fbpx
Guia para Gestores de Escolas

Tendências atuais da literatura para crianças

Por Maria das Merces Pereira Apostolo

 

18 de abril é o Dia Nacional do Livro Infantil, data escolhida para homenagear o pré-modernista Monteiro Lobato, conhecido como escritor de obras infanto juvenis. As transformações que se operaram na sociedade também mudaram as experiências vivenciadas pelas crianças e jovens, e esse público têm novas expectativas em relação à leitura, tanto do ponto de vista da temática quanto da abordagem desses conteúdos, cabendo aos educadores e bibliotecário, com apoio institucional, a tarefa de garantir o acesso que contribua a essa criança e jovem formar um cidadão crítico e esclarecido.

 

Sendo o livro, em nossa sociedade, um dos principais meios através dos quais desenvolvemos e construímos subjetividades, é de se supor que este objeto seja de grande impacto na sensibilidade, na linguagem e nas emoções de quem o lê, principalmente se for criança ou jovem. Para além de formar o gosto literário do futuro leitor, o livro para crianças também lhe oferece a oportunidade de discutir questões que lhe angustiam, mostrando sob a perspectiva do herói que tudo pode ser superado e resolvido mesmo que não haja um “final feliz”.

 

A chamada literatura infantil não é mais a mesma de antigamente, dizem os saudosos avós. Isto porque nos últimos anos inúmeras mudanças, algumas surpreendentes, tem-se produzido nesse tipo de narrativa, pois tal como qualquer outro produto cultural, a literatura para crianças também acompanha as transformações que ocorrem na sociedade. Assim, estilos narrativos novos e temas em alguma medida, controversos, têm permeado esse tipo de literatura.

 

A literatura para os pequenos tem nos últimos anos, buscado acompanhar os desafios que as crianças enfrentam no mundo de hoje. São indivíduos que estão crescendo submetidos a experiências e situações diferentes das de seus pais e avós, e a partir das quais devem construir seus valores e visão de mundo.

 

Os estudiosos da literatura infantil, chamam a essa vertente de “nova sensibilidade” que originou-se a partir das contestações de Maio de 68, do movimento hippie e movimento feminista que iniciaram as críticas aos estereótipos propagados pelas narrativas tradicionais.

 

Muitos escritores hoje famosos participaram desses movimentos em sua juventude e trouxeram para sua produção literária suas inquietações e espírito contestador. Vários revisaram a literatura existente levantando questionamentos a respeito das ideologias e valores presentes nas histórias, como por exemplo, Ariel Dorfman que identifica a colonização capitalista da Disney por meio de Tio Patinhas e Pato Donald. Outros viram nos contos de fadas tradicionais a afirmação de um ideal feminino de submissão e apatia. E no Brasil temos ainda hoje, a discussão sobre a presença de racismo na obra infantil de Monteiro Lobato. Assim, autores e obras considerados sagrados, intocáveis, foram revirados do avesso abrindo caminho para uma nova mentalidade na produção de livros infantis os quais começaram a oferecer um espectro temático mais amplo e complexo, trazendo assuntos que antes nunca tinham sido abordados de maneira explícita, como o medo, a morte, a sexualidade, o modelo familiar, a doença, etc.

 

Outro aspecto importante trazido por essa nova vertente foi a abordagem sobre gênero que reivindica figuras femininas em situações de força e poder, questionando o estereótipo da “sensibilidade feminina”, isto é da valorização da fragilidade, timidez, da domesticidade e obsessão por apresentar uma boa aparência, e revolucionando o ideal feminino vigente. Também os estereótipos masculinos são questionados: agressividade, insensibilidade e dureza. A própria indústria de entretenimento alimenta-se e alimenta essa tendência como forma de dar vigor e sobrevida aos temas apresentados.

 

O que não significa que os chamados clássicos não tenham mais apelo. Ao contrário, eles continuam imbatíveis, com grande capacidade de sobrevivência, alimentada por inúmeras releituras e rearranjos em seus enredos originais. Vários livros e filmes são lançados todos os anos abordando a base temática desses velhos contos, tais como o filme Malévola, a série televisiva Once upon a time e recentemente o filme Cinderela, atestando o vigor dessas narrativas e o lugar insubstituível que ocupam no imaginário coletivo.

 

Desde os anos 80 observa-se a emergência dessas novas tendências. Já não existe a imposição exclusiva de uma literatura infantil moralista cuja finalidade didática era explícita e se sobrepunha à própria narrativa. Os autores da atualidade já não se sentem obrigados a oferecer saídas morais e edificantes a seu público e seus personagens muitas vezes tornam-se porta-vozes dos sentimentos dos leitores. Os dilemas morais da sociedade contemporânea, as dificuldades de relacionamento visíveis entre os adultos, são temas estendidos às crianças para falar-lhes de sua solidão, seu abandono e da negligência com suas necessidades.

  

Tal como nos contos de fadas antigos, aqueles que eram sem idade, é o mundo adulto que está em julgamento. Dentro dele, em meio à sua crueldade e solidão, a criança deve encontrar o seu caminho, realizar sua jornada rumo ao autoconhecimento e ao amadurecimento. Derrubar a muralha de espinhos, escalar a torre mais alta, concluir as três tarefas mortais e tornar-se por sua vez adulto.

 

Mas, diferentes dos heróis dos contos de fadas que venciam pela nobreza do caráter, força física e com a ajuda do maravilhoso, os pequenos personagens da literatura atual são crianças espertas, de sensibilidade aguçada e capazes de ver além da realidade comum. Não raro são crianças com problemas físicos ou emocionais que por meio da jornada narrativa superam essas dificuldades e se libertam de uma tutela que os superprotege e impede seu crescimento.

 

Muitos pais e educadores sentem insegurança e desconforto com essas novas temáticas. Ficam desconfortáveis com determinadas abordagens e pleiteiam o banimento de determinados temas das prateleiras infantis. Entretanto, muito autores consideram que ao invés do afastamento das obras o mais necessário é a preparação de bibliotecários e bibliotecárias, professoras e professores para lidarem com as questões propostas por essa literatura. Na perspectiva educacional propõem a presença, em sala de aula, de temas que abordem as representações do mal-estar contemporâneo. Reiteram a importância do apoio, inclusive institucional, para que seja garantido às crianças e jovens o direito de acesso a obras que discutam e estimulem a reflexão e o questionamento sobre a condição humana.

 

Conforme diz Nilma Lacerda em seu texto “Para atravessar o território desconhecido, a caminho do amanhã”

 

“Só a coragem de uma literatura em diálogo com os chamados temas polêmicos permite atravessar as zonas menos iluminadas da psique humana, a possibilidade de interrogar o mal, o esclarecimento sobre outras possibilidades de realização erótica, para além do estabelecido por convenções (…)”.

 

Maria das Merces Pereira Apostolo é Mestre em Metodologia da História e História Paulista. Atualmente é docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e bibliotecária coordenadora do Centro de Documentação do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região. Foi vice presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia- 8a. Região, gestão de 2009 a 2011. Tem experiência na área de Ciência da Informação, com ênfase em História, Arquivística e Leitura, atuando principalmente nos seguintes temas: projetos de organização de bibliotecas e arquivos e mediação à leitura. 

 

Receba nossas matérias no seu e-mail


    Relacionados