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Entrevista/Sexualidade: “Há de se buscar o equilíbrio”

A educadora e especialista em sexualidade Marilza Arcanjo dos Santos Rodrigues, diretora do Colégio John Kennedy, em Pirassununga, interior de São Paulo, aborda, em entrevista abaixo, como trabalhar o tema com crianças e adolescentes no ambiente escolar e também com os familiares, a partir da experiência que vem desenvolvendo em torno do Projeto Equilíbrio Sexualidade.

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– A educação/orientação sexual deve ser tema trabalhado transversalmente nas disciplinas?
Marilza – A LDB (Lei de Diretrizes e Bases) orienta através dos Temas Transversais as questões da Ética, da Pluralidade Cultural, do Meio Ambiente, da Saúde, da Orientação Sexual e do Trabalho e Consumo. A escola fica com o desafio de abrir ao debate, nas disciplinas já existentes e de forma transversal, não só a Orientação Sexual, mas todos os assuntos de responsabilidade individual, pessoal e coletiva.

Revista Direcional Escolas – A partir de qual idade o tema deve ser apresentado?
Marilza – O MEC indica e define o conteúdo para todo o Ensino Fundamental, sendo, para os três primeiros anos (6 aos 8 anos) de forma não sistematizada e, sim, de acordo com a curiosidade, já que a criança se manifesta mais livremente. Nos anos seguintes até o Ensino Médio, na adolescência, as aulas contam com horário e estruturação de conteúdo para cada idade.

Revista Direcional Escolas – De que forma trabalhar as diferentes idades?
Marilza – É preciso respeitar as idades e as curiosidades individuais, tendo em vista o cuidado de não antecipar temas. Muitas vezes uma pergunta de um colega maior pode antecipar o conteúdo para outro, provocando interesses que o mais novo ainda não tem maturidade para entender.

Revista Direcional Escolas –  Como preparar pais e professores?
Marilza – Mesmo na atualidade, é comum os pais evitarem em falar de sexualidade com os filhos, pois pensam que este tipo de diálogo pode antecipar o interesse e a prática do assunto. Já com o professor, o sentimento é de não se sentir capaz para informar, ocasionando resistência, superficialidade e até senso comum. Na maioria das vezes é o professor de ciências que ministra as aulas e pode acontecer, até por causa da própria formação, uma valorização do biológico e da higiene em detrimento de uma dimensão mais ampla e global que envolve a sexualidade, isto é, da emoção, do sentimento, da história e da cultura.
Portanto, preparar pais e educadores é tarefa parecida e há de se investir na formação e capacitação para vencer tabus e preconceitos.

Revista Direcional Escolas – Independente da LDB, as escolas deveriam adotar um trabalho organizado e contínuo de orientação sexual por quais razões? É parte de seu papel oferecer esse auxílio aos estudantes?
Marilza – Costumo falar que é na escola que as coisas acontecem. Portanto, é neste espaço privilegiado que a escola pode promover situações para o desenvolvimento global do estudante. A sexualidade faz parte deste desenvolvimento e a forma como for apresentada pelos pais e professores pode interferir no aprendizado, nas decisões e no seu futuro projeto de vida.

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– Sua abordagem é mais física (de saúde) ou comportamental?
Marilza – A abordagem desenvolvida no meu colégio abre espaço para reflexão, informação e conhecimento. As dimensões fisiológicas, sociológicas, psicológicas e religiosas são compreendidas e consideradas. Não há como separar a dimensão física do comportamento, já que a sexualidade é integrada e interligada ao indivíduo através do seu corpo com seus sentimentos, emoções, sensações e transformações ao longo da vida.

Revista Direcional Escolas – Podemos dizer que o objetivo das escolas deve ser o de ensejar uma prática de bem-estar entre os jovens e adolescentes?
Marilza – A escola não pode e não deve substituir a responsabilidade, que cabe à família, de educar e orientar seus filhos. As primeiras informações que as crianças receberão sobre sexualidade serão dos pais, familiares e/ou cuidadores. Mesmo as atitudes silenciosas, já que não falar sobre o assunto pode sinalizar que é tabu e que não são pessoas “perguntáveis”.

Revista Direcional Escolas – Qual a definição de sexualidade deve ser adotada pelas escolas?
Marilza – A escola tem como finalidade principal o preenchimento de lacunas, informação e erradicação de preconceitos, enfim, colaborar na desconstrução de opiniões de senso comum e na construção de uma visão ampla baseada principalmente no respeito a si e ao outro.

Revista Direcional Escolas – Quando você iniciou o trabalho com educação sexual junto às escolas?
Marilza – Tudo começou quando fazia a orientação educacional com meus alunos e percebi que o assunto sexualidade era uma constante nas conversas e nos comportamentos. Percebi também que não era somente responder às perguntas, mas me capacitar para não cair no simplismo e no achismo. Durante dois anos fiz a especialização em Sexualidade Humana na Unicamp para implantar o Projeto Equilíbrio Sexualidade que acontece no colégio desde 2002.

Revista Direcional Escolas – O perfil do trabalho vem mudando com o tempo?
Marilza – Atualmente a velocidade e a oferta de informações são maiores e mais dinâmicas a cada ano que passa, portanto sempre que o estudante traz seus anseios e suas curiosidades para as aulas, enxergamos como contribuição para atualizar nosso trabalho. Percebemos que os pais esperam do trabalho como uma parceria bem-vinda, pelo fato de ainda terem dificuldades para lidar com o assunto. Acreditamos que criança bem informada é criança protegida.

Revista Direcional Escolas – Quais as principais dúvidas e/ou dificuldades que os jovens e adolescentes encontram hoje?
Marilza – Atualmente, ter acesso a informações se tornou fácil com a tecnologia, mas o que o adolescente quer é poder falar sobre suas emoções, sentimentos e principalmente ter um espaço confiável para entender a inundação de sensações que acontecem em seu corpo e que povoam sua mente quase que constantemente.  A partir desta construção de autoconhecimento é que poderão construir seu projeto de vida.

Revista Direcional Escolas – Meninos e meninas ainda têm muitos conflitos, a despeito do acesso facilitado à informação via internet?
Marilza – Acho que o maior conflito é na hora processar as informações e comportamentos recebidos solitariamente pela internet, já que o filtro seletivo ainda está sendo formado. Para ajudá-los a desenvolver o senso crítico e separar o que é saudável nesta rede interpessoal tecnológica infinita, é imprescindível a presença e diálogo continuados do adulto.

Revista Direcional Escolas – Quais os reflexos que a internet tem gerado?
Marilza – Reflexos bons e ruins. Os bons são a maravilha de obter informações que podem virar conhecimento e transformar vidas através da conexão com o mundo.
Os ruins são os excessos do uso que podem gerar solidão, exposição exagerada, modelos de violência, e a banalização da sexualidade onde o íntimo e particular se tornou fora de moda.

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– Como as escolas devem lidar com comportamentos como namoro no ambiente escolar, relações sexuais, diversidade, preconceitos etc.?
Marilza – O namoro é uma das invenções mais agradáveis, desde que as dimensões públicas e privadas sejam consideradas. Namorar é preciso, para conhecer o outro e experimentar as emoções e sensações que permeiam as relações. Atualmente, até pelo entendimento equivocado de que tudo tem de ser antecipado, mostrado e visto, gerou-se um excesso de liberdade íntima sem pudor. Gosto muito de uma frase de Marcel Rufo: “Entre o tudo-proibido de ontem e o tudo-sexualizado de hoje, que permaneça a liberdade íntima com pudor.” Há de se resgatar as regras do convívio coletivo e prepará-los para viver a sexualidade e as relações no tempo adequado com responsabilidade e prazer.

Revista Direcional Escolas – Relate um pouco a experiência do Projeto Equilíbrio Sexualidade no Kennedy.
Marilza – No Colégio Kennedy o Projeto existe desde 2002 e é muito bem recebido pelos pais, estudantes e professores e apoiado pelo Diretor Geral, Pe. Humberto Capobianco, cujo pensamento vanguardista e contemporâneo facilita e colabora com o desenvolvimento do trabalho.
Os objetivos são os de propiciar aos estudantes vez e voz sobre um assunto que diz muito a seu respeito e conseqüentemente melhor entendimento sobre a sua vida e a do outro.
As aulas acontecem uma vez por semana, de maneira planejada e sistemática e em projetos periódicos, de acordo com a idade, gênero, temas e necessidade dos grupos.
Com os pequenos, um exemplo interessante é o trabalho relacionado com a gravidez: pede-se aos estudantes uma foto de quando os pais estavam “grávidos”, isto é esperando por eles, aqui já se trabalha a importância do pai no contexto da gravidez, da oportunidade de falar com os pais sobre este momento, saber da própria história, enfim, falar sobre este momento tão bonito e importante. A partir desta respeitosa construção, a professora capacitada vai dar andamento, mostrando através de desenhos, os tipos de partos, a escolha do nome, os primeiros cuidados e principalmente o respeito e o vínculo que a proximidade deste diálogo propicia com os pais.
Com os pais, as reuniões se dão nos momentos de apresentação do projeto e nas necessidades pertinentes, onde através de dinâmicas e ou artigos afins, colocamos os pais em contato com as necessidades do filho e ou da turma. Geralmente esses encontros têm boa frequência e bastante participação.

Revista Direcional Escolas – Quais resultados têm sido observados?
Marilza – A sexualidade é uma das dimensões mais importantes do ser humano e entender o que se passa com os estudantes, faz com que possamos adotar atitudes e posturas para contribuir com seus projetos de vida. Ter a oportunidade de falar sobre o assunto ajuda na resolução de conflitos e ansiedades, pressupõe aprendizado, planejamento, e consequentemente, uma vida sexual futura baseada no autorespeito e no respeito ao outro de forma mais integrada e harmoniosa.

Por Rosali Figueiredo
SAIBA MAIS
www.equilibriosexualidade.com
direcao@kennedy.com.br

*Marilza Arcanjo dos Santos Rodrigues é professora, pedagoga, especialista em sexualidade humana e estudante de Psicologia. Atua como diretora pedagógica do Colégio John Kennedy, de Pirassununga, interior de São Paulo, onde implanta o Projeto Equilíbrio Sexualidade (de sua autoria).

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