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Guia para Gestores de Escolas

Conversa com o Gestor — Carol Sumie/O Ensino Fundamental dentro de uma proposta multietaria (O case da Escola Politeia)

Matéria publicada na edição 87 | Abril 2013 – ver na edição online
A Politeia está apenas em seu quinto ano de vida, possui 19 alunos, mas já figurou na revista Super Interessante (edição de fevereiro de 2013) como um dos modelos possíveis de escola do futuro. Também integrou o Projeto Currículo Global para a Sustentabilidade, concebido e fi nanciado pela União Europeia. Na entrevista a seguir, uma de suas mantenedoras fala sobre o desafio de se criar uma instituição de ensino inovadora e sustentável.

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Carol Sumie:

Se a escola almeja uma convivência com a diversidade, o trabalho com ciclos é efetivo. Ele proporciona ao estudante diferentes papéis, pois este é ajudado por alguém que está mais adiante, depois o aluno vira ajudante, e quando muda de ciclo, volta a ser mais novo novamente, depois cresce e adquire mais habilidades na relação com o grupo e o educador.

No momento em que as escolas do País vinham se adaptando ao regime de nove anos do ciclo do Fundamental, principalmente aos desafios de acolher crianças com seis anos incompletos no processo de alfabetização, cinco educadores resolveram articular uma proposta radicalmente diferenciada de ensino. Eles arregaçaram as mangas e fundaram a Escola Politeia. E ao contrário da trajetória de grande parte das instituições privadas brasileiras, que surgem na Educação Infantil e expandem as séries ao longo do tempo, a Politeia seguiu outro percurso. Não começou pela alfabetização, mas pela acolhida de alunos que haviam frequentado os primeiros anos do Fundamental já dentro de um método inovador, e que precisavam continuar com a mesma abordagem durante o Fundamental II.

“Nossa história vai de trás para frente. A Politeia foi criada em uma parceria em 2009 com a Escola Teia Multicultural, na época de Ensino Fundamental I. Ali ficou dois anos. Depois, seguiu vida própria”, relata sua jovem gestora e uma das cinco mantenedoras, Carol Sumie. A diretora graduou-se em Pedagogia pela Universidade de São Paulo, em 2005. Desde então, atuou em projetos de educação democrática em escolas e entidades do terceiro setor (como a Cidade Escola Aprendiz).

Na Politeia, não há salas de aula nem séries convencionais. Sua estratégia central é trabalhar sob a perspectiva do protagonismo e do compartilhamento das decisões em questões que envolvem a convivência e o currículo. “Queremos a formação não só do conteúdo, mas da autonomia e do protagonismo frente ao próprio aprendizado. A LDB e as Diretrizes Curriculares de 2010 são muito favoráveis a esses projetos”, observa Carol. O desenvolvimento de projetos interdisciplinares funciona como uma espécie de eixo que articula as atividades dos estudantes, mediadas pelos professores.

O objetivo da Politeia é implantar a Educação Infantil e chegar a 50 alunos em quatro anos. No momento, a “escola ainda está no zero” em termos de retorno financeiro, afirma a mantenedora. “Todos os sócios ainda investem em trabalho, mas eles não têm mais que colocar dinheiro”, comemora a jovem.

Revista Direcional Escolas – Como você descreve a proposta da Politeia?

Carol Sumie – Ela é baseada principalmente na filosofia da educação democrática, que tem duas bases principais. A primeira é que a gestão do dia a dia da escola seja feita com os estudantes (crianças e adolescentes). No caso da Politeia, trabalhamos com assembleias semanais, em que a pauta levantada por todos é discutida e votada. As regras são definidas nessa organização. A assembleia trabalha com a gestão da convivência. Temos também o fórum de resolução de conflitos – trabalhando com a justiça restaurativa e o diálogo como ferramenta para as questões interpessoais – e o conselho escolar. Este reúne pais, para que aos poucos participem da gestão compartilhada.

Revista Direcional Escolas – Como a Politeia formaliza esse processo junto à Diretoria de Ensino em termos de currículo e avaliação?  Ou seja, como faz a passagem entre a proposta de escuta e autoria e a formalização legal?

Carol Sumie – A formalização é uma das menores questões. Temos uma padronização do resultado final do que foi feito, mas não provas. Há seis mecanismos de avaliação, todos baseados nesse olhar do educador sobre o desenvolvimento da criança em relação ao projeto e à própria gestão da convivência, entre eles, participação nas assembleias, fóruns, pesquisas individuais, saídas de estudos etc. Esses parâmetros estão no Regimento Escolar, são avaliados e enviados juntamente com as áreas obrigatórias. Mas essa passagem precisa ser feita pela própria dinâmica da secretaria.

Revista Direcional Escolas – Um grande desafio que as escolas enfrentam é a alfabetização iniciada aos seis anos, dentro do novo ciclo do Fundamental. Como uma proposta não convencional pode auxiliar nesse processo?

Carol Sumie – O primeiro Ciclo que trabalhamos é o da alfabetização, tanto da linguagem do Português quanto da Matemática. Ele é instrumentador nesse sentido, o que não o exime de ter uma organização como o restante da escola. Mas neste início há mais o trabalho de escuta do educador. Claro que a autonomia dos estudantes do Ciclo 3 é muito mais forte na gestão curricular, onde existe não só uma escuta do educador, como também uma fala do estudante em relação àquilo que ele quer aprender, às etapas que precisa seguir, quais as dificuldades e desafios. Outro ponto de sustentação é a gestão curricular, dentro da visão de aprendermos a partir dos nossos interesses. Na Politeia, organizamos o currículo em grupos multietários, são três ciclos de três anos ao longo do Fundamental. De 1º a 3º ano é o Ciclo 1, de 4º ao 6º é o Ciclo 2, e de 7º ao 9º é Ciclo 3. Quando eles chegam ao Ciclo 1, o trabalho do educador é mais voltado para escutar os interesses dos grupos e, a partir dessa escuta, proporcionar desafios às crianças e transformá-los em projetos. É um trabalho de investigação e de produção, porque o professor aqui não utiliza nenhum livro didático, ele é também produtor. É uma pedagogia baseada em projetos, sem um tempo determinado de começo, pois isso depende do ritmo e envolvimento do grupo.

Se a escola almeja uma convivência com a diversidade, o trabalho com ciclos é efetivo. Ele proporciona ao estudante diferentes papéis, pois este é ajudado por alguém que está mais adiante, depois o aluno vira ajudante, e quando muda de ciclo, volta a ser mais novo novamente, depois cresce e adquire mais habilidades na relação com o grupo e o educador.

Revista Direcional Escolas – Como se articulou essa proposta à perspectiva do Currículo Global?

Carol Sumie – O Currículo Global foi trabalhado no Ciclo 3. Conseguimos juntar o protagonismo que queremos formar nos adolescentes junto com a interdisciplinaridade entre as áreas e os conceitos. Temos encontros semanais de gestão do currículo que reúnem estudantes e professores para construir os projetos. Cada estudante tem sua pesquisa individual dentro da temática que ele escolhe e o projeto interdisciplinar do semestre é construído a partir dos interesses levantados. Então se define um projeto de pano de fundo que se relaciona com todos os interesses individuais e o professor elabora o planejamento de sua área de acordo com isso. Buscamos questões contemporâneas e complexas para serem debatidas a partir de todas as áreas do conhecimento com a participação dos estudantes. Esse é o caminho que une o protagonismo com a interdisciplinaridade e aponta na direção do Currículo Global.

CURRÍCULO GLOBAL: PERSPECTIVA DA ESCOLA DO FUTURO

escola-do-futuroNeste mês de abril, o Cecip (Centro de Criação de Imagem Popular/ Comunicação e Educação para o Desenvolvimento Humano) deverá disponibilizar em seu site o Manual do Currículo Global, o qual reúne reflexões e sequências didáticas desenvolvidas por seis escolas brasileiras ao longo da implantação de um projeto piloto patrocinado pela União Europeia.

A ideia do programa foi a de testar a introdução de oito conceitos- -chaves (direitos humanos, diversidade, resolução de conflitos, justiça social, sustentabilidade, interdependência, cidadania global, valores e percepções) aos trabalhos em andamento nas instituições (três escolas públicas e três privadas: o Colégio Bandeirantes, a Teia Multicultural e a Politeia). Esses conceitos formatam o chamado Currículo Global, desenvolvido pelo Centro Global de Leeds (na Inglaterra).

“O currículo global aponta para a perspectiva da escola do futuro, ele responde às necessidades que o mundo está apresentando, como a formação de cidadãos capazes de ter um pensamento autônomo, de adotar múltiplas perspectivas, de resolver problemas, de cooperar e trabalhar em grupo, de conviver com as diferenças. Isso é crucial. Ou aprendemos ou não haverá como sobreviver”, avalia a pedagoga Madza Ednir, ligada ao Cecip e uma das gestoras do projeto.

Segundo ela, o “Currículo Global desenvolve essas competências e aponta para a ruptura da grade curricular”, em direção a “um conhecimento fl exível, não enciclopédico”. Ou seja, desenvolve “a habilidade para acessar, interpretar, combinar e aplicar bem a informação”. E a maneira de a escola se inserir no processo é trabalhar sob essa nova perspectiva da formação (“em termos de conhecimentos, habilidades e valores essenciais à sobrevivência da civilização”); em rede (que “a aprendizagem seja amigável ao funcionamento do cérebro, o qual funciona em conexões”); e enquanto “agência educativa” pertencente a uma “cidade educadora”.

Os parâmetros foram levados aos professores identificados como líderes nas seis escolas, e trabalhados a partir de encontros virtuais e presenciais, fóruns de discussão e curso realizado em Leeds. A partir daí, os docentes os replicaram em novas dinâmicas e sequências didáticas junto aos seus programas disciplinares. O projeto ocorreu entre os anos de 2010 e 2012 e agora seus resultados serão apresentados às autoridades educacionais da área pública, para que avaliem a possibilidade de implantação do Currículo Global em maior escala. A especialista em liderança organizacional, Priscila Scripnic, entrevistou professores e alunos envolvidos com o piloto e obteve um feedback bastante positivo em torno da experiência. 

PERFIL DA ESCOLA: POLITEIA

perfil-escola-politeiaLocalização: Dona Germaine Burchard, 511. Bairro da Água Branca, zona Oeste, São Paulo

Mantenedora: Microempresa criada por cinco sócios, educadores de formação

Ciclos escolares: Ensino Fundamental I e II. A organização pedagógica foge ao modelo tradicional de séries segmentadas. Os alunos são agrupados em três grupos multietários

Regime de aula: semi-integral (entre 11hs e 18hs) e vespertino (entre 13hs e 18hs)

Nº de alunos: 19

Equipe: Os sócios exercem atividades na escola, em uma prática de gestão compartilhada. Carol Sumie responde pela direção pedagógica e administrativa e os demais ministram aulas. Há três funcionários (secretaria e serviços gerais) e quatro outros professores

Mensalidades em 2013: R$ 1.200,00 (almoço pago à parte para a turma do semi-integral)

Instalações: A escola está sediada em um casarão locado, de cerca de 400 metros quadrados, e disponibiliza sete salas para atividades diferenciadas com os estudantes. Os espaço são multiuso: por exemplo, computadores e livros estão presentes em um mesmo ambiente. 

Por Rosali Figueiredo

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