“Surdez na infância é uma das mais sérias limitações que pode ocorrer a uma criança pequena, porque ela não permite que se atinja um desenvolvimento ótimo e afeta a relação com o mundo em que vive.” (O médico e a criança surda: APA – Comitee on Children With Handicaps – 1973)
- Infelizmente ainda é frequente a demora no diagnóstico da surdez.
Esta demora no diagnóstico pode ser explicada, em parte, porque na maioria dos casos de déficits auditivos, o desenvolvimento motor e psicossocial é normal. Além disso, a emissão vocal é aparentemente normal durante os primeiros 6 ou 8 meses de vida. Muitas crianças ficam sem diagnóstico porque a postura diante de um atraso de aquisição e desenvolvimento de linguagem costuma ser muito mais “aguardar” do que “investigar”.
Outro fator que explica a falta de diagnóstico é que existem graus variados de perdas auditivas. Assim, a criança pode responder a alguns sons, mais altos, ou mais graves, e não a outros, o que pode confundir os pais. Em caso de perdas unilaterais, ou assimétricas, o lado bom pode responder, dando a impressão de que o problema não existe.
Importante lembrar também que algumas perdas são progressivas, daí a necessidade de realizar um acompanhamento da criança, semestralmente, ainda que se tenha constatado funcionamento normal da orelha interna, ao nascer, através do “exame da orelhinha”.
Observo na prática clínica enganos frequentes a respeito das formas de se avaliar a audição:
- O teste da orelhinha (EOA: Emissões Otoacústicas) é universal, ou seja, indicado para todos os bebês. É gratuito – é uma triagem neonatal. Não garante a audição, mas pode assegurar função coclear normal.
- O BERA (Resposta Auditiva Evocada do tronco Cerebral) garante a integridade até o tronco cerebral. Pode assegurar função normal até os núcleos localizados no tronco cerebral.
- Audiometria de reflexos condicionados (indicado para crianças maiores de 2 anos). É um exame rápido, de fácil realização, não invasivo e divertido para a criança. Pesquisa o nível mínimo de resposta auditiva.
- Avaliação do Processamento Auditivo. Existem testes pediátricos que permitem o acompanhamento do desenvolvimento da criança pré escolar. Avalia a audição em situações de escuta difícil, o que permite inferir como está a compreensão de linguagem.
Mesmo crianças que escutam perfeitamente os sons, podem apresentar atrasos significativos do desenvolvimento das habilidades auditivas que constituem o Processamento Auditivo. Este se refere a como o cérebro interpreta as informações que chegam através do ouvido.
Na criança normal as habilidades envolvidas no processamento auditivo central desenvolvem-se em paralelo ou em relações recíprocas com habilidades de linguagem (KEITH, 1988). Embora o diagnóstico de Transtorno do Processamento Auditivo só possa ser dado a crianças mais velhas, os atrasos podem ser detectados muito precocemente, antes que as repercussões se mostrem na linguagem e na aprendizagem.
Somente o diagnóstico precoce das alterações da audição ou do processamento auditivo permite a intervenção a tempo com a escolha da melhor forma de tratar, estimular ou reabilitar, a fim de sanar ou minimizar os impactos na vida da criança.
Assegurar que a criança possua integridade das vias auditivas a fim de usufruir da estimulação que o ambiente proporciona e desenvolver o máximo de suas potencialidades é o nosso papel.
Maria José Lopes de Andrade é fonoaudióloga graduada e com especialização em Distúrbios da Comunicação Humana na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), com Aprimoramento em Audiologia Clínica pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e no Sistema Verbotonal de reabilitação da audição e da fala. Atua no grande ABC desde 1986 na área clínica – diagnóstico e reabilitação – na assessoria a escolas e é responsável pelo setor de audiologia da CLIA Psicologia Saúde e Educação.