A crise hidráulica, que atravessamos em nossa atualidade, apresenta de forma excessiva uma preocupação ambiental que há décadas não existiu. Ações educacionais começam a ganhar força para a conscientização e divulgação de práticas com o intuito de promover o pensamento sustentável.
Por Rafael PinheiroEla ganhou os noticiários televisivos em horário nobre, estampou capas e cadernos especiais de jornais e revistas, ganhou força nas vozes sociais, esbanjou discurso de reforma em atos políticos, esteve presente de forma questionadora no período eleitoral e a cada dia que passa, quando abrimos a torneira, a preocupação aumenta, assim como as ações de racionamento e, em tantos lugares, a ausência de uma necessidade primordial: a água.
As chuvas fortes de fevereiro e março trouxeram um falso alívio para a população da região metropolitana de São Paulo, que vive a pior crise hídrica da sua história. Contudo, o problema não está (e não será) resolvido a curto prazo. Pensar, projetar e agir são três mecanismos que, em nosso dia a dia, tornou-se peça-chave para executar movimentos contra a escassez da água.
O alerta máximo continua, já que começamos a trilhar o período de estiagem e não conseguimos visualizar indicativos de que realmente a água não se esgote nos próximos cinco ou seis meses, se importantes reservatórios continuarem nos baixos níveis atuais, como o Cantareira que abastece mais de 6 milhões de pessoas e está em apenas 12% de sua capacidade. Uma situação que deverá levar a população a ter as torneiras secas durante cinco dias na semana, como já avisou a Sabesp.
O iminente colapso do sistema de abastecimento, com seus reservatórios à beira da exaustão, entretanto, tem ensinado uma lição: “não basta apenas chover para que a região mais populosa do Brasil tenha garantido o direito humano de acesso à água. É preciso ir muito além. Bem além das chuvas e da visão tecnicista dos governantes e tomadores de decisão, que baseiam a gestão das águas basicamente em obras”, afirma Mônica Pilz Borba, especialista em Educação Ambiental, fundadora e diretora do Instituto 5 Elementos – Educação para a Sustentabilidade.
Para a especialista, crise é sinônimo de perigo, mas também é uma oportunidade para se entender que a água é um recurso limitado esta situação pode e deve potencializar práticas de sustentabilidade nos grandes centros urbanos afetados. “A água deve ser utilizada com racionalidade e parcimônia, pois afinal, o que somos sem ela? Mas como o serviço de entrega da água é vendido, muitas pessoas entendem que a água é um bem privado, porém isso não é verdade. A água é um bem comum e todos devem ter esta consciência para que não prevaleça a visão do mercado sobre este precioso e limitado bem comum. Para ajudar a resolver esse problema, a crise é uma aliada, pois o assunto está em todo o lugar e as pessoas estão sendo mais informadas. Porém a médio e longo prazo é preciso implantar a Política Nacional, Estadual e Municipal de Educação Ambiental, que tem como princípio básico trazer uma visão sistêmica para o processo educativo e isso implica em conhecer profundamente o funcionamento da VIDA no planeta e promover o desenvolvimento humano a partir desse conhecimento.”
A crise é oriunda da ausência de: um plano de redução de consumo, de projetos integrados de saneamento e drenagem; da falta de uma política consistente em relação ao reuso da água em larga escala, da recuperação das matas ciliares aliada a uma política de pagamento por serviços ambientais; da inexistência de uma política de comunicação transparente e permanente em relação a gestão da água, além da não implantação da Política Estadual de Educação Ambiental. “A escassez é resultado da ausência de: uma visão sistêmica na gestão da água de um plano de reflorestamento das áreas de mananciais e pagamentos por serviços ambientais das áreas produtoras de água, pois florestaéágua“, ressalta Mônica Pilz Borba.
No ambiente educacional, base de construções e desenvolvimentos, ações começam a ganhar força para a conscientização e divulgação de práticas com o intuito de promover o pensamento sustentável. A preocupação em ressaltar a importância da economia tanto hidráulica como elétrica em debates/aulas com o objetivo de sanar dúvidas e promover a conscientização ambiental deve ser uma prática recorrente que garante efeitos satisfatórios no desenvolvimento do aluno e, consequentemente, em sua participação social.
PROJETOS, AÇÕES E CAMPANHAS EDUCACIONAIS
- O Colégio Visconde de Porto Seguro, localizado na região sul de São Paulo, preocupado com a crise hídrica e com o objetivo de formar cidadãos conscientes, promoveu a “Semana da Água”: uma intensa programação de atividades com o envolvimento dos alunos e de seus familiares. Entre as ações estão a divulgação de dicas e boas práticas do uso consciente da água nas redes sociais, pesquisa e coleta de dados feita pelos alunos, elaboração de cartazes, discussões e palestras com professores, análise de músicas, criação de desenhos, elaboração de poemas e criação de slogan para campanha.
Além das atividades com os alunos, desde o ano passado, o colégio vem adotando medidas para garantir o abastecimento de água. Entre as ações está a utilização inteligente dos recursos hídricos a partir de medidas como a reforma de mais de 50 banheiros do colégio, que incluiu a instalação de dosadores nas torneiras e descargas de baixo consumo e alto desempenho.
Outra medida adotada é a captação e tratamento de água, com a manutenção em poços existentes nas três unidades para que a água possa ser captada e filtrada com segurança e eficácia, garantindo, em média, 70% da sua necessidade. A meta é atingir 100% de autonomia no abastecimento das três unidades até junho deste ano. Também está inclusa a manutenção em estações de tratamento de esgoto, com o objetivo de realizar o tratamento de todo o esgoto gerado e subsidiar parte do consumo (entre 20% e 30% do total), direcionando a água especificamente para irrigação e lavagens e reúso de água pluvial, com a instalação de reservatórios em locais estratégicos e interligados aos sistemas de captação de água.
- Visando o uso consciente de água e a reeducação de longo prazo, a Sabesp e a Ecolab se uniram para promover uma campanha educativa, em formato de gincana, para 50 mil estudantes, de colégios públicos e privados de 20 cidades do Estado de São Paulo, que premiará com dispositivos economizadores de água as escolas que mais economizarem.
Intitulada ‘Disputa de Colégios’, a campanha tem como função despertar novos e perenes hábitos de consumo nos alunos, mostrando como é fácil diminuir os desperdícios sem que isso afete sua higiene pessoal. Para isso, os estudantes dos colégios participantes passarão por um denso programa de reeducação que conta com peça teatral educativa, palestra informativa, cartilhas com dicas de economia de água e adesivos motivacionais para serem afixados nos pontos de consumo, fazendo com que os estudantes lembrem-se das dicas sempre que forem utilizar a água.
A campanha e seu programa de reeducação percorrerá as 20 cidades nos próximos dois meses. Neste período, o consumo dos colégios será aferido quinzenalmente e comparado com o mesmo período do ano anterior. As três escolas que mais economizarem água serão totalmente reequipadas com dispositivos economizadores como: arejadores e restritores de vazão constante, torneiras de fechamento automático, chuveiros economizadores, válvulas de descarga de ciclo fixo e antivandalismo, entre outr
os produtos. Acompanhe a campanha no site: www.disputadecolegios.com.br
- A Universidade Metodista de São Paulo lançou, no final do mês de março passado, o Movimento Fonte de Mudanças, com o intuito de esclarecer a população sobre os motivos da crise hídrica, como a água está distribuída no Estado de São Paulo, no Brasil e no planeta, como a população e o consumo crescem na medida inversa à quantidade distribuída e outras informações que possam esclarecer as pessoas sobre a necessidade e urgência dessa mudança de atitude.
No site do Movimento Fonte de Mudanças (www.metodista.br/fontedemudancas), é possível assistir diversos vídeos, com reportagens e aulas sobre o tema, ler notícias produzidas pela área de comunicação e também por alunos da Universidade, ver infográficos que dão mais detalhes sobre o Sistema Cantareira e a crise hídrica, entre outros conteúdos e informações.
É possível, também, interagir por meio do site e das redes sociais da Metodista. Quem quiser se engajar e colaborar com o Movimento Fonte de Mudanças poderá enviar vídeos para o site ou redes sociais, dando dicas de economia, contando quais mudanças foram feitas em seu dia a dia e quaisquer outras informações que possam contribuir com o Movimento.
REUTILIZAÇÃO DA ÁGUA
Projetos do Brasil, Chile e México foram honrados com os Prêmios infraestrutura 360º, que reconhecem práticas de liderança em matéria de meio ambiente, impacto social, governança e inovação. O presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Alberto Moreno, entregou os prêmios para três as empresas ganhadoras durante a Reunião Anual do BID, em Busan, Coreia do Sul.
O projeto Aquapolo de reutilização de água, do Brasil, foi premiado por demonstrar práticas de sustentabilidade de maior destaque. O parque eólico EURUS, no México, foi vencedor na categoria de População e Liderança e a usina solar Cerro Dominador, no Chile, venceu na categoria Clima e Meio Ambiente.
Os Prêmios Infraestrutura 360º do BID tem como objetivo identificar, avaliar e premiar os investimentos sustentáveis em infraestrutura realizados pelo setor privado e parcerias público-privadas nos 26 países membros mutuários do BID na América Latina e no Caribe.
Desenvolvidos em colaboração com o Programa Zofnass para Infraestruturas Sustentáveis da Universidade de Harvard, os prêmios buscam promover a integração de práticas de sustentabilidade no planejamento, criação, construção e funcionamento de projetos de infraestrutura. Os projetos elegíveis devem ter um investimento total ou superior a US$30 milhões, estar em construção ou ter entrado em funcionamento nos últimos três anos.
“Devemos investir em infraestruturas sustentáveis para lidar com os desafios das mudanças climáticas e alcançar um crescimento inclusivo na região”, disse Hans Schulz, vice-presidente do Setor Privado e Operações sem Garantia Soberana do BID. “Os Prêmios Infraestrutura 360º reconhecem as práticas pioneiras de sustentabilidade do setor privado para avançar nesta direção”.
DOCUMENTÁRIO
Com o objetivo de mostrar que o problema da crise hídrica não afeta apenas o Brasil, mas também outros países da América do Sul, a Lira Filmes produz um documentário sobre a gestão da água no Chile. O longa, que se chama “O verde está do outro lado”, e tem a direção do documentarista e diretor, Daniel A. Rubio, passa agora por um processo de captação de recursos para finalização e distribuição. A meta é levar o trabalho para o circuito de festivais de cinema e de direitos humanos nacionais e internacionais. O projeto também será reproduzido em canais de TV dentro e fora do Brasil.
Foram 14 meses de produção e gravação na Província de Petorca, no Centro do Chile, a 200 km da capital, Santiago e, em Valparaíso, onde funciona o Congresso Nacional. Segundo Juliana Lira, presidente da Lira Filmes, a intenção é participar de diversos circuitos cinematográficos. ”Foi um trabalho longo, mas satisfatório. Acreditamos ser possível incluir o documentário em diversos circuitos tanto dentro como fora do Brasil”, afirmou..