Matéria publicada na edição 116 | Março 2016 – ver na edição online
Por Rafael Pinheiro / Foto Divulgação
Vivência urbana, práticas de cidadania, manifestos e experiências transformadoras. Os propósitos humanitários transcendem espaços físicos escolares e ganham notoriedade na relação intrínseca com a apropriação pública, com o conhecimento social, com conceitos de cidadania e os desdobramentos interessantes que ações e projetos podem projetar na formação do aluno-cidadão.
O projeto “Órbitas Urbanas”, criado em 2013 através de uma ação uma ação pedagógica, à qual alunos da 2ª série do Ensino Médio do Colégio Marista propõem uma investigação da cidade de São Paulo por meio de pesquisa de campo. A partir dessa caminhada pela região central da cidade, são analisados aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais e estéticos. Constituindo a parte final da ação pedagógica, alunos fazem mostra com muita arte, criando painéis, inserindo desenhos e textos, resultado da vivência que tiveram no Centro Histórico de São Paulo.
Conversamos com Paulo Mendes, um dos professores idealizadores desse projeto, para conhecer as perspectivas das órbitas urbanas e os impactos obtidos pelos alunos. Confira:
Revista Direcional Escolas: Você acredita que levar os alunos para o espaço urbano é uma forma de ressignificá-los, além de propor uma ligação entre os jovens e a sociedade que os cercam?
Paulo Mendes: Na realidade, creio que a discussão deva passar inicialmente pelo entendimento de que todos os nossos alunos já vivem no espaço urbano. A grande questão é que, por diversos fatores, este espaço foi se fragmentando e, em muitos casos, eles (alunos) perderam ou até nem construíram uma visão de todo em relação a cidade de São Paulo.
O que estou querendo dizer é que, em função do tamanho da cidade, de todos os aspectos ligados à violência, segregação, medo, entre tantos outros itens, muitos de nossos alunos foram se inserindo numa lógica em que a cidade passou a ser o bairro de moradia, a escola, o shopping, os locais das baladas e o próprio condomínio. Daí o processo de apropriação deste espaço urbano, o entendimento de suas dinâmicas e a percepção do todo acabam sendo muito comprometidos.
Logo, convidá-los a um processo de apropriação de determinados espaços e serviços públicos é uma forma de dizer-lhes que a cidade e seus espaços estão aí para serem conhecidos, ocupados e usufruídos. E, quando eles tomam esta consciência, com certeza há uma grande mudança na sua relação com alguns espaços, equipamentos e serviços urbanos, a exemplo do que acontece quando percorremos as ruas da região central na nossa pedalada e no nosso estudo do meio.
DE: O que a experimentação do projeto “Órbitas Urbanas” provocou nos alunos e o que essa experiência alterou seu cotidiano nas relações sociais dentro do colégio?
PM: Posso afirmar que ao se depararem com todos os aspectos conceituais que são estudados e, ao realizarem o estudo do meio e as atividades que são propostas no projeto (oficinas temáticas, espaços de discussões, intervenções urbanas e o ato político), nossos alunos tem uma grande oportunidade de tornarem-se cada vez mais protagonistas na produção do seu conhecimento, de serem mais autônomos nas suas relações com o espaço urbano, e se posicionarem de forma cada vez mais crítica e atuante em relação às políticas públicas na cidade.
No entanto, é bom destacar que é um projeto realizado com alunos da 2ª série do Ensino Médio, ou seja, adolescentes entre 15 e 16 anos que “se jogam” conosco nesta experiência na urbe paulistana, que se sensibilizam e se mobilizam com tudo o que é apresentado e descoberto, mas que ao término do projeto, retomam suas vidas e suas rotinas cotidianas, inclusive nas salas de aula.
É muito interessante o retorno que temos recebido de alguns alunos que passaram pelo projeto e que hoje estão nas universidades e até no mercado de trabalho. Ao nos encontrarem, relatam que a experiência do Órbitas foi-lhes muito significativa, que agregou conhecimentos e abriu novas perspectivas nas relações destes jovens com os espaços da cidade, suas dinâmicas, contradições, problemas e até soluções. E é neste momento que sentimos que o projeto ainda tem fôlego e que vale a pena.
DE: É possível educar para a cidadania?
PM: Para responder ao que foi pedido, quero recorrer ao grande educador Paulo Freire, quando este dizia que “não há educação fora das sociedades humanas e não há homem no vazio”. Para ele, a principal função da educação é seu caráter libertador, e ensinar, seria, fundamentalmente, educar para a liberdade e para a autonomia e isto é indissociável do exercício cidadão.
Neste contexto, é possível educarmos para a cidadania na medida em que buscamos contribuir para a formação de alunos responsáveis, autônomos, solidários que conhecem e exercem seus direitos e deveres, que praticam o diálogo e o respeito, numa visão pluralista e com espírito democrático. E, mais uma vez, me reporto ao projeto Órbitas Urbanas como sendo um dos grandes momentos desta vivência mais autônoma e de exercício da cidadania.
Saiba mais:
Paulo Mendes – arqui@colegiosmaristas.com.br