação: constatar o que não vai bem para melhorar o que não vai bem. Avaliar para agir e não penalizar.” Rita verifica ainda que “os dados têm sido, de modo geral, simplesmente apresentados aos professores, mas não analisados”. Outra preocupação da educadora diz respeito à “inversão de propósitos”, especialmente quando a avaliação torna-se um fim em si mesmo, “quando se passa a ensinar para que a própria avaliação tenha sucesso”. Finalmente, a professora da USP aponta que “faltam balizadores ou indicadores que deem conta das diversidades de condições de entrada dos alunos nas escolas”.

“Como a criança chega ao 1º ano aos seis anos de idade? Há aquelas que nunca viram um livro, outras que já estão alfabetizadas. E os sistemas as avaliam da mesma forma e determinam que tenham o mesmo ponto de chegada. Você compara algo incomparável, se pensar nas disparidades de domínio de escolaridade, de conteúdo”, comenta. Para a coordenadora da Associação Parceiros da Educação, Maria Helena de Castro, este hiato entre o “ponto de entrada e o ponto de chegada” precisa ser superado durante o processo de alfabetização. “As escolas têm três anos para fazer com que atinjam um nível básico de alfabetização. Independente do ponto de entrada, é muito importante ter um ponto de chegada. É possível e necessário fazer isso. Pois se a criança não chega a esse nível básico, vai acumulando problemas.” De qualquer maneira, Rita Gallego sugere que os processos comecem a levar em conta as particularidades, “para não penalizar as pessoas que trabalham sob condições diversas e adversas”. Ou, ainda, para que possam fazer intervenções sobre o contexto que gerou esses indicadores. Para finalizar, Rita sugere uma revisão na natureza das provas aplicadas às crianças. “O que significa para uma criança de oito anos preencher gabaritos em prova aplicada por uma pessoa estranha, que não seja sua professora? Isso cria uma situação adversa e às vezes ela não consegue se expressar naquela forma de avaliação.”

Saiba mais

MARIA HELENA GUIMARÃES DE CASTRO ASSOCIAÇÃO PARCEIROS DA EDUCAÇÃO[email protected]

PROF. Dr. JOSÉ LUÍS LANDEIRA (CONSA) [email protected]

PROFA. DRA. RITA DE CÁSSIA GALLEGO [email protected]

REGINA CANÇADO [email protected]

IDEB (SAEB/PROVA BRASIL) – INEP www.inep.gov.br

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