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Conversa com o Gestor: Gênero e Diversidade nas Escolas

Matéria publicada na edição 120 | Agosto/2016 – ver na edição online

“Erradicar desigualdade é uma questão de direitos humanos. É fundamental construir espaços de diálogos tanto sobre o direito à igualdade e oportunidades como de respeito às diferenças. E a escola, ao nosso ver, é o espaço privilegiado capaz de liderar esse movimento que é, de fato, capaz de introduzir novos e transformadores padrões sociais e culturais”, diz psicóloga.

 Por Rafael Pinheiro / Fotos Divulgação

Localizado em São Paulo, o Colégio Oswald de Andrade possui três unidades – Tipuana, Girassol e Cerro Corá

Historicamente, agregamos em nossa realidade ações, planejamentos, condutas e direcionamentos que recebemos de amplas e diversas parcelas que nos constituem como ser humano em uma sociedade heterogênea que, de certa forma, dialoga com nossas crenças, anseios, escolhas, identidades, questionamentos e comportamentos.

Diariamente, somos abraçados por uma lista gigantesca de tarefas que nos induzem e estimulam produções e criações no campo social. E, a partir de todos esses movimentos, conseguimos compreender algumas questões que nos envolvem de forma intrínseca e complexa. Todos os dias pela manhã existe um grande movimento social que transcende tarefas, horários, compromissos, trabalhos e saberes em instituições de todos os segmentos – incluindo, até mesmo, o ambiente educacional. Ao soar o sinal matinal nas primeiras horas, abre-se os portões físicos das escolas que representam a evolução, o conhecimento, a descoberta (de si e dos outros), a interferência (motora, social e psíquica) e consequentemente as alegrias, frustrações, dificuldades e realizações.

Experiências individuais, conhecimento coletivo, descobertas interiores e sociais. A escola representa uma junção de reflexões que guiam os alunos – tanto em sala de aula, como em atividades externas – a um relacionamento social, cultural e educativo. E, além de aulas em diversas matérias, pensamentos, observações e desejos nascem em cada aluno de maneira ímpar – e inesperada.

Se tivermos a ímpar oportunidade de estabilizar nosso olhar ao redor do campo educacional e, consequentemente, em sua estrutura (física, cultural e pedagógica), podemos observar infinitas descobertas e valores que, de uma forma ou de outra, representam (e espelham) um universo de possibilidades em cada instituição de ensino. Se observarmos atentamente todos os alunos, podemos ressaltar características que conduzem e salientam seus gêneros, que implicarão em suas descobertas, suas relações entre si, suas evoluções, criações e entendimentos sociais.

As discussões e debates que envolvem o gênero, nunca estiveram tão em voga como nos últimos tempos. A sociedade, ao longo dos anos, abre espaço e mostra-se permissiva a outros olhares e mudanças significativas. Compreender a existência de novas percepções é expandir o olhar para uma realidade mundial que ganha força e evidência a cada dia. Entrelaçar a educação e a reflexão sobre gênero favorece um pensamento compatível com a cidadania, diversidade e inclusão social.

ENTRE O AZUL E O COR-DE-ROSA

Desde a infância, as crianças são induzidas a seguirem padrões pré-estabelecidos e culturais de vida. Com o tempo, podemos identificar diferentes habilidades e preferências que aparecem no cotidiano de meninos e meninas, aspectos e projeções que ressaltam o seu gênero. Em um passado não tão distante, o azul era uma cor usada apenas por meninos e o rosa aparecia em diversos adereços e acessórios femininos.

Assim, de maneira instintiva e imperceptível, criava-se um espaço de ordem masculina para o garoto brincar com seus imensos carrinhos e, do outro lado, as bonecas aguçavam a feminilidade das garotas. Nesses espaços, o “lugar do menino” e o “lugar da menina” permaneciam distantes entre eles, destacando diferenças em roupas, cortes de cabelo, gestos, falas, brincadeiras, sentimentos, percepções e modelos pautados através das relações e diferenças entre os seus gêneros.

“Gênero é a construção social, histórica, cultural e econômica do sexo anatômico”, diz Keila Deslandes, professora universitária. “O ‘ser mulher’, tanto quanto o ‘ser homem’, não se define ou restringe à presença dos caracteres sexuais primários ou secundários no ser, mas, sobretudo, por uma série de expectativas que se tem em relação ao tornar homem ou mulher na sociedade”.

Dentro do ambiente escolar, como é possível diminuir estereótipos e não reforçar o tratamento divergente entre alunos de sexo opostos? E, acima de tudo, é necessário o debate sobre gênero e diversidade sexual nas escolas? “O debate de gênero e sexualidade nas escolas tem sido muito estigmatizado pela temática da orientação sexual, que se constitui como um grande tabu na sociedade brasileira. Mas, por óbvio, o tema de gênero nas escolas não se restringe à temática da orientação sexual e pode e deve ser ampliado a todo debate sobre a igualdade/equidade relacionada aos feminismos e ao empoderamento das mulheres na sociedade”, ressalta Keila.

Para Beatriz Monteiro, escritora e psicóloga, a redução do gênero ao aspecto do biológico é limitadora, empobrecedora, promotora de desconforto, conflito, problemas de autoestima e até disfunções mais sérias. “Considerando ser objetivo da escola o desenvolvimento integral do aluno, a reflexão sobre esse aspecto da vida é extremamente importante. Quem sou eu? Qual o meu papel no mundo? O que quero e posso fazer da vida? São questões fundamentais e passam necessariamente pela reflexão de gênero que, quanto mais livre de estereótipos e preconceitos mais levará a verdade de cada um, ao sentimento de estar confortável consigo mesmo e com o mundo”.

De acordo com Beatriz, o sentimento de inadequação sexual ou de identidade de gênero pode acarretar perturbações e desconfortos psicológicos, como bullying, preconceito, pressão familiar, conflito de aceitar a si mesmo, corresponder às expectativas sociais, “tudo isso impacta a autoestima da pessoa, podendo levar a problemas mais sérios como, por exemplo, ansiedade, definidas como ataques repetidos e intermitentes de medo que alguma coisa ruim aconteça. E até mesmo à depressão, o persistente estado de espirito negativo, falta de interesse da vida diária, letargia e fatiga”.

Beatriz Monteiro, escritora e psicóloga

RUPTURAS

Diante de novos tempos, a realidade aponta outros horizontes. Com a equiparação de valores, a inserção cada vez maior de mulheres em postos de trabalho e a diminuição de privilégios que garantem vantagens a um só sexo, a sociedade quebra alguns tabus tradicionais. E, com novas perspectivas, deixamos de lado certos conceitos preconceituosos, propondo diálogos, compreendendo a importância de inserir no contexto escolar o caráter histórico-social e mutável.

Hoje, a instituição educacional ultrapassa a visão biológica de seus alunos, percebendo a necessidade e sensibilidade que prolifera na evolução particular de cada criança. A partir dessas intervenções, há diversas práticas diárias no âmbito escolar, na convivência familiar e, futuramente, em uma sociedade livre de estereótipos e discriminações.

Fundado na segunda metade da década de 1970, o Colégio Oswald de Andrade, localizado em São Paulo, está desde sua origem associado à inovação. Valorizando o exercício da inovação, especialmente na forma como entender e praticar o ensino desde a educação infantil até o ensino médio, o colégio se dedica a formar alunos bem instrumentalizados, éticos e plenamente aptos a escolher diferentes caminhos na formação acadêmica e profissional.

Neste cenário, ocorreu no mês de setembro último o evento “Rupturas”, organizado pelo Colégio Oswald e o Coletivo Quaerere – que surgiu no âmbito do Projeto de Intervenção, uma estratégia pedagógica inovadora inserida na grade curricular há três anos, cujo principal objetivo é proporcionar aos alunos do 3º ano do ensino médio experiências para encarar o mundo fora dos muros da escola, além de desenvolver sua autonomia e ampliar conhecimentos aprendidos em sala de aula. Formado por nove meninas e um menino, o Quaerere se mobilizou ao longo de todo o ano letivo para debater e combater práticas como machismo, homofobia, o preconceito e opressão física e psicológica.

“Acreditamos que realizar um evento potente e diverso como este é uma ação necessária na busca da equidade, respeito e sustentabilidade não só no ambiente escolar, mas no cenário global”, afirmou o coletivo de estudantes.

Com uma programação extensa, o evento “Rupturas” proporcionou ciclos de debates sobre gênero e instituições, mulher e trabalho, revistas femininas, valorização da mulher, finalizando com a apresentação do filme “Que horas ela volta”, da cineasta Ana Muylaert.

“Rupturas é um projeto desenvolvido por um coletivo de alunas da escola, que se uniram com o objetivo de criar espaços de diálogos e ações concretas em relação às questões de gênero e sexualidade vividas nos dias de hoje”, resume André Meller, Coordenador de Comunicação do colégio.

O projeto Rupturas possui o objetivo de ampliar as possibilidades de troca entre os alunos e entre os professores, criando novas situações de aprendizagem
Rupturas percebe o protagonismo dos alunos, as parcerias inusitadas, o compartilhamento do saber e o livre fluxo de conhecimento

DICIONÁRIO DE GÊNEROS

Com um formato colaborativo, o “Dicionário de Gêneros” propõe a livre manifestação das pessoas e o objetivo é reunir todas essas interpretações e, a partir delas, criar novos verbetes que representem a diversidade também na língua portuguesa.

Guiado pelo conceito “Só Quem Sente Pode Definir”, o endereço http://dicionariodegeneros.com.br conta com espaço didático que explica a diferença entre orientação sexual, sexo ou identidade de gênero; permite que qualquer pessoa crie a definição sobre o gênero com que se identifica, e compartilhe com os amigos via redes sociais.

Para lançar a plataforma, dezenas de pessoas foram consultadas sobre as características que definem cada um dos mais de 60 gêneros identificados pelas pesquisas da equipe envolvida no projeto. Após quase três meses no ar e acesso de mais de 15 mil usuários únicos, o portal é um projeto do AfroReggae com a agência de publicidade Artplan.

“Os resultados do projeto mostram como a discussão de gêneros não acontece na massa, apenas nos grupos envolvidos. E o que queremos é extrapolar essa discussão para a sociedade. O formato de um dicionário colaborativo permite que qualquer pessoa encontre essa informação e possa também participar e opinar. Permite que todo conteúdo saia da plataforma e vire conversa além dos grupos, ajudando a ampliar a visão sobre identidade de gêneros”, destaca Bárbara Bono, Head de Conteúdo e Engajamento da Artplan.

Segundo Bárbara, erradicar o preconceito é um desafio muito grande, mas plataformas com informações e ações sociais podem ajudar a desmontar esse preconceito. O projeto tem uma função social de contrapor o discurso de ódio ao ‘diferente’, os discursos extremistas e polarizados. “A diversidade precisa ser colocada a pé de igualdade e para isso, ela precisa de espaço nas discussões. Acreditamos que a informação é um grande passo para reduzir o preconceito e trazer à tona a discussão da diversidade e do respeito ao próximo”.

CADERNOS DA DIVERSIDADE

O livro Formação de Professores e Direitos Humanos: Construindo Escolas Promotoras da Igualdade, recém-lançado pela Editora Autêntica, faz uma reflexão sobre as tensões em torno da implantação dos temas gênero e diversidade nas escolas e sobre as políticas educacionais do Brasil nos últimos anos. Um convite a pensar o papel das escolas na promoção da igualdade de gênero e as ameaças aos valores democráticos e à laicidade do Estado provocadas por embasamentos religiosos presentes no contexto brasileiro contemporâneo.

A autora, Keila Deslandes, apresenta a abordagem de gênero e orientação sexual nas políticas públicas de educação no Brasil e faz um relato do histórico de formação continuada de professoras/es da rede pública em relação à temática. O livro faz parte da série Cadernos da Diversidade, coordenada por Keila Deslandes e publicada em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC). O objetivo da série é fornecer argumentos teóricos e práticos – de ordem pedagógica, histórica, sociológica, cultural, jurídica, psicossociológica e econômica – para incentivar o amplo debate e a criação de projetos de intervenção com foco na promoção de um ambiente pedagógico inclusivo e ecologicamente sustentável nas escolas da rede pública de educação básica.

Formação de Professores e Direitos Humanos: Construindo Escolas Promotoras da Igualdade
Preço: R$ 34,00
Páginas: 112
ISBN: 978-85-8217- 807-2
Editora: Autêntica

Saiba mais:

Keila Deslandes – keiladeslandes@icloud.com
Beatriz Monteiro – beatrizevoluir@gmail.com
Colégio Oswald de Andrade – contato@colegiooswald.com.br
Bárbara Bono – contato.sp@artplan.com.br

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