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Guia para Gestores de Escolas

Quem faz a aula interessante ?

Há alguns dias, numa fala a professores do chamado ensino fundamental 2 – de sexto a nono ano, para ser mais preciso – ouvi de vários  deles reclamações sobre as cobranças (que recebem) de pais de alunos. Via de regra, são cobranças sobre o baixo desempenho de seus filhos. Sim! Cobranças para os professores! Apesar de parecer meio contrassensual, é exatamente o  que acontece na maioria das escolas. O professor é colocado contra a parede pelo fato de nossos estudantes não estarem logrando bons resultados. E bons resultados são boas notas, ou, no pior dos casos, aprovação no final do ano. E é comum vermos situações em que as famílias cobram das direções e coordenações – que, por sua vez, transferem tais cobranças aos professores – um trabalho de maior motivação para seus filhos. É como se eles estivessem colecionando maus resultados devido à incapacidade dos mestres de fazê-los querer participar mais, estudar e, com isso, tornarem-se bons alunos. Então, bastaria que os professores tornassem as aulas “mais interessantes” e “mais dinâmicas”, para que seus rebentos sentissem que vale a pena levar a sério sua condição de estudantes. Numa sociedade em que eles “recebem muitos estímulos”, ficar em uma sala de aula estudando “é muito enfadonho”. Porém, como se preparar para os terríveis vestibulares se não se têm ânimo para estudar? Tarefa difícil essa dos professores. Um quebra-cabeça de milhares de peças talvez seja bem mais simples de montar. Afinal de contas, como motivar pessoas para querer saber? Sempre imaginei que conhecimento já viesse no manual de uso do humano . . . Essa é nova! Mais uma! Então, vamos lá.

Em primeiro lugar, pensemos um pouco nas razões que levam uma família a querer que seus filhos frequentem uma escola. A resposta imediata será a consagrada. “É preciso saber, conhecer o mundo, poder fazer parte da sociedade em que se vive, ser cidadão”. Alguns são  mais diretos: “quero que entre numa boa faculdade”. E, na verdade, todos querem que a escola seja uma garantia de que o trajeto normal do cidadão esteja sendo percorrido sem problemas. Após o ensino fundamental vem o médio, depois a faculdade . . . Quase obrigação para a classe média e sonho de consumo para os menos abastados. Escola faz parte do ciclo da vida cidadã, assim como casar, ter filhos e pertencer a uma profissão. Um elemento da cultura já incorporado e inquestionável. Então, pode ser que esteja enganado, mas as pessoas já nem pensam ou refletem sobre a relação entre escola e conhecimento. Ter de ir à escola é ponto pacífico. Já conhecer . . .

O conhecimento é um tema muito complicado, principalmente no modelo de sociedade em que vivemos. Afinal, conhecer o quê? Para quê? Certamente nossos jovens – e seus pais, por que não? – têm muitos interesses sobre os mais variados temas. A todo instante, estão vasculhando a internet em busca de informações, contato com pessoas e lazer. Buscam o novo, investigam e (logicamente) aprendem. Aprendem o que querem, o que necessitam. Como  nunca se sonhou na história humana, hoje as informações vivem escancaradas e gratuitas. Basta que as queiramos ou necessitemos delas. Conhecer é questão de querer. Mas, daí vem uma questão mais complicada: quem quer saber os conteúdos que são ensinados na escola?

Apesar de entendermos – e professarmos isso o tempo todo aos jovens – que o conhecimento acumulado pela humanidade é patrimônio de todos, e que deve fazer parte do repertório de quem almeja uma participação mais ativa na sociedade, parece que torna-se cada vez mais difícil convencer nossos jovens deste fato. Afinal, à medida que nos desdobramos (nós educadores) para convencê-los de que o saber erudito vale a pena, novos aparelhos eletrônicos de ultima geração aparecem conduzidos por campanhas de marketing arrasadoras e grifes da moda soltam também produtos novos “irrecusáveis” – com direito até a imitações “quase perfeitas” para quem tem o orçamento mais apertado. Um big brother rouba a cena nos noticiários, enquanto um jogador brasileiro radicado na Europa lança um novo penteado e uma atriz da novela das sete faz uma baixaria no Pânico. Sejamos honestos: dá para competir? Posso estar enganado, mas a escola está lá na rabeira da fila de interesses das chamadas novas gerações. E não consigo conceber o aprendizado de algo que não desperte interesse. E da palavra interesse surge o adjetivo interessante, o qual é cobrado enfaticamente por famílias e coordenadores quando indagam e avaliam as aulas do nosso bravo professor. Aulas interessantes! Mas, aulas de que?

Se entendi bem, as aulas de ciências poderiam trazer temas como Guerra nas Estrelas, deixando em off, disfarçadinhas, as leis de Newton. A professora de Língua Portuguesa talvez pudesse trazer uns trechos do Big Brother e pedir para que os alunos buscassem adjetivos, substantivos ou advérbios nas falas dos personagens – isto iria requerer grande perícia dos estudantes, pois teriam de filtrar gírias o tempo todo. O professor de História, que sabe, poderia apresentar a saga da Hollister desde fundo de quintal até se tornar potência internacional. Aí, na surdina, poderia dar algumas noções sobre império ou sociedade de classes. Geografia? Vou tentar! Que tal um estudo sobre os possíveis trajetos de Miami a Orlando (sem passar pela Nasa)? Poderia até fazer uma interdisciplinaridade com Matemática, estudando análise combinatória a partir dos resultados iniciais. Talvez o leitor possa me chamar de mal-humorado ou pessimista, mas tornar as aulas “interessantes” não é tarefa das mais fáceis. Se entendi bem o recado, caberia aos mestres camuflar o saber acadêmico no prazer da sociedade do espetáculo e do consumo. Mas, e os conteúdos – muitos deles anacrônicos e desnecessários; reconheço isto – dos vestibulares? Consomem tempo. Dão trabalho. E, mais importante, também são demandas dos pais. Aliás, as tais “aulas interessantes” são justamente para fazer com que sejam aprendidos sem dor. Que complicado! Será que a equação não poderia envolver outra variável? Falo sério! Falta, talvez, entrar em cena o ator principal. Refiro-me às próprias famílias.

Acontece que o interesse do aluno não surge necessariamente dentro da escola. Neste espaço, durante vários séculos, o aluno chegava ávido por responder a questionamentos e descobrir aquilo que o mundo sensível não lhe revelava imediatamente. E trazia isso tudo do seu mundo, da sociedade, da sua gente. Isso mesmo! A meu ver, o caminho do conhecer começa em casa.

Sim, os pais, parentes e amigos, da mesma maneira que tornam os jovens “motivados” para viagens, roupas, aparelhos e entretenimento, bem que poderiam educá-los para uma melhor relação com os saberes menos imediatos. Quem sabe, possam dedicar uma atenção maior à preparação dos filhos para saber ouvir, aprender a limitar sua voracidade consumista e até encontrar beleza em coisas que não necessitem estar prontamente à sua frente – real ou virtualmente, sob efeitos especiais. Quem sabe, a beleza do mundo perceptível – com ou sem H. D. – possa ser revelada pela família. Já imaginaram um aluno que chega na escola querendo saber como é esse mundo e não apenas o que pode retirar dele? E, quem dera, tivéssemos coordenações e direções que aprendessem a não concordar – como norma – com as famílias, quando o tema for crítica ao professor…

Eu me descobri professor há mais de trinta anos. As aulas (que dou) têm tudo para ser sempre interessantes, pois os temas são o mundo, o homem, a ciência, a cultura. Não há nada mais belo do que tudo isto. E àquelas pessoas vidradas em absolutos, uma novidade. Não existe a aula interessante, o tema motivador, o meio infalível. O que existe – em quaisquer relações humanas – é a interação. A aula maravilhosa, o professor sensacional ou os temas instigantes dependem dos dois protagonistas. O professor que faz tudo para encantar e colocar interrogações nas mentes da turma, e o aluno que pode trazer de seu convívio familiar um pouco mais de amor pela beleza do mundo. E gosto pode ser apreendido por convivência, assim como sotaque ou cacoete.

Então, caros professores. Não se frustrem com mais esta. Suas aulas podem, sim, melhorar, sempre. Mas, para aqueles que as exigem cada vez mais interessantes, devolvam-lhes sua exigência. Peçam aos pais que preparem parte dessa aula interessante, mostrando a seus filhos que o mundo é vasto, lindo e vale a pena ser investigado. E que grande beleza exige cuidado, estratégia e disciplina para ser contemplada e degustada de verdade. E às coordenações: segurem-se um pouco. Respirem. E peçam aos pais que passem a colaborar mais com essas “aulas mais interessantes”.

 
joao-luiz-muzinatti
Prof. João Luiz Muzinatti é Mestre em História da Ciência. Engenheiro, é também professor de Matemática, Filosofia e Ciências em nível de graduação, pós-graduação, e Ensino Fundamental e Médio.
Atua ainda como diretor do ABC Dislexia (com atendimento a alunos, consultoria, cursos e palestras em Educação), além de consultor do MEC (Ministério da Educação) em Filosofia para a TV Escola – programas “Acervo” e “Sala de Professor”. Foi diretor do Colégio Santa Maria, em São Paulo; coordenador pedagógico do Colégio Franciscano Pio XII (também em SP); e diretor do Espaço Ágora – Terapêutico e Educacional.
Trabalhou como engenheiro daFlender Latin American – consultor no Chile, e escreveu e lançou o livro de poesias “Inventário de mim” (Ed. Scortecci) .
Mais informações[email protected] ; www.abcdislexia.com.br 

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