Por Rafael Pinheiro
Vivemos em um mundo inteiramente conectado, plugado, ligado e extenso. As listas de ações, funções e ferramentas que podem ser guiadas pelo ambiente virtual são gigantescas – e crescem a cada dia em uma velocidade espantosa. E, com tantas possibilidades, podemos imaginar uma rede virtual livre de ataques, intimidações, constrangimentos? Caso a resposta seja negativa, qual é o papel da educação em erradicar o cyberbullying? Para compreender esses questionamentos e dúvidas que envolvem o assunto cyberbullying, conversamos com Cristina Sleiman, advogada e pedagoga, Presidente da Comissão de Educação Digital da OAB SP e 2ª Vice Presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance. Confira a entrevista na íntegra:
Revista Direcional Escolas: O que é cyberbullying?
Cristina Sleiman: Segundo a Lei 13.185/15, há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial.
Revista Direcional Escolas: Podemos dizer que essas práticas de bullying na internet é recente e tem aumentado rapidamente no Brasil?
Cristina Sleiman: As práticas de bullying na internet iniciaram-se com o advento da própria tecnologia, ou seja, com o acesso de pessoas, sejam adultos, jovens ou crianças, portanto relativamente recente. No entanto, o bullying em si, não é uma atitude nova que nasceu com as tecnologias. Podemos dizer que a prática de bullying progrediu, expandiu e tomou força com a questão da tecnologia, tendo em vista que ocorre também por celular e grupos de mensagens instantâneas.
Revista Direcional Escolas: Quais são as medidas necessárias para erradicar o cyberbullying?
Cristina Sleiman: Historicamente existem duas formas de se trabalhar a conduta do ser humano – uma delas é pela educação e cultura e a outra é punitiva. Entendo que caminham lado a lado, pois infelizmente o ser humano muitas vezes precisa sentir algum prejuízo para mudar sua conduta, mas o correto e mais harmonioso é pela prevenção, portanto educação.
Neste contexto é preciso trabalhar valores como compaixão, respeito, honestidade, entre outros. Carecemos de projetos que estimulem ações do bem. Não podemos ficar fixos em currículos tradicionais e formais. Vejo muitas escolas preocupadas com outras questões tão importantes quanto, mas não podemos descuidar da formação para a cidadania e neste novo cenário temos a cidadania digital.
Revista Direcional Escolas: Como é possível se proteger dessas práticas na internet? Existe alguma lei específica para essas práticas?
Cristina Sleiman: A questão do “se proteger” é complicado, porque sempre estaremos expostos e a conduta provém da prática de terceiro. Muitas vezes não é preciso nem sequer motivo e qualquer um pode ser o alvo.
Entrou em vigor este ano a Lei 13.185/15, que conceitua o bullying e cyberbullying e institui o dever dos estabelecimentos de ensino, dos clubes e das agremiações, em assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à intimidação sistemática.
Esta Lei não tipifica o bullying como crime, no entanto, as ações que envolvem o bullying e cyberbullying muitas vezes já encontram guarida na legislação existente, por exemplo, “difamar” alguém é crime previsto no código penal e se praticado pelo menor de 18 anos enquadra-se como Ato Infracional. Da mesma forma, fazer montagens em fotos e publicar com palavras ofensivas, podemos identificar duas situações, na primeira uma infração constitucional (garantia de proteção à imagem) e na segunda os crimes de calúnia, injúria ou difamação. Desta forma o ofensor poderia se deparar com um processo civil e um processo penal. No caso do ofensor ser menor de 18 anos, os pais respondem processo civil e o menor pode ser encaminhado para Vara da Infância e da Juventude.
Revista Direcional Escolas: Você acredita que a direção escolar deve interferir em casos de cyberbullying ou realizar atividades/programas de conscientização?
Cristina Sleiman: Entendo que sim, como mencionado acima, após o advento da Lei 13.185/15 é dever da escola não apenas realizar atividades de conscientização, mas também prover meios de diagnose, prevenção e combate. Ou seja, a escola deve desenvolver e implementar um programa de Combate e Prevenção ao (Cyber)Bullying.
A conscientização quando feita de forma planejada e estruturada é um forte aliada. Digo isto, porque não adianta uma palestra isolada, pois seu efeito é momentâneo, ou seja, uma palestra é válida para plantar a semente e deve fazer parte do todo, é na verdade uma forma de se iniciar o assunto. Ideal para abordar sobre efeitos de seus atos, consequências para a vítima e para o agressor e também a responsabilidade dos envolvidos.
Em relação a interferir, é comum diretores me questionarem, “mas não foi feito dentro da escola” ou “ele estava em casa quando escreveu”. Tenho uma opinião formada sobre o assunto:
- A escola tem uma missão educacional, uma missão sublime de ensinar e que embora muito se discuta em relação a educar, não consigo desassociar as duas práticas. Escola e família são essenciais na formação do caráter de um ser em desenvolvimento. A escola pode e deve ajudar a disseminar a conduta do bem.
- A segunda questão é que a escola é quem conhece todos os envolvidos (quando se trata de cyberbullying entre alunos) e tem condições de mediar. Além disso, por se tratar de alunos é muito provável que a causa ou início tenha sido presencialmente.
Por fim, cabe lembrar que ainda que a ocorrência tenha sido fora da escola, por certo que trará reflexos ao ambiente presencial de forma que se esta não tomar providências, poderá ser responsabilizada.
Revista Direcional Escolas: O bullying virtual pode ser mais cruel e ofensivo do que o bullying “tradicional”?
Cristina Sleiman: Vejo as duas formas como agressivas e perigosas, a diferença é que o bullying virtual tem o poder de disseminar e arrastar mais adeptos a suas convicções e práticas, ainda que por uma simples brincadeira. Além disso a exposição da vítima em alta escala pode ser muito prejudicial, até porque as publicações podem persegui-la por toda vida, tendo em vista que não há controle na internet, pois ainda que possamos eliminar determinado conteúdo este pode ter sido compartilhado, copiado, etc.
Revista Direcional Escolas: Quais são os efeitos que certas agressões podem acarretar na vida escolar e social de uma criança… além do aspecto psicológico?
Cristina Sleiman: Além do aspecto psicológico, depressão, angustia, etc. Uma das situações mais comum é a queda no desempenho escolar. Mas estas questões já são bem discutidas entre educadores e até com os pais. O que precisa ser compartilhado com mais propriedade a fim de orientar e prevenir ações como essas é a questão de responsabilidade, pois a família do menor infrator pode ter que arcar com despesas e indenização e o menor, dependendo da ação praticada poderá ser encaminhado para a Vara da Infância e da Juventude.
No caso da escola, poderá responder objetivamente se tal prática tiver algum vínculo com a instituição e esta não venha a tomar nenhuma providência. Em casos como estes serão levados em conta as ações preventivas e reativas da escola.
Revista Direcional Escolas: Você acredita que há uma necessidade em educar as crianças e jovens a utilização da internet de forma benéfica e produtiva?
Cristina Sleiman: Com certeza. Ninguém nasce sabendo, até mesmo os preceitos morais mudam de acordo com a sociedade, ou seja, a criança e os jovens pensam na diversão, mas não estão aptos a pensar em como prevenir os riscos. Não sabem também sobre suas responsabilidades e nem sequer pensam nas consequências de seus atos. Isto ocorre com o tempo, com o aprendizado, com o juízo de valor, motivo pelo qual ações educacionais são imprescindíveis. Ressalto ainda a necessidade das escolas atraírem os pais através de programas de conscientização.
Revista Direcional Escolas: Como os pais devem orientar e supervisionar a utilização da internet de forma segura e consciente?
Cristina Sleiman: Uma sugestão é fazendo acordos “você pode ter um celular, mas vamos acompanhar WhatsApp, Facebook, etc”. É preciso estar atento. Não podemos negligenciar enquanto pais, precisamos preservar a segurança dos filhos e para isso não temos outro remédio a não ser uma conversa aberta e um acompanhamento. Uma outra dica é mostrar casos reais que envolvem internet, grupos de WhatsApp, etc.
Cristina Sleiman
Contato: cristina@sleiman.com.br