Matéria publicada na edição 02 | Março 2005 – ver na edição online
Quando o assunto é sexo
Autora de best-sellers e pioneira no Brasil em sexualidade humana, a sexóloga acredita que o sexo está banalizado entre os jovens.
Maria Helena Matarazzo é precursora da educação sexual no Brasil. Em 1975, de volta ao Brasil depois de morar quatro anos nos Estados Unidos, onde estudou Sociologia, Psicologia e Sexologia, ela rompeu barreiras. Começou a falar de sexo na Rádio Globo. Eram cinco minutos por dia de educação sexual, na rádio de maior audiência em São Paulo na época. Maria Helena lembra que, na época, ainda havia censura no País. “Contávamos nos dedos quem falava sobre educação sexual. Não havia cursos de especialização nem de pós-graduação em sexologia”, recorda. Sua coragem serviu de abertura para os sexólogos que a sucederam, especialmente Marta Suplicy, que, de 1980 até 1985, no programa TV Mulher, da Rede Globo, prestava um serviço de orientação sexual via televisão. “Marta atingia um número incrível de pessoas. O impacto da TV não se compara com o do rádio”, constata.
Depois dessa fase, Maria Helena observa que o sexo ganhou espaço em debates na televisão, como nos programas para adolescentes do apresentador Serginho Groissman. “Porém, o que eu vejo hoje na TV, e que acho bastante preocupante, é um sexo pornoerótico, uma glamurização da sexualidade. Os jovens vêm nas novelas um personagem pulando de uma cama para a outra, de um orgasmo para o outro, e acham normal. As novelas nunca mostram o dia seguinte, isto é, que tipo de resultados aquele comportamento gerou. Eu costumo dizer que nunca uma geração assistiu a tanto orgasmos ao vivo e a cores como a geração dos nossos filhos”, diz.
Maria Helena é autora dos best sellers Amar é preciso, Nós dois, Encontros, desencontros & reencontros, Gangorras do amor e Namorantes, todos reeditados e revisados pela Editora Record em 2004. Juntos, somam mais de 500 mil exemplares vendidos. Amar é preciso, publicado originalmente em 1992, chegou à incrível marca de 55 edições e foi lançado também na Argentina e na Itália. Seu sexto e mais recente livro, Coragem para amar, é dedicado às fobias atuais quanto ao compromisso. “Há uma fobia do compromisso. Uma relação começa quando a coragem é maior que o medo”, explica a autora.
Nessa entrevista a Revista Direcional Escolas, Maria Helena Matarazzo fala da necessidade de uma orientação sexual de qualidade nas escolas e de como o “ficar” entre os jovens vem queimando etapas nos relacionamentos amorosos.
DIRECIONAL ESCOLAS- Qual a influência dos meios de comunicação e da vida moderna na sexualidade da criança e do jovem brasileiro?
MARIA HELENA MATARAZZO- Houve um processo de erotização precoce nos últimos 20 anos. Isso me entristece, porque é como se você passasse por cima da infância. Os pais chegam em casa tarde, cansados, ligam a TV, que é uma forma de se desligar dos problemas do dia-a-dia. Os brasileiros vêm em média cinco horas de TV por dia, enquanto os americanos assistem quatro. As crianças estão acordadas naquele horário da novela, ficam junto com os pais e vêm e ouvem coisas que não tem nada a ver com o mundo delas. Isso vai atropelando o curso natural. Hoje em dia, o processo normal do amadurecimento sexual está comprometido. Os pais fazem o melhor, mas chega uma hora que eles cansam. Dão banho, dão comida e vão ver a novela. Antigamente as novelas eram fantasias, hoje são mais reality shows. Dá muito mais audiência do que se você colocar um pequeno auditório e convidar um especialista para falar sobre sexo.
Há como diminuir ou prevenir essa influência?
Precisamos ensinar as crianças e os jovens a respeitar seu próprio corpo e o outro. Imaginamos que o jovem bem informado consiga fazer uma escolha livre e consciente em relação à sua sexualidade. Infelizmente, não é o que acontece. A informação sozinha não basta. De cada cinco meninas que têm relações sexuais durante um ano, quatro engravidam. Temos mais de um milhão de casos de gravidez acidental por ano no Brasil. O corpo fala mais alto. Os jovens têm pensamentos mágicos e acham que uma gravidez não vai acontecer com eles. Sempre acreditam que quem vai engravidar é a sua amiga ou a sua vizinha, nunca ela.
Quando começar um programa de educação sexual nas escolas?
No Brasil, os projetos são iniciados em geral na 4ª ou 5ª série. Depois, desaparecem e voltam na 8ª. Existem locais que dão treinamento para professores, oferecem cursos de orientação sexual para educadores. Mas, atualmente, vejo as escolas convidando médicos, especialistas ou sexólogos, para dar uma palestra por semestre ou por ano. Isso já está provado pela Organização Panamericana de Saúde (OPS) que não é suficiente, é como um tiro n´água. É um movimento que cria ondas mas depois se perde. A escola até pode convidar alguém para esclarecer e mobilizar os pais, mas depois é preciso dar continuidade.
Qual a importância de orientar adequadamente professores e funcionários?
Antes de iniciar qualquer tipo de programa de orientação sexual, é preciso preparar os professores e funcionários para não haver reações descabidas. Uma creche me chamou para orientar seu pessoal porque uma inspetora viu um aluno de quatro anos se masturbando no banheiro. Ela era crente e ficou tão descontrolada com a situação que começou a gritar que aquilo era pecado. Nessa idade, as crianças estão na fase do troca-troca: eu te mostro o meu, você me mostra o teu. Eles estão tentando entender o corpo e, para isso, brincam. A maneira de lidar com a masturbação vai depender da educação e da formação religiosa dos pais. Muitas vezes, a gente finge que não vê, noutras vezes distraímos a criança com uma brincadeira. Mas, pode-se aproveitar o gancho para orientar, dizendo que essa é uma parte do corpo muito sensível, que faz cócegas, e que muitas crianças e pessoas adultas até brincam com o próprio corpo. E explicar que só podemos fazer isso num local privado. Na casa da vovó, às três horas da tarde, assistindo TV ao lado dela não pode. Porque tem hora e local para tudo. Brincar com seu corpo é normal, mas o próprio corpo vai responder o quanto é normal. Há livros dirigidos para a criança com essas orientações. Agora, se a criança estiver tendo um comportamento obsessivo compulsivo é preciso procurar ajuda. Isso vale para qualquer circunstância: se a criança come sem parar, se chora à toa dia e noite, se tem medo de tudo, se dorme demais, alguma coisa está errada, ou na família ou na escola.
E a participação dos pais no processo de orientação sexual na escola, como deve ocorrer?
Depois de preparar seu pessoal, num segundo momento a escola deve chamar os pais e apresentar tudo o que será passado para as crianças, pedindo uma aprovação por escrito. Praticamente todos os pais querem que a escola dê educação sexual, porque eles também não receberam e ninguém dá aquilo que não recebe. Pode acontecer de um ou outro pai não querer que o filho receba essa orientação. Se os pais não autorizarem, essa criança deve ficar no recreio na aula de orientação sexual.
Existe para as escolas uma alternativa a um programa de educação sexual?
É muito difícil para as escolas estruturarem um programa de educação sexual. O currículo obrigatório já é muito pesado. Por isso, algumas escolas optam por inserir a educação sexual no currículo de várias matérias. Por exemplo, um problema que surgiu na novela naqueles dias. Se um namorado bateu na namorada, eles vão discutir o problema – o que a mãe da garota deveria ter feito, como a menina agiu. Mas são situações que ficam dispersas. Na realidade, quem dá educação sexual mesmo é a família. É como a educação religiosa, que acontece desde que a criança é bem pequena, a partir dos dois a três anos.
“Ficar” prejudica a vida emocional desses jovens?
Na revolução sexual dos anos 70, todos os tabus e todos os limites se desfizerem. Isso teve um efeito colateral desastroso. Os jovens desaprenderam a namorar. Eles passaram a queimar as etapas. Encontra alguém numa festa, numa balada e “fica”. Anotam o número do celular um do outro num pedacinho de papel. Quando chegam da festa, encontram um monte de pedacinhos de papel no bolso e não têm mais idéia de quem são essas pessoas. Minha briga é para fazermos uma operação resgate. Eles podem “ficar”, porque estão numa fase de exploração, de descoberta de si mesmos, do próprio corpo e do outro. Só que depois do “ficar” vem o namorar. Você liga para o outro e vai atrás, o que não tem acontecido. Os laços dos relacionamentos estão absolutamente frouxos e soltos. Nós estabelecemos um vínculo mas ele está frouxo. Eles deletam o outro depois do ficar. Antigamente, se eu conheci o outro, conversei, senti atração, existia o dia seguinte. E isso precisa ser resgatado.
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