Entrevista por Rafael Pinheiro / Foto Divulgação
A pandemia do novo coronavírus modificou toda a estrutura social – especialmente a educação. O aprendizado, que foi deslocado dos espaços físicos para o ambiente virtual, além das transformações na gestão e na docência, trouxeram diversos questionamentos para a comunidade escolar, principalmente nas implicações jurídicas. Dessa forma, para compreender essas reverberações, conversamos com Célio Müller, advogado e consultor jurídico especializado em direito educacional. Confira abaixo trechos da entrevista.
Direcional Escolas: Diante da pandemia que atravessamos, as aulas físicas nas escolas foram deslocadas para o ambiente virtual. Há a obrigatoriedades de os estudantes cumprirem a carga horária on-line proposto pelas escolas?
Célio Müller: No propósito de atender o plano de aula e prestar os serviços regularmente contratados na matrícula, as instituições de ensino foram forçadas a uma rápida adaptação, transformando tudo o que estava planejado do meio presencial para o digital. Com esforço redobrado dos docentes, infelizmente não reconhecido por muitos pais, essa transformação necessária foi o único caminho possível para o prosseguimento do itinerário educacional de milhões de crianças e adolescentes, cujas famílias continuam obrigadas aos deveres previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/1996): “Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade”.
A obrigação familiar não se resume ao ato burocrático de assinar um documento de matrícula. Cumpre aos responsáveis legais prover o que for necessário para o ensino, desde que disponham de meios para isso, e incentivem o aluno aos estudos. Nesse contexto, não podem se esquivar de atender os protocolos sanitários nem recusar o formato “on-line” neste período de pandemia se os filhos estiverem na idade escolar, e têm a responsabilidade de colaborar no trabalho da instituição em todas as faixas etárias, mas especialmente quando a criança ainda não for alfabetizada.
Direcional Escolas: Na maioria dos aplicativos e ferramentas utilizados pelos educadores para ministrarem as aulas, há a exposição de imagens. Com proceder com o direito de imagem dos professores? Há alguma implicação com o direito de imagem dos estudantes também?
Célio Müller: A imagem pessoal é um direito constitucional de qualquer cidadão. Mas no contexto do ensino digital não estamos falando de difamação nem de exposição comercial. É altamente recomendável que a escola detenha autorização prévia, indicando o uso que será dado das filmagens, fotos e até mesmo dos sons gravados, mas essa recomendação jurídica ocorre desde sempre. Cada professor iniciou seu contrato de trabalho ciente de que estaria presencialmente na sala de aula em frente ao alunado, mas agora a imposição da pandemia e os motivos de saúde pública induziram à realização desse serviço por meio de plataformas digitais, que coletam a imagem e a transmitem para um público determinado. O risco de problemas à escola aumenta na medida em que tal conteúdo circula por meios não controlados e se dissemina em redes e sites estranhos, pois se as aulas gravadas ou on-line ficarem restritas aos mesmos alunos não haveria questionamentos.
Com relação às crianças e aos adolescentes, por ainda não terem responsabilidade civil para disporem sobre a própria imagem, a autorização cabe aos responsáveis legais, que podem manifestá-la no contrato de matrícula ou documento à parte, sempre considerando a extensão dessa utilização e os propósitos.
Direcional Escolas: Como a escola pode cumprir as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados nesse momento de pandemia?
Célio Müller: A LGPD (Lei 13709/2018) teve seu início de vigência adiado para 2021, pois o volume de adequações é muito grande em todas as empresas e ficou prejudicado pelos eventos da pandemia. Assim mesmo, é uma tendência mundial e obriga os gestores educacionais a se prepararem para uma nova política de uso dos dados pessoais relacionada aos alunos, familiares, professores, demais empregados e a todas as pessoas físicas cujas informações circularem dentro da escola.
As mudanças começam na cultura interna de coleta e armazenamento dos dados, pois, embora o objetivo do educador não seja a utilização abusiva, as famílias estarão atentas para tais regras que serão praticadas em todos os setores de comércio, serviços e tecnologia e certamente irão questionar. O cumprimento de tais diretrizes começa no mapeamento jurídico e digital, passando por todos os funcionários que têm acesso a informações de estudantes e contratantes – que costuma ser a maioria, inclusive professores – e transformando-se os vínculos legais dos contratos de trabalho, de fornecedores e de relacionamento, dando-se continuidade com o monitoramento. O planejamento e a implantação são extensos, e dependem de entendimento entre diversas áreas das instituições.
Direcional Escolas: Quais são as orientações para os/as gestores/as sobre a redução no pagamento e mensalidades escolares durante a pandemia? A escola pode se negar a conceder algum desconto na mensalidade? E, caso a instituição conceda os descontos, o valor reduzido nas mensalidades valerá por quantos meses?
Célio Müller: O temor causado pelo novo coronavírus e a forte comoção popular, logo seguidos pelo abalo econômico e pela queda da renda das famílias, são fatores que explicam a movimentação política e as leis e projetos de lei que impuseram descontos às instituições particulares de ensino. Não se pode culpar os pais de alunos por pleitearem redução nas despesas; só podemos lamentar a falta de sensibilidade política devido ao risco de fechamento das escolas. Pouco se tem falado na necessidade de socorro ao segmento do ensino privado: se os descontos forem obrigatórios e lineares não haverá margem para milhares de estabelecimentos de ensino se manterem em operação.
Antes de falarmos em obrigação legal, há uma imposição de mercado: se os pais não tiverem dinheiro suficiente, simplesmente não haverá pagamento de mensalidades – e é isso o que está ocorrendo. Se no contexto de cada região e de cada púbico alvo a escola tiver a iniciativa de negociar – isso não significa acatar de forma unilateral a pressão por reduções iguais, mas dialogar com espaço para mostrar sua realidade e os custos operacionais – a tendência será uma redução dos conflitos e uma concessão de cada lado com muito mais chance de sucesso. A escola terá o dever de conceder descontos quando houver lei obrigando a tal situação, e essa condição varia conforme o estado, sempre com direito a recursos judiciais.
Considerando que a busca por descontos está atrelada às dificuldades profissionais momentâneas das famílias em razão do isolamento social, é bem razoável que sejam concedidos descontos apenas durante o estado de calamidade pública.
Direcional Escolas: Na última semana, tivemos contato com alguns projetos no que tange a flexibilização do isolamento, tendo uma provável retomada gradativa das escolas presenciais no próximo mês. Os pais/responsáveis podem se negar a levar os filhos para a escola nesse período, aguardando um momento de retomada mais seguro (com o declínio da curva de contaminados/mortes) ou até a criação de uma vacina para o vírus, por exemplo?
Célio Müller: A grande incógnita do retorno das aulas presencias está exatamente na disposição das famílias sobre o tal “novo normal”. Parece muito razoável que alguns pais não desejem colocar os filhos em risco de contaminação se não houver garantias (e ainda não há) de que a pandemia está controlada. E há variadas outras famílias que aceitam de bom grado esse risco e estão ansiosas pela reabertura das salas de aula, até para que retornem à vida profissional sem a preocupação em tutelar o tempo inteiro os filhos.
Temos certeza de que o Poder Público irá editar normas regulamentando essa divergência, pois também ocorrerá nas escolas públicas e é um problema de natureza coletiva. Podemos adiantar, pelo menos para o ano de 2020, que as instituições de ensino precisarão ter bastante flexibilidade no quesito “frequência” dos alunos.
Direcional Escolas: Você acha que é importante, para os/as gestores/as escolares, manterem contato com advogados/as especializados em educação para orientações e assessorias jurídicas, principalmente nesse momento de pandemia?
Célio Müller: Cada vez mais o gestor educacional previdente precisará de apoio de profissionais de qualidade, que conheçam a educação e busquem soluções para os problemas que se avolumam. Diariamente há normas, notícias e tendências que se transformam, por isso a atualização é imprescindível para a sobrevivência das escolas
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Célio Müller – contato@mullermartin.com.br