Matéria publicada na edição 89 | Junho e Julho 2013 – ver na edição online
O bullying parece fenômeno recente, mas não é. Apenas está mais visível nas escolas, que se tornaram espaço principal de convívio entre as crianças, jovens e adolescentes, observa Silvia Elayne de Oliveira, uma das mantenedoras da Escola Projeto Vida, localizada na zona Norte de São Paulo. Silvia Elayne acaba de finalizar pesquisa sobre o assunto com 26 gestores de instituições públicas e privadas, e observou que poucos agem mediante esses casos. A maioria mal sabe identificá-los e, quando isso acontece, se omite ou atua de maneira equivocada, punitiva, diz.
O estudo foi realizado para conclusão do curso de Pós-Graduação Lato Sensu “As relações Interpessoais na Escola e a Construção da Autonomia Moral”, oferecido pela Unifran (Universidade de Franca, no Interior de São Paulo). Silva Elayne ajudou a fundar a Projeto Vida há 21 anos, onde exerce a função de diretora pedagógica do Ensino Fundamental.
Nos trechos de sua entrevista destacados abaixo e entre as páginas 10 e 11, a diretora fala da pesquisa sobre o bullying e conta um pouco do amplo trabalho feito por sua escola em torno do desenvolvimento moral e convívio dos alunos, o que, segundo ela, ajudar a lidar de maneira mais apropriada com os conflitos. São projetos transversais ou de apoio ao aluno, que percorrem os ciclos escolares, articulam as diferentes áreas do conhecimento e se desdobram conforme a progressão dos anos. A Projeto Vida atende do Berçário ao 9º ano do Fundamental, atua com mil alunos e se define como socioconstrutivista, “uma escola integrada”.
PESQUISA COM OS GESTORES
“Foram entrevistados 26 gestores de escolas públicas e privadas de várias regiões do Estado de São Paulo. A Escola Projeto Vida participou. Perguntamos se havia bullying na escola e se, sim, o que faziam nesses casos. Se a resposta era não, o que achavam que faziam para não ter. Nossa grande hipótese era que os alunos iriam dizer sim muito mais que os diretores [os estudantes também foram pesquisados] e que algumas ações tomadas não tinham a perspectiva do desenvolvimento moral, eram mais punitivas e intuitivas. O principal resultado observado é que há muitas dúvidas ainda sobre o bullying, muitas vezes considerado como uma brincadeira inadequada que faz parte da adolescência. O bullying acontece em todas as idades, entretanto, na adolescência os alunos têm mais habilidade para deixar isso menos visível para o adulto.”
ATUAÇÃO DO EDUCADOR
“Trabalhamos muito na Escola Projeto Vida para que as pessoas tenham atenção quando escutam as crianças ou os adolescentes, porque a fala pode trazer um dado importante sobre o que está acontecendo e, aí sim, temos como atuar. O próprio professor pode perceber quando uma brincadeira passa a não ser mais brincadeira, como ofender alguém, chamar por um apelido pejorativo, o que é um desrespeito. O professor, ao ouvir isso, tem que dizer que não se trata as pessoas dessa forma.
Observamos na pesquisa que o caminho principal seria trabalhar com os adultos de toda a instituição, discutir o que é o bullying, como ele acontece, e atuar na perspectiva de como os jovens podem se desenvolver moralmente. Essa é uma das ações, trabalhar com os adultos para que se indignem com o desrespeito entre os adolescentes, intervenham e tomem atitude. Outra ação é trabalhar com os próprios alunos.”
CARACTERIZANDO O BULLYING
“Na situação clássica de bullying, há em geral um agressor, uma vítima, mas às vezes é mais de uma vítima e agressor. E há uma plateia que assiste, que é o grupo. O agressor só continua porque tem a plateia e toma um lugar de destaque. E quando ele está com esse valor de si, de se destacar como mais forte para o grupo, este começa a rir, a não fazer nada. Quando não tem mais o grupo, as agressões perdem o sentido para o agressor. Já a vítima não se modifica de lugar porque muitas vezes ela se fragiliza com que é dito. É uma questão de valor de si, se ver dessa forma. É preciso trabalhar muito com a vítima, de como ela deve reagir. Antes tínhamos uma perspectiva de só atuar com os agressores, mas temos que ajudar a vítima de como ela pode se defender disso.”
AÇÕES DA ESCOLA PROJETO VIDA
“Na grade de horário os alunos têm aula de ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL uma vez por semana e, nessa aula, a cada quinze dias ou um mês, acontece ASSEMBLEIA DE CLASSE ou discussão de um dilema moral. Temos PROFESSOR TUTOR em cada turma do Fundamental II, com o compromisso de estar mais atento, discutir as questões da classe, pensar ações para estimular relações mais cooperativas e acompanhar a assembleia, momento em que alguém pode colocar se está acontecendo uma situação de bullying.
E realizamos projetos que permitem a eles mudar de lugar, como a MONITORIA, no 8º ano, em que cada aluno fará a mediação de uma situação de conflito entre as crianças do Fundamental I ou da Educação Infantil. Ele vem no horário invertido e encontra outro jeito de se colocar, é o mais velho que está dando exemplo, e aí ele tem condição de ver de outra perspectiva e fazer uma regulação melhor para ele também.
Destaco ainda o ENCONTRÃO, projeto que acontece do 6º ao 9º ano. Os alunos vêm à noite e montamos situações e atividades onde vamos trabalhar alguns temas, eventuais situações de bullying, jogos cooperativos etc. Mas o bullying não se resolve do dia para a noite.
Não adianta dar uma bronca no agressor. Temos que tratar e fazer com que os alunos mudem de lugar na perspectiva deles, entendam que há uma atitude de desrespeito, em que a vítima possa se defender e o grupo comece também a regular a ação desse agressor. E com o agressor adotamos medidas mais severas, intensas, algum tipo de sanção por reciprocidade, atribuindo-lhe uma reparação a fazer. Se ele foi muito agressivo, ele vai mediar um conflito entre as crianças menores, por exemplo.
Finalmente, a escola tem regras de convivência pautadas em princípios e discutidas com todas as pessoas, especialmente professores. Não podem ser regras que venham de cima para baixo, sem que o professor entenda o princípio, pois ele precisa sustentá-las.”
NOVO PAPEL DAS ESCOLAS
“O bullying sempre existiu, inclusive em família, não com esse nome, somente foi caracterizado e começou a ser estudado recentemente. Fala-se hoje mais sobre isso porque a escola passou a ser mesmo um espaço principal de convívio. Antes a escola era um lugar só de conhecimento, de sentar, aprender e sair. A escola nem queria que o aluno ficasse lá. Mas hoje ele fica, tem trabalho à tarde, grupo de estudos. Ela precisa agora olhar para essa convivência e é importante que o educador entenda como as relações se dão, como os grupos se reúnem. E entender o conflito sempre como uma oportunidade de trabalhar com eles.”
INTERLOCUÇÃO COM A FAMÍLIA
“Precisamos ter uma sintonia com os pais, são papéis distintos, mas atuamos com o mesmo sujeito. Mantemos uma relação de transparência e de proximidade promovendo várias reuniões temáticas, mostrando como funcionam as assembleias, como se aprende Matemática, como se faz a formação de leitores e promovendo discussão de dilema moral, além da interlocução direta com o professor tutor e realização de eventos como a Mostra Cultural e a Festa Junina.”
CYBERBULLYING
“As agressões acontecem muitas vezes pelas redes sociais e a Projeto Vida tem uma orientação sobre como devemos nos colocar nesse ambiente diante dos alunos. O professor pode ser amigo do aluno, mas sua relação é a de professor e, se ele perceber uma situação de desrespeito entre os meninos, ele é o adulto e o educador que deverá entrar para mediar.”
CUIDADO ESPECIAL COM A ADOLESCÊNCIA
“Na adolescência, o que o grupo pensa do jovem é o que é importante. Por isso, o bullying pode causar um sofrimento maior. A família tem que estar mais próxima e encontrar assuntos para dialogar com ele, mesmo que o adolescente se afaste. Nesse momento às vezes aparece um vácuo na relação com os pais, que precisam encontrar oportunidades de estarem juntos todos os dias, o que é uma medida de proteção. Nas férias a Escola Projeto Vida manda livros para pais e filhos lerem e discutirem juntos, é um jeito de você ter o que falar. Vamos apontando alguns caminhos, mas a família tem que encontrar os seus, nem que seja jogar futebol, ir ao cabeleireiro e jantar juntos todos os dias, pois o diálogo não pode se perder.”
Por Rosali Figueiredo