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Guia para Gestores de Escolas

Conversa com o Gestor – Bullying: Promovendo a igualdade e o respeito às diferenças nas escolas

Matéria publicada na edição 121 | Setembro/2016 – ver na edição online 

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Irmã Adair Sberga, diretora-executiva da Rede Salesiana de Escolas (RSE).

“As nossas escolas já têm por carisma trabalhar a questão dos valores, do respeito ao outro, da implantação dos direitos humanos na prática do dia a dia da escola. Um dos pontos básicos da nossa proposta é a formação da razão, educando a pessoa a pensar criticamente para agir corretamente. Diante disso, quando as crianças brigam o primeiro posicionamento é chamar as duas crianças, conversar, deixar que elas reflitam e percebam que quando elas convivem respeitando o outro também se sentem mais felizes, porque o ambiente se torna mais familiar”, diz Irmã Adair Sberga

Por Rafael Pinheiro / Fotos Divulgação

Diversidade, respeito, igualdade. Esses três elementos alinhados com conceitos humanitários representam uma força ímpar. Atravessamos a vida e seus círculos sociais, institucionais e estudantis admirando e convivendo com uma grande questão: a diferença. Esse quesito, que espalha aprendizado e experiências significativas, pode ser cruzado através de duas percepções – positiva ou negativa.

Diariamente, se observarmos o circuito estudantil – tanto no ensino de base como no ensino médio e acadêmico – percebemos uma pluralidade que invade salas de aula, corredores, espaços de convivência e locais externos. Essa diversidade, à qual me refiro, está presente nos gostos, gestos, estilos, roupas, movimentos, pensamentos, ideias, aspirações e tudo o que move um ser humano.

Aprender a conviver, dialogar e integrar as diferenças é uma tarefa árdua, sadia e que deve ser nutrida a todo instante. Por outro lado, é notória a existência de atos intolerantes, que constrangem, inibem e embaraçam alunos em diversas camadas sociais e econômicas. Para esses atos designamos a presença do  bullying.

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A questão do bullying é uma preocupação constante na Rede Salesiana de Escolas. Há vários anos o colégio possui projetos para combater o bullying

Com o intuito de criar um programa de combate ao bullying em território nacional, Dilma Rousseff sancionou uma lei antibullying (lei nº 13.185), publicada no Diário Oficial da União em 9 de novembro de 2015, indicando, entre outros artigos, “promover medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, com ênfase nas práticas recorrentes de intimidação sistemática (bullying), ou constrangimento físico e psicológico, cometidas por alunos, professores e outros profissionais integrantes de escola e de comunidade escolar”. A lei entrou em vigor em fevereiro deste ano, após 90 dias da data de sua publicação oficial.

O termo bullying (bully = “valentão”), de origem inglesa, foi adotado no Brasil em sua característica original por não existir uma palavra na língua portuguesa capaz de expressar corretamente sua abrangência. “É considerado bullying qualquer tipo de expressão que tem como objetivo humilhar o outro. Essas expressões podem ser em ações, brincadeiras ou palavras. Mas, geralmente, o bullying nas escolas, está associado às brincadeiras que ridicularizam o outro”, indica a psicanalista Elizandra Souza.

Os alunos que sofrem bullying, conta a psicanalista, se sentem humilhados, inferiorizados, não pertencentes ao grupo, muitas vezes se recusando a ir para a escola. Os apontamentos são os mais diversos, desde questões anatômicas até questões relacionadas aos pais.

“O bullying não é uma ação isolada. Questões sociais e culturais podem influenciar a ação do bullying como podem, também, influenciar como se recebe brincadeiras e gozações na escola. Nossa sociedade, hoje, exige padrões que nem sempre podemos atingir, ao mesmo tempo que valoriza certos quesitos das pessoas, como a beleza e o consumo. Nossa sociedade é muito intolerante com o diferente. Há uma espécie de recusa daquele que não se enquadra nas características físicas, comportamentais ou expressivas do grupo. Pessoas que não se enquadram nessas exigências são apontadas como diferentes. E os diferentes serão rechaçados. Dessa forma, também, apontamos outra questão social importante, que é a desconsideração do outro como sujeito, como alguém que pensa, sonha, sente de forma diferente”, explica Elizandra.

E, nesse contexto, como é possível para a instituição escolar, que pode ser caracterizada como o primeiro espaço social e amplo que a criança frequenta, repleto de pluralidade, promover atos que possam erradicar a aparição do bullying? “A escola sempre pode fazer muita coisa”, ressalta Elizandra. “Desde palestras, trabalhos, conversas com e entre os alunos”.

EDUCAÇÃO E PREVENÇÃO

“As nossas escolas já têm por carisma trabalhar a questão dos valores, do respeito ao outro, da implantação dos direitos humanos na prática do dia a dia da escola. Um dos pontos básicos da nossa proposta é a formação da razão, educando a pessoa a pensar criticamente para agir corretamente. Diante disso, quando as crianças brigam o primeiro posicionamento é chamar as duas crianças, conversar, deixar que elas reflitam e percebam que quando elas convivem respeitando o outro também se sentem mais felizes, porque o ambiente se torna mais familiar”, destaca a Irmã Adair Sberga, FMA, diretora-executiva da Rede Salesiana de Escolas (RSE).

A RSE, que possui diversas unidades com presença nacional e congrega mais de 100 instituições católicas de ensino, é centrada na metodologia do amor educativo e no sistema preventivo. Assim, a proposta pedagógica salesiana é calcada em três dimensões: Razão – a compreensão da vida, de si, dos outros e do mundo; Religião – o sentido da vida e a busca por Deus; e Afeto – o amor que desperta a alegria de viver.

Do ponto de vista da ação prática, Irmã Adair ressalta que “quando acontece uma situação de conflito entre os alunos, toda a equipe pedagógica é envolvida para resolver essa situação: as educadoras, as coordenadoras e a direção da escola. A resolução do problema não é restrita à sala de aula”. Ela afirma também que é muito importante diferenciar o que é e o que não é bullying. “Procuramos explicar, inclusive para os pais, o que é bullying e o que é uma situação particular, isolada. Para que possamos agir corretamente para resolver cada situação”.

Este ano, com a presença da lei antibullying, o tema foi discutido no Encontro Nacional da Rede Salesiana de Escolas (ENARSE), para esclarecimentos sobre a legislação com um professor na área de direito constitucional (que falou também sobre a lei de inclusão). Também este ano, a RSE promoveu, por meio do Centro Salesiano de Formação, um curso a distância, no primeiro e segundo semestre, sobre bullying e mediação de conflitos.

O curso a distância sobre Orientação Educacional: Bullying e Mediação de Conflitos tem carga horária de 30 horas e o seu objetivo é proporcionar espaços de reflexão, socialização de experiências e o desenvolvimento de conhecimentos conceituais sobre bullying e outras violências no ambiente escolar, tratando sobre o papel dos educadores, escola e família diante dessa prática, desenvolvendo a capacidade de mediar conflitos, utilizando métodos e técnicas apropriadas à resolução não-violenta.

Os temas abordados neste curso são: Introdução ao estudo de conflitos; Conflitos no ambiente escolar; Conflitos e violências no âmbito das interações sociais cotidianas; Violência e Não-violência; Fatores externos e internos que podem gerar violência na escola; Bullying nas Escolas; Prevenindo o Bullying; Negociação e Mediação; Comunicação Não-Violenta (CNV); Quem é o mediador de conflitos na escola; Limites da Mediação e do Mediador; Papel e perfil do Mediador; Construção de um ambiente cooperativo na escola; e O potencial das parcerias e redes internas e externas; Aplicação da mediação de conflitos na escola. “Há uma preocupação por parte da direção da RSE em adequar nossas escolas à nova legislação. Porém, é importante dizer que a mediação de conflitos já faz parte do sistema educativo salesiano”, afirma Irmã Adair.

AÇÃO EM DISCUSSÃO

Em maio deste ano, o Ministério da Saúde e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgaram uma pesquisa realizada com contribuição da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP), da Universidade de São Paulo (USP), indicando um aumentou de 5% para 7% a presença de casos de bullying nas escolas brasileiras. O levantamento apontou também que 20,8% dos estudantes já praticaram algum tipo de bullying contra os colegas e que a prática é proporcionalmente maior entre os meninos do que entre as meninas.

Mirna Eloi Suzano, diretora do colégio Liceu Santa Cruz (integrante do Grupo A Educacional), acredita que são dados que traduzem a realidade e que o aumento também está relacionado ao fato de haver um estímulo muito grande para que as crianças e adolescentes nas situações que vivenciam. “No Liceu Santa Cruz temos poucas situações. Há muito tempo nos preocupamos em colocar o assunto em discussão e sempre atuamos quando surgem situações entre os alunos”, comenta.

De acordo com a diretora, a instituição tem como regra orientar os alunos envolvidos, tomando também as medidas disciplinares cabíveis e estabelecidas pelas normas regimentais. “Não tem o que inventar. À escola cabe agir, preventivamente ou quando algum caso acontece. Atuamos prontamente quando a informação chega e levamos as informações às famílias para que continuem orientando seus filhos”, completa.

Pensando em como diminuir os casos de bullying e apoiar os alunos que sofrem esse tipo de ataque, o Liceu Santa Cruz tem investido muito na informação sobre o assunto e vem desenvolvendo projetos nas áreas de filosofia, sociologia e OPEE (Orientação Profissional, Empreendedorismo e Empregabilidade). No primeiro semestre, a escola organizou um espetáculo teatral sobre o bullying, o qual todos os alunos assistiram e, ao longo da semana que antecedeu a apresentação, todos os professores abordaram o tema em sala de aula e os alunos produziram textos e cartazes que ficaram expostos.

Em relação aos alunos que praticam bullying, as medidas disciplinares adotadas pela instituição são as que constam nas normas escolares. “Não acreditamos que a impunidade deva acontecer, mas só medidas punitivas não são a solução para a questão. Precisamos estabelecer as possibilidades de retratação e pedido de desculpas entre os envolvidos”, comenta Mirna.

As situações são sempre amplamente discutidas com toda a comunidade escolar. A orientação dada aos alunos é sempre no sentido de que não devem ter medo de contar o ocorrido, que podem contar com o apoio de toda a equipe de profissionais da escola e que sempre haverá a intervenção dessas pessoas para que a situação seja resolvida. Já os professores são orientados para que interfiram imediatamente, não dando espaço para que a situação continue e para que levem a situação à coordenação e direção.

Para a diretora, o principal malefício para alunos que sofrem com o bullying é o risco de que a situação seja vivida individualmente e que possa determinar um processo de baixa autoestima, que pode levar a situações de ansiedade, depressão, tristeza, distúrbios alimentares e de sono ou, até mesmo, comportamentos agressivos. “O que temos percebido é que está surgindo cada vez mais cedo. Hoje temos manifestações em todas as faixas etárias. Entre adolescentes e pré-adolescentes é mais comum, porém, mesmo entre crianças do Ensino Fundamental acontecem alguns casos”.

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‘Há muito tempo nos preocupamos em colocar o assunto em discussão e sempre atuamos quando surgem situações entre os alunos’, comenta a diretora do Colégio Liceu Santa Cruz

SER DIFERENTE

Com linguagem simples, texto enxuto e desenhos coloridos, o livro “As cores do esquisito”, idealizado e escrito por Sergio Biscaldi e ilustrado por Renan de Oliveira, é destinado ao público infantil e aborda um tema atual e cada vez mais recorrente: o surgimento do bullying já na infância.

“A história se passa no ambiente escolar, que é basicamente o primeiro lugar de convívio social das crianças depois da família. O personagem sofre o bullying por ser realmente esquisito: tem uns olhões esbugalhados, um cabelo arrepiado, uma pele muito pálida e veste-se de preto. Mas ele, na sua inocência infantil, não acha que é discriminado pela aparência. Para ele, os colegas da classe o tratam assim pelo fato dele não ter nenhum talento especial como os demais, que jogam bola, dançam e são bons em alguma coisa”, diz Sergio Biscaldi.

“As cores do esquisito” é um projeto de estímulo à leitura patrocinado pela Prefeitura Municipal de Campinas, Secretaria Municipal de Cultura e Fundo de Investimentos Culturais de Campinas (FICC). Além da publicação do livro, doação de parte da tiragem de mil exemplares para estudantes da rede municipal de ensino e venda ao público por um preço popular, o autor tem realizado uma série de palestras em escolas e eventos literários falando sobre o bullying por meio das histórias.

“Os alunos se identificam com o personagem e veem como ele fica mal por sofrer o bullying. E então relacionam o universo da história com o seu próprio universo escolar, tomando consciência do quanto o amigo discriminado pode estar se sentindo também por algo que eles fazem”, destaca Sergio. O livro “As cores do esquisito” tem sido adotado em escolas como leitura, para que o tema possa ser desenvolvido em atividades na sala de aula e discussões, com os alunos se inspirando a criar as próprias histórias em textos, desenhos e até peças de teatro.

Ficha técnica

Título: As cores do esquisito

Autor: Sergio Biscaldi, com ilustrações de Renan de Oliveira

Gênero: Infantil

Editora: Aquário Editorial

Dimensão: 26 x 17 cm

ISBN: 978-85-68766-04-0

Número de páginas: 36

Preço: R$ 15,00 (1ª edição)

Saiba mais:

Para ler a lei antibullying (nº13.185) na íntegra, acesse: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13185.htm

Elizandra Souza – [email protected]

Irmã Adair Sberga – [email protected]

Colégio Liceu Santa Cruz – [email protected]

Sergio Biscaldi – [email protected]

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