Índice “formidável mas conservador” foi levantado em pesquisa para software que automatiza revisão de exames escolares
Um levantamento realizado pela companhia de tecnologias linguísticas ABBYY descobriu um cenário inquietante na seara educacional brasileira. Segundo o estudo, se somado, o tempo gasto por todos os professores brasileiros corrigindo provas chega anualmente a pelo menos 21,4 milhões de horas – ou 894 mil dias completos – para verificar um calhamaço de 322 milhões de testes e exames. Em termos “per capita”, cada professor brasileiro investe mais de 23 horas – ou 3,9 dias de seis horas de trabalho – por ano na tarefa de corrigir provas.
“São estimativas muito conservadoras e ainda assim formidáveis”, considera Anastasiya Borozina, executiva da ABBYY responsável pela área do Brasil. “É difícil não supor que os professores estariam mais bem servidos usando esse tempo para algo mais nobre – ensinando em sala de aula, se aperfeiçoando ou simplesmente descansando, que é algo sábio em uma atividade exigente como o ensino.”
Anastasiya porém não chega a se espantar com a descoberta. Números assim não são singularidades brasileiras. Ela e seus colegas na ABBYY, uma empresa sediada em Moscou que se notabilizou na criação de softwares baseados em inteligência artificial que leem imagens de textos e as transformam em textos editáveis, têm topado com histórias similares em vários cantos do mundo desde que começaram a trabalhar em um projeto voltado à área educacional. O que mais os surpreendeu foi perceber que, seja onde for, professor é sinônimo de estresse. “É inquietante notar que estamos levando à exaustão as pessoas às quais entregamos a educação de nossas crianças e adolescentes”, considera ela.
A pesquisa teve como objetivo dar à ABBYY condições de avaliar se seria interessante para o mercado brasileiro uma solução de automação de correção de testes e exames escolares. Os números obtidos falaram por si só. Como resultado, a companhia está trazendo ao Brasil o sistema ABBYY FlexiCapture for Education. O software é simples e roda em PC com Windows. Além do computador, só é necessário um escâner, desses normais comprados em papelarias, para utilizá-lo – e isso se for preciso processar provas impressas. No caso de exames aplicados via computador, o periférico é desnecessário. Para facilitar, a empresa está disponibilizando uma versão gratuita para testes do software. O professor interessado pode solicitar o programa na página http://www.abbyy.com.br/educacao.
Traduzido para o português, o software automatiza tanto a criação de provas quanto sua correção. O impacto mais aparente se dá nesta segunda fase – automatizado, o tempo de corrigir uma página de prova não passa de um segundo. É um impacto e tanto sobre o método tradicional: manualmente, um professor gasta cerca de 4 minutos para corrigir uma prova mista com 15 questões abertas e do tipo múltipla escolha. Se ele aplicar 10 provas com 15 perguntas cada para uma típica turma de 35 estudantes, ao final do ano terá acumulado 5,2 mil questões para corrigir. Na unha, são 23 horas de trabalho. Com o FlexiCapture, menos de uma hora – contando o tempo de escaneamento das provas, nem sempre necessário.
“Acho que poucas pessoas fora do meio didático podem entender o quão estafante é o trabalho educacional – tanto emocional quanto física e mentalmente”, diz Carlos Bello, doutor em Matemática e docente universitário. “Aprendi da pior forma possível, logo em meu primeiro ano de magistério, sacrificando noites de sono para corrigir trabalhos escolares – eu vivia em um perpétuo estado de doenças.”
Universidade de São Paulo
Embora o FlexiCapture for Education tenha sido criado especificamente para professores – isto é, para uso por uma pessoa física que não precisa ter grande familiaridade com o uso de computador – versões mais “encorpadas” dos programas da ABBYY já são bastante conhecidas em instituições de ensino. Na Fipe, fundação de pesquisas econômicas ligada à USP, softwares da empresa são utilizados regularmente e merecem boas notas por parte dos docentes.
“Hoje em dia não há como sobreviver no ambiente de provas escolares sem uma solução de processamento de imagens eficiente”, pondera o economista Fernando Botelho, pesquisador nas áreas de Economia Internacional e Desenvolvimento da Fipe. Ele sabe do que fala: no caso da Fipe, um sistema usando o software FlexiCapture foi recentemente um dos grandes responsáveis pelo sucesso de um plano de avaliação de estudantes em muito larga escala.
O projeto mediu a proficiência em matemática e língua portuguesa de milhares de alunos dos ensinos fundamental e médio, investigando como esses dois fatores se relacionam com as condições socioeconômicas e traços de personalidade. Provas das matérias foram aplicadas aos estudantes ao longo de um ano, período durante o qual seus pais foram também entrevistados. As provas e formulários, em letra cursiva, foram escaneados e o FlexiCapture fez o “reconhecimento” de cada documento – isto é, leu os conteúdos e os transformou em texto apto a ser editado em qualquer processador, banco de dados ou planilha. Esse processo, chamado Reconhecimento Óptico de Caracteres (OCR), é a tecnologia chave embutida no sistema da ABBYY. Ela permite não só que qualquer documento se transforme em texto, mas ainda que as características originais de formatação sejam mantidas – e, no caso de provas escolares múltipla escolha, que os resultados sejam automaticamente conferidos.
Bullying na escola
A automação na captura de informações em larga escala foi o que levou a psicóloga Juliana Guilheri, doutoranda e pesquisadora na Universidade Federal de São Paulo e na Universidade Paris Oeste, na França, a usar o FlexiCapture como base tecnológica para um amplo estudo sobre bullying e influências externas no comportamento agressivo de crianças.
O projeto de Juliana envolveu mais de mil alunos, de quatro estados do Brasil, que responderam a questionários de três páginas. Teria sido virtualmente impossível a ela fazer o trabalho manualmente. Usando o sistema da ABBYY, a pesquisadora levou apenas cinco horas para ter as
três mil páginas manuscritas “reconhecidas” e seus dados capturados, além de ter os documentos digitais separados automaticamente por região – isto é, prontos para a análise estatística. “Entrada manual de dados, nunca mais!”, brinca a psicóloga, explicando que o uso da ferramenta foi fundamental para “a velocidade, eficiência e confiabilidade do projeto”.