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Entrevista com o educador Artur Costa Neto

SEGUNDO EDUCADOR, ESCOLAS PARCEIRAS DAS COMUNIDADES SÃO “AS MAIS SEGURAS E AMADAS” DO BRASIL

O educador Artur Costa Neto, professor universitário, vice-presidente nacional da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme) e diretor do Sinpro (Sindicato dos Professores), analisa, em entrevista a seguir, o fenômeno da violência nas escolas como reflexo do problema estrutural de desigualdade da sociedade brasileira. Alerta ainda que a própria escola, em geral, reproduz um sistema agressivo contra os estudantes, baseado em punições e currículos obsoletos.

Por Rosali Figueiredo
Revista Direcional Escolas – Você acha que a escola perdeu credibilidade junto à sociedade? 
Artur Costa Neto – A sociedade brasileira é uma das mais desiguais do mundo. Pelos dados e estudos feitos pela ONU estamos entre os cinco países com maior diferença entre ricos e pobres. Esta situação nos faz ser uma das sociedades mais violentas do mundo. Na América ocupamos um dos primeiros lugares. Diante desta realidade não é possível separar a escola do seu contexto social mais amplo. Li recentemente uma notícia que dizia que na Capital, em São Paulo, tivemos 1.196 crimes dolosos e 1357 mortes por acidentes de trânsito. Constantemente temos notícias assustadoras do número de maridos que agridem esposas e filhos. Como podemos querer que a escola fique imune a todo este trágico quadro de violência da sociedade brasileira?
Como podemos querer que a escola seja um oásis e um lugar onde só exista a compreensão, o entendimento e a paz se ela mesma agride os alunos com índices de evasão e repetência dos mais altos do mundo? Com currículos inadequados e obsoletos, voltados para um vestibular e não para a vida dos estudantes?  Com discriminações inaceitáveis com alunos que tenham mais dificuldades na aprendizagem?
A escola é única que joga a culpa do fracasso na sua clientela e não assume sua responsabilidade pela não aprendizagem. Isto não é uma agressão? Na escola a nota é mais importante do que a aprendizagem; o burocrático mais importante do que o pedagógico; o ter mais importante do que o ser; o currículo pré-estabelecido mais importante do que o currículo da vida; a mesmice e a rotina são mais importantes do que a criatividade etc… Tudo isso não é uma agressão?
Revista Direcional Escolas – O caso do Realengo poderia ser imputado a isso?
Artur Costa Neto – Sem qualquer dúvida o episódio no Realengo, apesar de ser um caso isolado, aconteceu como consequência de um aluno que foi violentado na sua experiência escolar.  O não acolhimento, o desprezo, o sofrimento, a discriminação sentida durante tantos anos de escolaridade germinaram numa mente com distúrbios psicopáticos aquela atitude de agressão.
Revista Direcional Escolas – O que faltou à mídia e aos especialistas dizerem a partir da repercussão deste triste acontecimento?
Artur Costa Neto – A atitude de pintar a escola, de receber os alunos com tanto carinho, capacitações para os profissionais da educação etc. não pode ser a atitude tomada depois de uma tragédia. Deve ser a atitude permanente de todas as escolas quando recebem seus alunos. A escola precisa ser um lugar alegre e de felicidade para todos que lá estudam. Mas, para isso também todos que lá trabalham devem estar contentes com suas condições de trabalho, seus salários, com as relações existentes.
Revista Direcional Escolas – A sociedade (as famílias) exigem uma escola segura, no entanto, educadores defendem cada vez mais que esta abra as suas portas para a comunidade, para os familiares. Como garantir ambas? São situações irreconciliáveis?
Artur Costa Neto – Não existe conceito mais absurdo de segurança do que transformar a escola num presídio onde as famílias não têm acesso, as portas são de ferro com cadeados onde ninguém entra nem sai, a não ser nos horários determinados.
As escolas onde a comunidade tem uma participação efetiva no conselho de Escola, onde há uma permanente interação entre alunos professores e pais, onde a comunidade tem a escola como um espaço público, para o uso coletivo e, por isso mesmo, também participa do cuidado por este local, são as escolas mais seguras do país porque são amadas por todos que convivem naquele espaço.
Por que a mídia não começa a mostrar para o povo todas estas experiências educacionais tão maravilhosas que temos nos mais diversos Estados do Brasil? Por que são notícias apenas as tragédias, inevitáveis no nosso imenso contexto social desigual e violento?
Revista Direcional Escolas – Outros aspectos que considere importante destacar aqui.
Artur Costa Neto – Para mudar esta situação social temos que mudar a escola. Temos que resgatar, como disse o ex-presidente Lula, o pouco caso que sempre dedicamos à escola. É preciso muito mais investimento na educação. É necessário que o Congresso não regateie o desejo de toda a sociedade de que os investimentos cheguem a 10% do PIB, conforme decisão da CONAE (Conferência Nacional da Educação, que contribui para a consolidação do novo Plano Nacional da Educação, em discussão no Congresso).
As escolas precisam ser de tempo integral. Só em São Paulo temos 150.000 crianças que querem se matricular na Educação Infantil e não têm vagas. Ainda estamos dependendo do Judiciário para conseguir que crianças possam ser matriculadas. Ricos sempre conseguem estudar. Para os pobres precisamos defender que eles também tenham direito à educação. Isto não é mais assunto a ser discutido nos países mais desenvolvidos do mundo. Uma aluna da FAAP me disse que em passeio no interior da França com sua mãe e irmã, um guarda interpelou a mãe perguntando: por que estas duas crianças não estavam na escola?
Criança na escola em período integral é o natural, o comum, o esperado por todos. Não há que se discutir direito à educação, qualidade na educação. Educação é coisa séria por isso é inerente que todos tenham vagas, tenham acesso e permaneçam nas escolas. Que todas sejam de qualidade; este adjetivo não deveria existir porque faz parte do termo educar.
SAIBA MAIS
Artur Costa Neto

arturcneto@uol.com.br

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