As metodologias pedagógicas, assim como as suas possibilidades e eficácia, alcançaram o centro de importantes debates, teorias e práticas na contemporaneidade. Com uma diversidade cada vez maior de estudantes nas instituições de ensino, trilhar planos de ensino flexíveis e personalizados tornou-se uma demanda necessária e urgente nas salas de aula.
Os modelos tradicionais – e pouco ajustáveis – de ensino estão, paulatinamente, entrando em desuso. E o motivo é um conjunto de mudanças que atravessam as diversas características que compõem os/as estudantes, como aspectos cognitivos, culturais, identitários, emocionais, étnicos, assim como alunos/as neurodivergentes (que abrange pessoas diagnosticadas com TEA, dislexia e TDAH, por exemplo) e que anseiam que os processos que envolvem o desenvolvimento estudantil sejam elaborados de modo personalizado. Nesse sentido, atentar-se para possibilidades pedagógicas que abarquem as especificidades de cada estudante é um modo de diversificar e pluralizar a educação cotidiana. Para adentrar neste assunto, trouxemos falas neste especial de profissionais que indicam a importância da personalização no ensino, como identificar as demandas de alunos/as e como inserir metodologias que atendam as especificidades. Confira!
“No cenário educacional contemporâneo, a educação plural e personalizada tem se destacado como um elemento crucial para atender as necessidades únicas de cada aluno. Essa abordagem, que se afasta dos modelos tradicionais de ensino uniforme, visa adaptar-se às diferenças individuais dos estudantes, sejam elas cognitivas, culturais ou emocionais. Reconhecendo a importância de abordagens que valorizam as habilidades e os interesses específicos de cada um, a educação personalizada não apenas melhora o desempenho acadêmico, mas também fomenta a autoestima e a motivação, fatores essenciais para o desenvolvimento integral do indivíduo.
Para implementar essa personalização em sala de aula, é fundamental identificar as demandas específicas de cada estudante. Isso pode ser realizado por meio de avaliações diagnósticas, observações atentas e um diálogo constante entre professores, alunos e responsáveis. Com estas informações, os educadores podem elaborar planos de ensino flexíveis, integrando estratégias como aprendizado baseado em projetos, aulas interativas e a utilização de tecnologias educativas. Essa abordagem permite que cada aluno explore o conteúdo de maneira que ressoe com seus interesses e habilidades, promovendo um ambiente de aprendizagem mais envolvente e eficaz.
A prática da educação personalizada se apoia em uma variedade de possibilidades, entre as quais destacamos a avaliação da aprendizagem. Estas avaliações, quando bem projetadas e aplicadas, podem ser uma metodologia chave para personalizar a experiência educacional. As avaliações da aprendizagem, no contexto da personalização, vão muito além de mensurar simplesmente o desempenho acadêmico. Elas se tornam um meio para entender profundamente as habilidades, as necessidades, os estilos de aprendizagem e os interesses dos alunos. Ao analisar os resultados das avaliações, é possível identificar áreas nas quais cada aluno se destaca e aquelas em que eles podem precisar de mais apoio. Essas informações são cruciais para adaptar o ensino de maneira que atenda as necessidades individuais de aprendizagem.”
Luciana Santos – Coordenadora de Projetos da Foreducation EdTech
“A educação plural refere-se a uma abordagem que reconhece e valoriza a diversidade de experiências, culturas, perspectivas e habilidades dos alunos. Ela busca proporcionar um ambiente educacional inclusivo, onde diferentes identidades, origens e formas de pensar são respeitadas e integradas ao processo de aprendizagem, valorizando as diferenças. Já a educação personalizada é uma abordagem que considera as características individuais dos alunos, adaptando métodos de ensino, conteúdo e ritmo de aprendizagem para atender as necessidades específicas de cada estudante. Ela reconhece que os alunos têm estilos de aprendizado diferentes, níveis de habilidade variados e interesses únicos. Portanto, a educação personalizada busca criar um ambiente de aprendizado que seja flexível e ajustado para otimizar o progresso de cada aluno, promovendo um engajamento mais profundo e um melhor entendimento dos conceitos, priorizando o indivíduo. Sendo assim, entendemos o que parece muito claro, somos únicos, não podemos aprender como todo mundo. Precisamos entender as particularidades e diferenças adequando o conteúdo e diversificando o ensino.
A criação de metodologias personalizadas que atendam as demandas específicas dos estudantes é de suma importância por várias razões, entre elas:
– Respeito à Diversidade: Cada aluno é único, com estilos de aprendizagem, ritmos e interesses distintos;
– Engajamento e Motivação: Alunos são mais propensos a se envolverem ativamente no processo de aprendizagem quando percebem que suas necessidades e interesses são levados em consideração;
– Maximização do Potencial Individual: A personalização permite que cada estudante alcance seu máximo potencial;
– Atendimento a Necessidades Específicas: É nosso papel como professores garantir que todos tenham acesso igualitário à educação;
– Preparação para o Mundo Real: Metodologias personalizadas preparam os estudantes para enfrentar desafios de maneira flexível e eficaz;
– Feedback Contínuo: Melhoria constante no processo educacional;
– Autonomia: O aluno consegue entender seus objetivos de aprendizagem e, assim, aprende a aprender.
Todo bom professor reconhece os diferentes tipos de alunos presentes em sua sala de aula. Conseguimos facilmente identificar os alunos que precisam de assistência, assim como alunos que não precisam de professor, alunos reservados e alunos participativos, alunos que gostam de anotar tudo o que se fala e alunos que nem ao menos abrem o caderno. Fica claro as diferentes inteligências e como um professor deve explorar isso com diferentes abordagens de um mesmo assunto. Estabelecendo o objetivo de cada aula, para que assim, de maneira autônoma os alunos possam entender o que é esperado dele. Mas como inserimos isso em salas de aula algumas vezes lotadas e com a disposição das carteiras alinhadas tradicionalmente? Seguindo o termo atualmente muito discutido ‘Lifelong learning’ (traduzido como aprendizado ao longo da vida), nós, professores, precisamos entender que é necessário evoluir e se adaptar. Portanto, o primeiro passo é o de preparar um currículo flexível, entendendo que cada aluno aprende de maneira diferente em momentos diferentes, uma solução para isso é a aprendizagem por projetos onde pode-se trabalhar temas de interesse dos alunos de maneira multidisciplinar retroalimentando os pontos de melhoria para cada aluno, para que entendam o que se espera deles e principalmente, entendam o que precisam saber.
Existem diversos métodos e estratégias que podem ser utilizados para promover a aprendizagem personalizada em sala de aula. Sendo os mais comuns:
– Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP): Os alunos se envolvem em projetos práticos e significativos, aplicando conceitos aprendidos em situações do mundo real.
– Ensino Híbrido: Combinação de métodos de aprendizagem presenciais e online, permitindo flexibilidade e personalização do ritmo de aprendizagem.
– Estações de Aprendizagem: Os alunos têm diferentes estações ou atividades para escolher, permitindo que personalizem sua jornada de aprendizado de acordo com suas preferências.
– Rotação por Competência: Os alunos avançam para o próximo conceito ou tarefa somente após dominarem completamente o anterior, garantindo um aprendizado personalizado.
– Tutorias e Mentoria: Fornecer suporte individualizado através de tutorias ou mentoria, adaptando o ensino de acordo com as necessidades específicas de cada aluno.
– Ensino Diferenciado: Oferecer diferentes versões de atividades ou tarefas para atender a diferentes níveis de habilidade e estilos de aprendizado.
– Portfólios de Aprendizagem: Os alunos criam portfólios que documentam seu progresso, metas e projetos, promovendo a autorreflexão e personalização do aprendizado.
– Aprendizagem Colaborativa: Envolver os alunos em atividades colaborativas, onde eles aprendem uns com os outros, promovendo a personalização por meio da interação social.
– Feedback Contínuo: Fornecer feedback regular e específico, permitindo ajustes e melhorias constantes no aprendizado de cada aluno.
– Adaptação de Recursos de Ensino: Utilizar uma variedade de materiais e recursos, como vídeos, jogos educativos, simulações, para atender a diferentes estilos de aprendizado.
– Aprendizagem Autodirigida: Encorajar os alunos a definirem suas próprias metas de aprendizagem, explorarem tópicos de interesse pessoal e assumirem maior responsabilidade pelo seu aprendizado.
Entre muitas outras, mas percebam que todas elas exigem a autonomia do aluno e a observação constante do professor.
Em nossa unidade do Elite Curitiba, Unidade Ponta Grossa, onde temos apenas o Ensino Médio, criamos um Grupo de Estudos para Alta Performance para os alunos do extensivo, focados em Medicina. O objetivo inicial do projeto era que os alunos entendessem seus estilos de aprendizagem e suas diferenças de personalidade, exemplificando como uma aula tem importâncias diferentes para cada aluno. Um exemplo muito claro foi o de irmos a um restaurante de buffet por kilo: o que você coloca no seu prato? Assim acontece na sala de aula. Cada um absorve aquilo que precisa, ou que prefere, desde que ele saiba qual é o seu objetivo final. O segundo passo, foi de os alunos entenderem como o conhecimento gera o aprendizado, ou seja, como o cérebro aprende. Importante ressaltar aqui a necessidade de revisarmos os conteúdos ensinados e até mesmo a importância das avaliações. Deixando claro também que o estudo ininterrupto pode ser prejudicial. Depois exploramos as diferentes inteligências, o repertório de vida de cada um, como isso influencia no seu desenvolvimento e da necessidade de nos entendermos para potencializar nossos resultados. Estudamos também a pirâmide do aprendizado de William Glasser. E a consequência foi um grupo de alunos que se envolveram com o colégio, se ajudam e nos ajudam a sermos melhores e a identificarmos como podemos nos adaptar às necessidades deles para atingirmos nossos objetivos. Assim como o mundo, a educação também precisa evoluir, e cabe a nós, professores, nos adaptarmos a cada aluno diferente que passa pelas nossas aulas.”
Regina Shibuta – Pedagoga e professora no Colégio e Curso Elite (PR)
“Acreditamos que a estimulação de um aprendizado plural e personalizado é fundamental para a promoção de um ambiente educacional mais inclusivo e para a formação de cidadãos com uma visão mais solidária e colaborativa. A diversidade de estilos de aprendizagem e habilidades entre os alunos requer abordagens flexíveis que atendam as necessidades individuais, maximizando o potencial de cada estudante, gerando novas formas de ensinar e demanda inovação para os processos educativos e para a formação dos professores. Ao incorporar métodos variados e adaptados ao ritmo e interesses de cada aluno, a aprendizagem se torna mais significativa, incentivando a participação ativa de todos os alunos. Além disso, a promoção da pluralidade de perspectivas e experiências enriquece a dinâmica da sala de aula, preparando os estudantes para enfrentar um mundo diverso e complexo.
A identificação das demandas dos estudantes pode ser alcançada por meio de avaliações diagnósticas e formativas, observação atenta, feedback regular e comunicação aberta. Além do diálogo colaborativo com diferentes profissionais que contribuem com a formação do aluno, na perspectiva de equipes multiprofissionais. A aplicação de instrumentos de avaliação deve ir além de testes tradicionais, o uso de projetos práticos e discussões em grupo, pode revelar as preferências e habilidades individuais dos alunos. A observação atenta do desempenho e do comportamento em sala de aula também é fundamental para identificação do perfil dos estudantes. O feedback constante, tanto dos professores quanto dos próprios alunos, fornece informações valiosas sobre o progresso e as necessidades específicas. Além disso, manter uma comunicação aberta e receptiva cria um ambiente propício para os alunos expressarem suas demandas, garantindo que a abordagem educacional seja adaptada de maneira eficaz às suas necessidades.
Na prática, podemos utilizar métodos como aprendizado baseado em projetos, atividades em grupos, uso de tecnologia educacional, como realidade virtual e realidade aumentada, plataformas de simulação e de games, plataformas de Educação a Distância, dentre muitos outros, são eficazes para promover uma aprendizagem personalizada em sala de aula e para além da sala de aula. Tais abordagens e recursos permitem adaptações ao ritmo, estilos e interesses individuais dos alunos, maximizando a eficácia do processo educacional.
A tecnologia é uma aliada fundamental no processo de personalização da educação, pois oferece ferramentas que permitem adaptar o ensino às necessidades individuais dos alunos. Plataformas educacionais, softwares interativos e recursos online possibilitam a criação de ambientes de aprendizagem flexíveis, em que os estudantes podem avançar no seu próprio ritmo, acessar conteúdos personalizados e receber feedback instantâneo. Além disso, a tecnologia facilita a coleta e análise de dados sobre o desempenho dos alunos, permitindo ajustes contínuos nas estratégias de ensino para atender as demandas específicas de cada estudante. Destaco que é fundamental que os educadores compreendam e aceitem o perfil diferenciado dos estudantes porque é ele quem vai gerar as situações de aprendizagem utilizando todos os recursos tecnológicos disponíveis. A visão do educador é estratégica para a personalização dos processos educativos.”
Rita Maria Lino Tarcia – Colaboradora do Instituto Âncora Educação e docente na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
“O trabalho individualizado e o atendimento personalizado fazem toda a diferença para o estudante. Aliás, para qualquer ser humano, ser atendido e ser respeitado em sua individualidade faz com que o mesmo transcenda seu potencial e perceba no dia a dia seu processo de indivíduo como valor. Identificar as demandas dos estudantes é muito fácil quando o foco é a qualidade no processo de aprendizagem. Avaliações, conversas, reuniões com a família, proximidade e intimidade com o estudante proporcionam essa condição. Inserir na sala de aula, usando estratégias coletivas para uma boa visualização do processo em si. A tecnologia é mais uma estratégia usada para o processo de aprendizagem ser positivo. Mas não podemos esquecer que a cada dia mais, o processo individualizado, olho no olho, está sendo necessário para um resgate incisivo no aprender.”
Esther Cristina Pereira – Diretora e psicopedagoga na Escola Atuação (PR)
“Existem muitos desafios para os estudantes autistas no ensino regular, e não dá para nomeá-los de uma maneira muito genérica, porque o autismo é um espectro, justamente porque dentro dele estão indivíduos completamente distintos entre si. Então, o grande desafio é conseguir reconhecer de uma maneira técnica a individualidade e planejar com base na melhor ciência o que ele precisa.
A grande questão não está tanto em construir uma metodologia que seja individualizada, mas conhecer quais metodologias têm evidência científica para pessoas com autismo e qual seria a mais apropriada para um certo objetivo, para um certo indivíduo. É uma tarefa árdua, difícil, realmente não é uma coisa simples de ser realizada. E, à medida que eu reconheci qual é a melhor metodologia para aquele caso específico, eu tenho que entender qual é esse procedimento, portanto, exige um repertório em termos de procedimento e a elaboração para aquele indivíduo. Nos Estados Unidos, existe uma lei que obriga as práticas a serem baseadas em evidências. Eles publicam relatórios periódicos sobre quais práticas têm evidência. Hoje, nós temos 28 práticas baseadas em evidências para o autismo. Então, me parece que a questão principal são os educadores nas escolas dominarem o máximo possível essas 28, para eles terem um cardápio de soluções.
Para identificar essas demandas, nós temos quatro fontes fundamentais. Primeira, ouvir o próprio estudante, à medida que ele consiga fazer isso. Segunda, ouvir os pais. Ter uma boa captação de informações com os pais, seja por meio de conversa livre, seja por meio de checklists, como, por exemplo, checklists de comportamento problema, checklists relacionados a formas de comunicação, entre outros. Terceira fonte, avaliações externas à escola que tenham sido feitas por outros profissionais, por exemplo, psicopedagogo, médico, fisioterapeuta, psicólogo, entre outros. E a quarta fonte são as avaliações específicas feitas com esses indivíduos. Por exemplo, avaliações com protocolos cientificamente validados, que meçam habilidades de comunicação, habilidades de aprendizado, habilidades mecânicas de sala de aula, como a gente fala. Tudo isso são possibilidades que a gente tem para fazer testagem direta de habilidades e aí, portanto, a gente identifica essas demandas individuais.
Além da sala de aula, a gestão escolar pode contribuir em muitas coisas para uma educação plural. Primeiro que, quando a gente fala de sala de aula, pode ser no sentido estrito ou no sentido mais genérico. Mas, eu vou usar o sentido estrito. A educação, quando o indivíduo está na escola, ela também vai perpassar, sobretudo nesses casos, fora da sala de aula. Por exemplo, nos intervalos em que a gente, obviamente, não tem como endereçar habilidades acadêmicas, mas habilidades sociais, no caso do autismo, é fundamental. Então, a gente pode ter ações que são de natureza pedagógica, mas não acadêmica, para ensinar habilidades sociais no intervalo, na entrada da escola, na saída da escola. Nós temos pessoas com autismo que não aprenderam a habilidade de entrar na sua sala de aula após o sinal. E, eventualmente, a gente pode conduzi-la, mas o ideal seria ensiná-la a ir para a sala de aula de uma maneira autônoma. Ou também, depois, sair da escola em direção aos seus pais quando acabar a aula. Esses são alguns exemplos. Agora, isso eu estou falando que acontece fora da sala de aula, mas na escola. Para além disso, é importante a gente engraxar uma engrenagem que envolve três diferentes atores, que são a escola, a terapia e a família. E a gente pode fazer isso de muitas formas diferentes, mas a escola pode ser um locus em que esses agentes se encontram e coordenam ações. A escola, historicamente falando, tem sido um espaço acolhedor para todos esses conhecimentos e essas famílias, e deve fazer parte dessa engrenagem de uma maneira protagonista, ativa, não só como recebedora de orientações, mas como quem propõe, quem articula esses processos. A escola deve ser esse espaço de articulação entre esses três agentes.”
Lucelmo Lacerda – Doutor em Educação e autor do livro “Crítica à Pseudociência em Educação Especial – Trilhas para uma educação inclusiva baseada em evidências”