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Guia para Gestores de Escolas

Conversa com o Gestor — E. E. Romeu de Moraes

Parcerias dão novas perspectivas à educação pública

A meta principal não traz segredos: é preciso fazer com que o aluno aprenda. Mas para além do domínio das letras e números, a E. E. Romeu de Moraes quer formar pessoas ativas, preparadas e autônomas. Para isso não abre mão de parcerias internas, com os próprios alunos, por exemplo, nem das externas, além do auxílio de consultores que a ensinem a ensinar.

A velha escola, setuagenária, está se adaptando aos novos tempos e realizando adaptações físicas para garantir a acessibilidade de parte de seus alunos, já que se firmou como uma das referências do Estado em inclusão. Entre os 1.049 estudantes, 30 são portadores de deficiência e assistem aulas integrados aos demais. Ela também passou por reformas recentes em parte das instalações, a partir de uma nova modalidade de parceria que está ganhando corpo e envolve a Associação Parceiros da Educação. Mas a Escola Estadual Romeu de Moraes, localizada na Rua Tonelero, Vila Ipojuca, zona Oeste de São Paulo, quer mais, como a construção de um auditório que venha coroar o trabalho voluntário de teatro desenvolvido há cinco anos e meio pelo coordenador pedagógico do Ensino Médio, e também ator, Francisco dos Santos Cardoso.

E não é só. Toda essa reestruturação física resulta de uma postura moderna de gestão do ensino que procura envolver professores, alunos, pais e comunidade no compromisso com a aprendizagem e a formação da cidadania, cobrando, e muito, as responsabilidades de cada um, principalmente dos educadores. Com sete décadas de vida, a Romeu de Moraes oferece do 6º ano do Ensino Fundamental II ao 3º ano do Ensino Médio e quer mesmo é aprender a ensinar os próprios educadores a atingirem as metas de ensino, melhorando e muito a sua participação no ENEM e no IDEB. No último Exame Nacional do Ensino Médio, por exemplo, atingiu 55,21, o 20º melhor desempenho entre as escolas estaduais da Capital, bem acima da média entre as públicas (48,71), mas um pouco inferior à média das particulares (61,81). No IBED 2007, registrou 4,8, sendo que a meta para 2011 é entrar no azul (5,1).

“Vejo a escola como uma empresa, no sentido de que o nosso lucro é o sucesso do aluno, não somente quando está aqui, mas quando sai. Por isso exijo o cumprimento de horários e de metas de curto e médio prazo”, afirma a diretora Rosângela Valim, desde 2005 no comando da Romeu de Moraes. Rosângela admite que às vezes “sobrecarrega alguns profissionais” com tamanha exigência, mas não abre mão de fazer a escola efetivamente cumprir com o seu papel. Para isso, procura envolver no projeto todos aqueles que apresentam algum nível de comprometimento: além da vice-diretora Denise Ribeiro Rezende, os dois coordenadores (o outro é Arnaldo Aparecido Tiozzo), professores e alunos.

OPORTUNIDADES

A Romeu de Moraes possui um grêmio estudantil atuante e está implantando o projeto “Não Perderemos Você”, em que um grupo de estudantes vai atuar voluntariamente, no horário invertido, com os colegas da inclusão. Organizando festas mensais aos sábados (na quadra), campeonatos esportivos anuais, feira cultural, apresentações de teatro, entre outros, os estudantes do Romeu dão vida e colorido aos espaços físicos em transformação. Mas há muitos outros parceiros, como o Centro de Estudar Acaia Sagarana (ONG que oferece cursos pré-vestibulares para alunos da rede pública), o curso de Química da Universidade Mackenzie (com os graduandos), o Instituto de Imunologia do INCOR, a Junior Achievement (ONG que desenvolve projetos em empreendedorismo), a Alumni (Inglês), a Comphaus (empresa de ensino de robótica) e a própria Associação Parceiros, com a qual firmou um convênio no final de 2008.

Por meio desta última, a escola recebe apoio financeiro de uma empresa (no caso, o Itaú BBA) para contratar capacitação pedagógica dos educadores, capacitação dos gestores e melhorias na infraestrutura física. Tudo é acompanhado, ao menos 20 horas por semana, pela facilitadora Maria Alice Nogueira Souto, pedagoga e professora de História e Português, ex-coordenadora de ensino (Leia mais sobre a Associação Parceiros da Educação nas páginas 20 e 21). Em 2009, primeiro ano de trabalho com a Parceiros, a capacitação recaiu sobre três grandes áreas do conhecimento (Matemática, Ciências Humanas e Naturais); neste ano, a partir da sugestão dos coordenadores, a área de Humanas foi desmembrada em duas, para que Códigos e Linguagens figurasse como um módulo específico.

Realizada quinzenalmente por consultores externos, durante o HTPC (Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo), mas abordada semanalmente entre os professores, a capacitação apresenta novas práticas pedagógicas, ensina a “trabalhar o conteúdo de forma diversificada”, explicam Rosângela e a facilitadora Maria Alice. Segundo a diretora, a Matemática é a área “mais delicada” da escola. Conforme observa o coordenador Francisco dos Santos, “há um mito, alimentado pelos próprios professores, de que a disciplina é difícil de aprender. Cria-se então entre os alunos uma resistência natural contra a matéria”, diz. Francisco observa, no entanto, que a capacitação mostra outras possibilidades, estimula o docente a desenvolver uma nova postura, como “não usar o erro para emperrar o desenvolvimento do aluno, mas desvendar o caminho que o levou a isso, considerar o erro como uma hipótese testada e que não deu certo”.

Segundo o coordenador, ao se mudar a metodologia e “trabalhar mais concretamente, a relação com o aluno melhora”. “Quando o aluno é desafiado a construir, a fazer, não há tempo para conflito.” Na festa cultural Romeu Fest, realizada em 2009, os estudantes expuseram imensos móbiles de estruturas geométricas construídas a partir de projeto desenvolvido pelo professor de Matemática, após o processo da capacitação. A diretora Rosângela comenta que parte da equipe se envolve e abraça os desafios, mas que há muitas barreiras ao processo. “Para introduzir a capacitação, tivemos que criar a cultura do estudo, além de trabalhar a aceitação de uma equipe de fora. Houve uma resistência natural, o que é novo assusta, mas o processo foi tranquilo. Os coordenadores tiveram papel fundamental nisso”, relata. Na verdade, destaca a facilitadora Maria Alice, a parceria demanda adesão e firmeza dos gestores (direção e coordenação) para que dê resultados.

DESAFIOS DOS GESTORES

A tarefa é espinhosa e muitas vezes pode até desanimar. Rosângela afirma que atua com um quadro amplamente desfavorável enquanto gestora, pois não tem autonomia para selecionar ou dispensar os educadores, enfim, não pode escolher a equipe com a qual irá trabalhar. Às vezes, após um trabalho de dez meses, o professor vai embora, complementa sua vice-diretora Denise. Mesmo contando com profissionais dedicados, Rosângela revela que há docentes que exacerbam alguns vícios do funcionalismo público – a escola registra em média 4 faltas diárias, o que a obriga a remanejar a equipe, colocar coordenador para dar aula, entre outras medidas tomadas no sentido de evitar que os estudantes fi quem sem aula. “Tenho um professor que simplesmente se recusa a vir dar aulas às sextas-feiras e não tenho autonomia alguma para mandá-lo embora”, desabafa Rosângela. “O Estado pouco investe no gestor”, acrescenta.

A rotatividade anual atinge 50% da equipe. Nas atribuições de aula realizadas para 2010, a escola procurou trazer o maior número de sedes de frequência do professor, o que signifi ca, na prática, fazer com que um número maior deles realize o HTPC no Romeu e assim seja benefi ciado pela capacitação. Também solicitou ao seu parceiro a contratação de treinamento de coaching junto aos gestores, iniciativa pioneira entre as atividades apoiadas pela Associação Parceiros. O termo, literalmente, pode ser entendido como “aprendendo a ensinar”. “O Estado não dá muita base para a gestão de pessoas, para envolver, mobilizar, motivar e estar motivado. Como muda sempre a equipe, a cada ano temos que começar tudo de novo”, diz Rosângela. “Pedimos, então, ao parceiro alguém para nos auxiliar nesta missão”, explica. A Romeu vem procurando ainda incorporar algumas ferramentas modernas de gestão, como a avaliação anual de desempenho. Os estudantes avaliam professores, gestores e funcionários, a partir de um questionário simples, indicando falhas na prática pedagógica, problemas de relacionamento com os docentes e funcionários, qualidade da merenda, entre outros. Os gestores e educadores se auto-avaliam em conversa aberta e muitas vezes difícil, analisando as informações obtidas entre os alunos. “É uma parte às vezes dolorida”, comenta Rosângela, ou que pede cuidados, ressalva o coordenador Arnaldo. “Avaliar a relação entre as pessoas exige observar questões ligadas à afetividade, ao histórico da vivência do aluno com um determinado tema, ou seja, ter clareza que vários fatores interferem no conteúdo da avaliação”, afi rma Arnaldo. Aberta ao diálogo com os discentes, a escola encontra alguma difi culdade para que os professores entendam o processo, observa a vice-diretora Denise, “pois muitas vezes ele espera que a conversa resulte em punição dos alunos”.

Mas a sua missão está posta e exige o enfrentamento desses desafi os. “Uma escola exerce realmente seu papel quando o aluno aprende não só a ler, escrever, somar e dividir, mas a agir como cidadão consciente. O conteúdo nunca deixará de existir, mas a escola tem uma responsabilidade muito grande diante da sociedade”, acredita Rosângela.

APOIO EM INFRAESTRUTURA

Um dos braços de apoio da Associação Parceiros está na liberação de recursos fi nanceiros para a reforma dos espaços ou implantação dos equipamentos. Por conta desta parceria, a Romeu de Moraes já ganhou um laboratório de Ciências Naturais, uma sala multiuso para atividades de dança, teatro etc., novos banheiros para os alunos e os funcionários, copa, bancos e mesas na área de convivência dos estudantes. O refeitório foi ampliado e a quadra reformada. Já as obras de adaptação à acessibilidade contam com os recursos da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE). E em uma próxima etapa espera contar com o apoio de muitos desses parceiros para a construção do auditório.

ASSOCIAÇÃO PARCEIROS DA EDUCAÇÃO BUSCA NOVAS ADESÕES

A aliança é temporária, de cerca de cinco anos, período considerado sufi ciente para preparar gestores, educadores e a comunidade, mas visa a resultados permanentes: melhorar o rendimento escolar, procurando diminuir o fosso de “cem anos” que existe entre o desempenho da educação pública brasileira e os indicadores verifi cados nos países desenvolvidos. “A educação pública no País é um desastre, apresenta um dos piores índices do mundo e estamos, como sociedade, cometendo um crime, temos que resgatar esse défi cit”, defende o empresário Jair Ribeiro, um dos idealizadores e coordenadores dos programas da Associação Parceiros da Educação.

O projeto surgiu em 2006, a partir de um grupo de empresários que se uniu para apoiar escolas do Estado que apresenapresentassem disposição entre seus gestores e educadores para melhorar a aprendizagem dos alunos, a despeito de todas as carências ou defi ciências que enfrentavam. Hoje benefi cia 80 unidades, “adotadas” por 52 empresas ou empresários. Estes realizam um aporte fi nanceiro anual em torno de R$ 120 mil, destinado a obras e equipamentos de infraestrutura, além de projetos de capacitação pedagógica e em gestão, por meio dos quais a Associação Parceiros pretende “transformar o trabalho dos professores num processo produtivo”. Segundo Jair Ribeiro, “a nossa missão é o aproveitamento escolar do aluno em uma meta mais agressiva que a do Estado”.

Mas o grande diferencial da iniciativa é que existe um trabalho de base, em que cada empresário ou parceiro se envolve diretamente com o processo de transformação da escola, alguns chegam a visitá-la periodicamente ou até mesmo a dar aulas. Sua relação com a instituição é intermediada pela fi gura do “facilitador”, profi ssional da educação contratado pela Associação Parceiros, com o propósito de ajudar a mapear as carências e a apontar as soluções. Todo o processo é ofi cializado junto à Divisão Regional de Ensino à qual a escola se encontra vinculada. No momento, destaca Jair, 100 unidades estão preparadas para atuar com os Parceiros, esperando que a adesão de novas empresas ou empresários faça a fi la andar. A meta é dobrar, ainda em 2010, o número de escolas benefi ciadas pelo programa e nos próximos três anos atender a 500 delas e mais de 500 mil crianças. O empresário Jair Ribeiro iniciou a experiência em 2004, junto à Escola Estadual Luís Gonzaga Travassos da Rosa, localizada no bairro do Morumbi. Foi inspirado pela experiência bem sucedida realizada havia um bom tempo pelo empresário Jayme Garfi nkel com a Escola Estadual Etelvina de Góes Marcucci, situada em Paraisópolis, encravada na região do Morumbi, zona Sul de São Paulo. “Quando você chega à escola pública, sente uma organização sem dono, alma, direção, paixão, sem comprometimento de professores e alunos”, observa Jair. O empresário ressalta, é claro, que “existem exceções, que devem ser muito respeitadas, de escolas que desenvolvem, com o mesmo padrão de infraestrutura que as demais, um trabalho maravilhoso, movidos pela paixão dos diretores e coordenadores por aquilo que fazem”.

Na Luís Gonzaga Travassos, Jair Ribeiro relata que encontrou uma instituição com elevado índice de rotatividade entre os professores e uma estrutura física e pedagógica “precária”. Houve a necessidade de se investir inicialmente na recuperação da infraestrutura, até mesmo como “meio de chegar ao pedagógico, ganhar a confi ança da equipe e melhorar a qualidade de vida no trabalho”. Mas o foco era a capacitação pedagógica, “parte central da parceria”. Em seis anos de trabalho, houve melhora signifi cativa na aprendizagem dos alunos, destaca Ribeiro, que acompanha diretamente o processo na escola.

A avaliação periódica dos alunos, aplicada pela Fundação Cesgranrio, representa um dos cinco pontos básicos do programa, comenta Lúcia Fávero, diretora executiva da Associação Parceiros. Os demais são formação continuada de professores e coordenadores, alfabetização, sala de leitura e de informática. Mas a cada ano os processos são reavaliados e aperfeiçoados, conforme as respostas e as necessidades apresentadas. “Estamos na versão 5.0 do projeto, com um leque bem defi nido das intervenções que funcionam e não”, observa Jair Ribeiro, destacando que neste ano a Associação pretende avançar sobre as técnicas ou didáticas aplicadas em sala de aula.

Para os Parceiros, é inadmissível que um aluno que frequente as aulas não aprenda, que um professor não ensine, que uma escola abra mão de seu papel e que a sociedade feche os olhos para um problema crônico. Em busca de adesões, a Associação avisa, no entanto, que quer empresários que “participem e tenham comprometimento e disponibilidade para a causa”, afi rma a diretora Lúcia Fávero. E mais: nenhum dos parceiros recebe qualquer benefício fi scal pelos dispêndios.

Por Rosali Figueiredo

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