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Conversa com o Gestor – Novo Ensino Médio: Impactos na vivência, gestão e formação escolar

“Considerando que o Ensino Médio é o último nível escolar da educação básica, suas atribuições devem estar relacionadas às condições dos jovens exercerem funções na fase adulta, o que inclui o acesso ao mercado de trabalho e a carreira profissional. No entanto, a descoberta e o desenvolvimento das habilidades profissionais não devem ser suas únicas atribuições, há outras que são necessárias para o desenvolvimento do jovem”, afirma Derick Casagrande Santiago, sociólogo e mestre em Educação

O fenômeno educacional, localizado no cerne do crescimento humano, mostra-se interligado a amplas e densas questões sociais, culturais, humanísticas e éticas. Se buscarmos uma associação livre e, de certa forma rasa, para alcançarmos este fenômeno tão complexo e intrínseco ao funcionamento sociocultural, poderíamos eleger o sinônimo de transformação – ou, também, o movimento primoroso do desenvolvimento.

Transformam-se hábitos, diálogos, sensações, compartilhamentos, interações. Transformam-se saberes, práticas, corpos, atitudes e uma série de sensações empíricas que o/a jovem aprendiz recebe e, consequentemente, transmite nos campos familiares e sociais que transita. Analisar a engrenagem de aprendizagem é como aproximar os olhos em pequenos mundos que estão em constante mutação – interior e exterior.

Colégio M2 (MG)

Essa transitoriedade, que a educação evoca com total maestria, reverbera sentidos que podem incorporar nas múltiplas fases da evolução estudantil: ultrapassando a alfabetização e lançando um acompanhamento cauteloso quando o término dos estudos, nos anos do Ensino Médio, se aproxima. A base sólida e fundamental descrita na tarefa de todo colégio é estimular o/a aluno/a para a fase adulta, incluindo, assim, carreiras profissionais, sucesso em universidades, comportamento ético e cidadãos capazes de argumentação e senso crítico.

“Os desafios do Ensino Médio consistem na ampliação de seu acesso e no aprimoramento de sua qualidade de forma que, tendendo a sua universalização, seja assegurado ao maior número de jovens um ensino capaz de proporcionar melhores condições para o desenvolvimento pessoal, para o exercício da cidadania e para a colocação no mercado de trabalho. Importante ressaltar que, para tanto, são fundamentais investimentos na educação, o que corresponde a outro desafio, uma vez que em 2016 foi aprovada a emenda constitucional que limita o teto dos gastos públicos”, reflete Derick Casagrande Santiago, professor universitário, sociólogo e mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Na contemporaneidade, questionamentos e desdobramentos evocam transformações, mudanças, análises e discussões que cercam os ideais da educação – e esta noção transcende planilhas de desenvolvimento, mensurações de qualidade, mas destaca, também, os caminhos e desafios enfrentados cotidianamente, nas amplas formas de ensino e nas relações produzidas entre a comunidade escolar.

Nessa ótica, é possível observar que, sobretudo nas últimas décadas, alguns estudos, perspectivas e mensurações pairaram suas análises sobre a juventude brasileira – e as intensas relações com o conhecimento e a experiência escolar. Nos últimos três anos, por exemplo, os debates ganharam potência com os movimentos escolares, as ocupações de escolas públicas pelos secundaristas de todo o país e, também, com a sanção da lei que reforma o Ensino Médio.

NOVO ENSINO MÉDIO

Com a flexibilização da grade curricular, o novo modelo, sancionado em 16 de fevereiro de 2017, permitirá que o estudante escolha uma área de conhecimento para aprofundar seus estudos. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), a nova estrutura conta com uma parte comum e obrigatória a todas as escolas, como prevê a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e outra com os itinerários formativos.

Dessa forma, espera-se que o Ensino Médio esteja mais afinado com a realidade dos estudantes diante das novas demandas profissionais do mercado, de forma que esses jovens sigam o caminho de suas vocações, seja para continuar os estudos no nível superior, seja para entrar no mundo do trabalho.

No centro das mudanças propostas pelo novo Ensino Médio está o currículo mais flexível. Com a reforma, conta Derick, serão permitidos diferentes arranjos curriculares, considerando as únicas disciplinas obrigatórias durante todo o Ensino Médio: matemática, língua portuguesa e língua inglesa, e as cinco áreas do conhecimento: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional. “Enquanto a parte obrigatória do currículo deve ser assegurada em todos os sistemas estaduais de ensino, a parte relativa aos itinerários formativos pode ser oferecida conforme critérios próprios e condições específicas de cada sistema, o que permite que apenas uma das cinco áreas seja ofertada”.

Através dessa estrutura, que dispõem de recursos e formas de manutenção diferentes, o sociólogo acredita que os jovens terão condições e oportunidades desiguais. “Nem todos os sistemas poderão oferecer todas as áreas e, consequentemente, podem não contemplar os interesses e aptidões dos jovens, o que acarreta em uma restrita possibilidade de escolha”. E complementa: “Dessa forma, a reforma não considera questões estruturais relativas ao ensino, além de ainda não apresentar com clareza a organização curricular por não ter definida ainda a BNCC do Ensino Médio”.

Além da flexibilização curricular, a reforma prevê o aumento das horas anuais de ensino nessa etapa. Atualmente a carga horária do Ensino Médio é de 800 horas anuais (4 horas diárias) cumpridas ao longo dos 200 dias letivos. Com a reforma, todas as escolas brasileiras aumentarão a carga horária diária em uma hora. Ou seja, em até 5 anos, serão, pelo menos, 1.000 horas anuais ou 5 horas de aulas por dia.

APONTAMENTOS E ASPIRAÇÕES

Ademar Celedônio G. Jr, diretor de ensino e inovações educacionais no SAS (Plataforma de Educação), acredita que a proposta aprovada projeta que o Ensino Médio estará mais conectado com as aspirações do jovem que tenta colocá-lo, de fato, como protagonista.

“A proposta traz práticas de sucesso já aplicadas em muitos países como os itinerários formativos, no qual o aluno poderá escolher a área em que deseja se aprofundar, porém ainda não temos a matriz de competências e habilidades (prevista ainda para o primeiro semestre de 2018) e espero que, de fato, ela venha com habilidades mais reais aplicadas ao contexto do mundo atual. Será um enorme desafio tirá-la do papel para a aplicação, principalmente, para as escolas públicas”, ressalta.

Ademar cita que, na Alemanha, existem escolas distintas para as atividades acadêmicas e mercado de trabalho, e inclusive com programas escolares também diferentes. A escola acadêmica prepara o jovem para inserção na universidade e o ensino profissionalizante prepara para o mercado de trabalho. Há reconhecimento da sociedade alemã nas duas formações e o profissional técnico tem forte valorização. “Por diversos motivos históricos e sociais, a sociedade brasileira não valoriza o ensino técnico. Eu penso que o Ensino Médio deve levar o jovem a descoberta das suas habilidades profissionais”.

Rúbia Fantauzzi de Lacerda, diretora pedagógica do Colégio M2 (Lagoa Santa e Belo Horizonte), localizado em Minas Gerais, reflete que a contemporaneidade é atravessada pelo mercado globalizado, exigindo, então, cidadãos integrados ao mercado de trabalho. E, assim, promover ações de qualificação técnico-profissional que favoreçam o desenvolvimento de habilidades e, consequentemente, a capacidade de mobilizar os conhecimentos para resolver determinados desafios, são efeitos válidos.

Porém, sob sua crítica, a reforma do Ensino Médio provoca alguns questionamentos inerentes ao seu público-alvo. “É possível ‘exigir’ de um jovem de 15 anos que já defina seu itinerário formativo? Ao escolher a área de tecnologia, esse jovem estará qualificado para enfrentar o modelo de acesso em vigor no país para entrar em uma universidade? Além dessas questões, merece destaque a avaliação da importância da qualidade e prioridade dos conteúdos oferecidos, que justifiquem mais carga horária; o interesse do aluno e os investimentos necessários”.

Com relação ao interesse dos alunos, pesquisas apontam que a insatisfação com a etapa do Ensino Médio aliada aos altos índices de abandono (bem como evasão, reprovação e baixas taxas de aprendizagem) representam, em grande parte, um modelo cujo jovens não se identificam, que não dialogam com seus circuitos/vivências e projetos de vida.

Em um relatório divulgado em agosto de 2017 pelo “Todos pela Educação”, os dados mostram que o Brasil tem hoje 40.610.137 crianças e jovens entre 4 e 17 anos matriculados nas redes de ensino, totalizando 94,2% dessa população na escola. O fluxo escolar, por sua vez, mostrou que entre 2014 e 2015, a taxa de conclusão do Ensino Médio até os 19 anos aumentou de 56,7% para 58,5%.

REFORMA E GESTÃO ESCOLAR

Considerando as mudanças propostas pela reforma do Ensino Médio – que ainda sofrerá o longo processo de implementação, adequação do material pedagógico, formação de professores/as e, dessa forma, levará cerca de 4 anos até chegar nas salas de aula – surge o questionamento: quais são os principais aspectos que devem impactar a gestão escolar, sobretudo com a inserção da reforma?

Andrea Ramal, Consultora em Educação

A consultora em educação Andrea Ramal acredita que o gestor escolar precisa entender a instituição de ensino como um empreendimento. “É necessário desburocratizar o ensino, flexibilizar a educação para atender aos mais diversos perfis e modalidades de aprendizagem. O gestor também deve ser um líder a serviço da comunidade educativa. Mais do que um chefe, ele é um dinamizador de boas práticas e de experiências pedagógicas inovadoras e de sucesso”.

Observando a questão financeira, Welington Nunes Souza, coordenador psicopedagógico do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo, diz que as escolas precisam fazer uma gestão efetiva de seus recursos financeiros que possibilitem planejar o futuro de acordo com os objetivos a serem alcançados.

“Por exemplo, se a escola pretende ofertar itinerários formativos na área de biológicas, deverá traçar um plano de como preparar sua estrutura física e humana para permitir este sucesso. Se pretende ofertar itinerários formativos na área das exatas, deverá encontrar também estruturas de laboratórios, equipamentos e humanas que pavimentem esta estrada”.

Segundo Welington, verificar indicadores que permitam analisar o sucesso destas propostas é essencial para o sucesso deste projeto de reforma, obtendo tomadas de decisões mais assertivas e efetivas. “Gerenciar a formação dos profissionais para esta nova demanda também será um grande desafio. E, claro, o processo seletivo das Universidades deverão fornecer elementos para a gestão estratégica das escolas. Mapear os interesses dos alunos é outro aspecto importante e necessário para as tomadas de decisões”.

MUDANÇAS NA PRÁTICA

Glaucimara Baraldi, coordenadora pedagógica do Colégio Renascença, com unidades localizadas em São Paulo, diz que a reforma do Ensino Médio ainda tem muito o que avançar e preencher algumas lacunas, tanto nos aspectos fundamentais quanto operacionais.

Colégio Renascença (SP)

“A reforma propôs alterações, fez mudanças legais, mas ainda não impactou, em nossa percepção, naquilo que seria fundamental, ou seja, naquilo que é de fundamental importância: a dimensão ética (educar para quê?); a forma de se pensar a educação; o aluno do Ensino Médio deve ser formado para pensar os problemas de sua comunidade, de seu entorno e, servindo-se da complexidade dos conhecimentos que as diferentes áreas do conhecimento lhe oferecem, buscar possíveis soluções para eles”, analisa.

Do ponto de vista operacional, diz Glaucimara, a reforma não esclarece as formas de viabilização de sua implantação real. “O que vemos até agora, na prática, é que pouca coisa mudou ou, melhor, poucas foram as diretrizes efetivas para mudança”.

Andrea Ramal, consultora em educação, completa essa ideia afirmando que não há um plano de implementação, e a reforma corre o risco de ficar no papel. “Além disso a educação brasileira, infelizmente, fica muito dependente das administrações da vez. Com as eleições de 2018, este cenário fica ainda mais nebuloso. De todo modo, há formas de colocar em prática: com atribuição de responsabilidades, definição de metas, processos, cronogramas e recursos. Se isso for feito, temos mais chances de começar as mudanças”.

ALTERNATIVAS UTILITÁRIAS

Fundado em 1954 com o compromisso educacional conduzido pela filosofia franciscana, o Colégio Pio XII, situado em São Paulo, inseriu algumas mudanças direcionadas ao desenvolvimento de habilidades para o século XXI e no protagonismo estudantil.

Colégio Pio XII (SP)

“O jovem está no auge do seu desenvolvimento e deve ter o momento aproveitado ao máximo. Não creio que precise acontecer por meio de um ensino técnico necessariamente, mas por cursos, projetos em que possam conhecer suas habilidades para aprimorá-las e desenvolver pontos fracos. O protagonismo é a chave”, explica Viviane Direito, coordenadora do Ensino Médio.

De acordo com a coordenadora, o protagonismo, aliado a capacitação, auxilia o jovem a lidar de maneira útil, responsável e criativa com a era da informação. “Para ser capaz de se manter curioso para conhecer profundamente os assuntos para inferir com qualidade e profundidade; ser capaz de se comunicar com clareza e estabelecer relações produtivas; capaz de ser empático, resiliente, entre outras competências que não estão na matemática ou nas ciências. O jovem, através de cursos/oficinas profissionais seriam aqui excelentes alternativas para despertar nos alunos estas questões”, finaliza.

Saiba mais:
Ademar Celedônio G. Jr (SAS) – atendimento@aridesa.com.br
Andrea Ramal – contato@trevocomunicativa.com.br
Derick Casagrande Santiago – derickcs@gmail.com
Glaucimara Baraldi (Colégio Renascença) – glaucimara.b@renascenca.br
Rúbia Fantauzzi de Lacerda (Colégio M2) – colegiom2@colegiom2.com.br
Viviane Direito (Colégio Pio XII) – viviane.direito@pioxiicolegio.com.br
Welington Nunes Souza (Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo) – arqui@colegiosmaristas.com.br

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