Discussões referentes à viabilidade da inclusão do Mestrado Profissional no âmbito da pós-graduação vêm tendo lugar nas agências de fomento e nos diversos programas espalhados pelo país. Em se tratando, como é o caso, de matéria polêmica, é mais que desejável que quaisquer decisões sejam antecedidas de um exame meticuloso e detalhado. Nesse sentido, as considerações seguintes visam unicamente contribuir para o debate sereno e aprofundado que o assunto exige.
O sistema de Pós-Graduação brasileiro se organiza nas seguintes modalidades de cursos: Doutorado, Mestrado, Especialização e Aperfeiçoamento. O Pós-Doutorado, forma livre de estágios para desenvolvimento de projeto específico de pesquisa, não requer regulamentação.
As definições referentes ao Doutorado, que busca formar o pesquisador para atuação autônoma e original e para liderar grupos de pesquisa, também constituem conceito firmado internacionalmente, que não precisa ser problematizado. Talvez a única questão a se colocar nessa modalidade seria a pertinência ou não de doutorados fortemente vinculados à formação em serviço, como é o caso de vários programas na área de saúde, por oposição a modelos, na mesma área, voltados à pesquisa básica ou a pesquisas com grupos de controle. Em alguns casos, o Mestrado e o Doutorado em áreas como a Odontologia ou a Medicina não parecem ultrapassar a dimensão de aprimoramento da habilidade no exercício profissional e na execução das atividades específicas de cuidado do paciente.
Também o Mestrado tradicional, hoje denominado “acadêmico’’ para se distinguir do chamado Mestrado “profissional” (aliás, termos bastante inadequados, creio eu), parece ter uma definição consensual: busca expor o mestrando à literatura científica do campo, treiná-lo em atividades de pesquisa buscando um grau cada vez maior de autonomia que o prepare para o nível do Doutorado e, como resultado, qualificá-lo para o magistério superior. Por esta razão, não se exige da dissertação de Mestrado a originalidade essencial à tese de Doutorado.
Como os cursos de Aperfeiçoamento praticamente funcionam apenas como atualização, parece-me desnecessário tê-los como objeto de reflexão, neste momento.
Aqui, o que nos interessa é verificar se, do ponto de vista conceitual, existe diferença substantiva entre um curso de Especialização e os chamados Mestrados Profissionais. Na hipótese de que os modelos e enfoques metodológicos e epistemológicos sejam de natureza similar, ou, em outras palavras, se a elaboração de uma dissertação constituir a única diferença entre esses tipos de cursos, então o Mestrado Profissional não passaria de uma Especialização “sofisticada”, ou de uma Especialização que se mascara de Mestrado para adquirir valor de mercado. Certamente, isto não é aceitável, e ouso afirmar que muitos Mestrados Profissionais realmente não passam de Cursos de Especialização com dissertação. E, claro, com cobrança e com diploma de Mestre.
Entretanto, parece-me possível estabelecer uma diferença conceitual entre os dois modelos de curso, pois creio que existem identidades específicas que justificam a existência de ambos.
A Especialização possibilita uma verticalização do conhecimento em um sub-campo específico de uma área do conhecimento, buscando melhor qualificação do aluno para uma atuação profissional definida e bastante circunscrita. Tanto isso é verdade, que muitos profissionais inseridos no mercado fazem mais de um curso de Especialização. O Mestrado “Acadêmico”, como vimos, realiza um outro percurso, abrangendo o conhecimento estabelecido em um campo disciplinar para formar o profissional de maneira mais acadêmica (aí, sim, vale o termo), de forma horizontal.
Qual seria, então, a especificidade do chamado Mestrado Profissional? A que projeto institucional de maior fôlego ele pode ser associado? Como proceder de modo que venha a enriquecer as atividades da pós-graduação? É nosso entendimento que a proposta do Mestrado Profissional deve ser vista como um acréscimo de qualidade ao parque de pós-graduação instalado e não como uma substituição de quaisquer das atividades hoje aí conduzidas. Penso que o Mestrado Profissional constitui basicamente uma oportunidade de maior aproximação entre os trabalhos conduzidos pela Universidade e as demandas – espontâneas ou induzidas pela própria Universidade – existentes no campo social e profissional. Sem entrar no mérito do nome, quero me ater ao que me parece essencial: ele tem uma dimensão voltada à Especialização e outra ao Mestrado “acadêmico”, num misto de horizontalidade e verticalização. Explico-me: entendo o Mestrado Profissional como uma modalidade de formação que, a partir de uma visão horizontal do conhecimento consolidado em um campo disciplinar (com as evidentes relações inter e multidisciplinares), busca enfrentar um problema proposto pelo campo profissional de atuação do aluno, utilizando de forma direcionada, verticalizada, o conhecimento disciplinar existente para equacionar tal problema. Não se trata de repetir soluções já existentes, mas de conhecê-las (horizontalidade) para propor a solução nova. Não é o caso, portanto, de ensinar técnicas – isto seria o objeto de um curso de Especialização. Tampouco se trata de pesquisa em aberto, como no Doutorado, em que buscamos respostas a perguntas que sequer podemos, a priori, precisar inteiramente. No caso do Mestrado Profissional, o objetivo é um direcionamento claro para encontrar o caminho da resposta a uma pergunta específica proposta pela área profissional, ou identificada pela Universidade como algo que deve ser investigado e solucionado naquela área. Assim entendido, o Mestrado Profissional configura a viabilidade da Universidade atuar de forma proativa, usando os seus recursos para identificar áreas, problemas e impasses que se beneficiariam, e muito, do contato com o que é investigado na sua rotina.
Alguns exemplos me ocorrem: como organizar um serviço de saúde, dadas certas condições? Como reduzir o custo em certos processos de produção industrial? Que modelos de organização e atuação poderiam favorecer um melhor tratamento das questões de segurança pública? Como articular políticas que incrementem e difundam o consumo da cultura? E assim por diante. Não se trata, como na Especialização, de apenas melhorar a qualificação do profissional, mas sim de melhorá-la com aplicabilidade concreta e específica que mude o patamar do conhecimento existente naquele campo. Parece-me, então, que o Mestrado Profissional, se o conceito acima discutido parecer procedente, não deve ser aberto a candidaturas espontâneas de indivíduos, e sim ser tratado como projeto institucional. Pelo contrário, o ponto de partida seria o estabelecimento, por parte da Universidade, de uma efetiva carteira de temas e problemas geradores de uma formação através do Mestrado Profissional. Assim procedendo, estaríamos garantindo, de um lado, a autonomia da pesquisa , de outro, um encurtamento dos prazos entre a investigação e a sua aplicabilidade. Através de convênios ou contratos, seriam oferecidos cursos voltados à problemática identificada pela instituição ou proposta por instituições/entidades/empresas específicas, que trariam, como demanda, um campo de problemas a serem enfrentados, e, como alunos, os profissionais aos quais cabe a tarefa de equacioná-los no cotidiano. À Universidade, depositária do conhecimento produzido em vários campos, caberia não só buscar, também ela, identificar problemas e questões, como colocar seu conhecimento à disposição dos mestrandos inscritos no Mestrado Profissional, orientando-os na busca dos equacionamentos esperados. Este, sim, seria um Mestrado verdadeiramente profissional, distinguindo-se igualmente da Especialização e do Mestrado voltado à formação de natureza acadêmica. Certamente são muitos os problemas a serem enfrentados e que já carecem de uma definição mais cuidadosa. A título de exemplo, entre outros, os referentes aos modelos de avaliação e ao produto final a ser esperado do mestrando. A gratuidade por parte do aluno, no caso das instituições públicas, deve ser mantida, bem como uma legislação cuidadosa deve ser providenciada para que a oferta de Mestrados Profissionais por parte dos programas de pós-graduação ocorra em proporções que não prejudiquem, em nenhuma hipótese, os programas ora existentes.
Espero que minhas reflexões contribuam para o debate e para a adequada diferenciação entre os vários modelos de formação pós-graduada.
1Este documento foi produzido, a pedido da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UFMG, a título de contribuição para as reflexões sobre a possibilidade de criação do Mestrado Profissional na UFMG. Ele contém algumas idéias sobre questões que têm surgido no seio das discussões promovidas pela comunidade universitária.
Ana Lúcia Almeida Gazzola – UFMG