A psicanálise vem cada vez mais dedicando-se ao estudo e compreensão das fases mais iniciais da vida do ser humano devido ao reconhecimento de que as mais primevas experiências do bebê, bem como a qualidade de suas primeiras relações, servirão de protótipo para as relações ulteriores. Ou seja, as experiências originais vividas podem dar lugar a uma vida mental saudável ou a situações de sofrimento psíquico, segundo a qualidade de suas primeiras relações. Sabe-se que inúmeras dificuldades relacionais, e mesmo patologias graves, mostram sinais desde muito cedo na vida do bebê através de transtornos psicofuncionais e psicomotores que representam a primeira comunicação desses distúrbios. Se há a oportunidade de um psicanalista, juntamente com uma equipe interdisciplinar atravessada pela psicanalise, intervirem a partir destes primeiros sinais, ou pedidos de ajuda do bebê, cria-se a oportunidade de que estes sinais não se cristalizem ou evoluam para transtornos mais graves.
Esta é uma preocupação antiga de quem trabalha com bebes, porém, apenas em meados da década de 1980, surgiu o primeiro centro universitário de psiquiatria do bebê e de intervenção precoce, que desenvolveu trabalhos a partir dos quais foi possível constatar resultados positivos decorrentes das intervenções mãe-bebe e da possibilidade de elaboração dos fatores transgeracionais e intergeracionais não elaborados pelos pais e seus próprios objetos internos que, somados aos elementos constitucionais do bebe, mostram-se responsáveis pelas patologias relacionais no início da vida.
O bebê, por possuir um aparelho psíquico ainda muito primitivo, não possui um psiquismo completamente desvinculado do psiquismo dos pais até aproximadamente dois anos de idade. A própria condição de comunicação inconsciente que se estabelece entre mãe e filho, coloca o bebê como uma espécie de extensão do psiquismo materno, muitas vezes cumprindo papéis que ficam preestabelecidos pelo inconsciente parental, que por sua vez está a serviço de ocupar o lugar de uma engrenagem que pertence ao universo dos pais. O bebê fica, portanto, submetido de maneira intensa ao psiquismo parental o qual interfere diretamente em seu desenvolvimento. Por outro lado, não restam as capacidades individuais do próprio bebê poderão tanto amenizar quanto intensificar uma dinâmica atravessada pelas patologias parentais. De qualquer forma, qual seja a sua capacidade para enfrentar esses transtornos no vínculo com os pais, o bebê fica exposto a uma sobrecarga afetiva para a qual não dispõe de aparato psíquico que possa sustentá-la, o que dificulta a fluidez de seu desenvolvimento.
Sem duvidas, a herança familiar é fundamental para que o bebe se inscreva na história familiar e cultural e construa a fundação de sua existência, mas, por vezes essas engrenagens e papéis se tornam patológicos e impedem que o bebê se desenvolva de forma livre rumo a sua individualidade, prejudicando o desenvolvimento emocional saudável e o aparecimento do bebê real no lugar do bebê ideal ou imaginário. O bebe expressa conflitos intrapsíquicos que podem levar ao surgimento de entraves no desenvolvimento normal tanto através de problemas em suas funções vitais, distúrbios em sua rotina (sono, alimentação, etc) e em seu comportamento global como através de atrasos em seu desenvolvimento psicomotor, que podem inclusive interferir em seu desenvolvimento somático. Estas são reações do bebe, sinais de alerta que podem ser vistos e compreendidos pela equipe interdisciplinar, o que permite que sejam orientados os cuidados adequados. Os trabalhos direcionados a essa etapa de vida têm se mostrado eficazes para a nomeação desses conteúdos latentes na dinâmica, oferecendo a possibilidade de reestruturação de papéis e de uma dinâmica mais saudável e livre para todos, promovendo espaço para o surgimento do bebê enquanto sujeito.
Atualmente contamos com instrumentos e equipe interdisciplinar capacitada para realizar a identificação precoce de sinais de risco de desenvolvimento e a intervenção precoce. A importância de uma equipe interdisciplinar atravessada pelos conceitos psicanalíticos consiste no fato dos profissionais manterem uma visão do bebe como sujeito, um sujeito desejante, um sujeito que fala de si, uma visão que transcende o limite do corporal e permite o entendimento do bebê de forma global e não fragmentada, separando corpo e psiquismo. Desta forma, o papel da intervenção precoce com bebes não se trata apenas de uma estimulação motora ou fonoaudiologica, por exemplo. Trata-se de uma intervenção primordial na relação mãe-bebe auxiliando a família e o bebê a elaborarem e cuidarem do conteudo latente às perturbações que impedem o desenvolvimento saudável espontâneo.
Sabemos que, quanto mais cedo é realizada a intervenção necessária ao bom desenvolvimento do bebê, melhores são os resultados. Isto se deve ao fato de termos a oportunidade de lidar com os sinais patológicos antes que os mesmos se cristalizem, e durante fase de intensa plasticidade cerebral.
Apesar da importância sabida do reconhecimento precoce de riscos de desenvolvimento seguido de intervenção imediata, infelizmente as crianças chegam aos consultórios mais velhas, após os dois ou três anos de idade, quando as patologias já estão mais estruturadas e já causaram importantes prejuízos emocionais, sociais, relacionais ou cognitivos às mesmas. É importante que haja uma conscientização da sociedade contemporânea, que vem se mostrado facilitadora para o surgimento de patologias severas com as patologias do vínculo, no sentido da necessidade de olhar para os bebês e ouvi-los de forma singularizada, em busca da compreensão do que eles nos comunicam e da prevenção de sofrimento, não de remediação do mesmo.
Importante salientar a importância do acompanhamento do desenvolvimento de bebes que desde o nascimento já encontram-se em situações de risco de surgimento de problemas de desenvolvimento, não apenas pelos pediatras, mas também por uma equipe interdisciplinar capacitada para ver e ouvir o que este bebê comunica, que vai além de seu desenvolvimento físico-biológico. Dentre os bebes que se encontram em situação de risco, seja por fatores biológicos ou ambientais, podemos destacar aqueles que:
– sofreram um afastamento precoce da mãe (internação, morte, adoção, ingresso precoce em Centro de Educação de Infantil, por exemplo);
– foram gerados após muitos anos de espera e tentativas, ou através de métodos como inseminação artificial;
– foram concebidos após episodio de aborto;
– apresentam histórico de psicopatologia familiar;
– nasceram prematuros ou com baixo peso;
– apresentam atraso no desenvolvimento intra-uterino;
– sofreram intercorrências durante o parto ou pós-parto (asfixia, infecções, traumas, etc);
– apresentam qualquer tipo de atraso em seu desenvolvimento;
– demonstram dificuldades na amamentação ou na aceitação de alimentaos;
– tem intensa dificuldade em estabelecer rotina de sono;
– desenvolvem ou nascem com condições biológicas causadoras de dor física;
– apresentam choro excessivo sem explicação aparente;
– vivenciaram episódios de depressão pós-parto materna;
– nascem com quaisquer deficiências físicas ou mentais.
O acompanhamento sistemático e interdisciplinar destes bebês considerados de risco na idade que vai de zero a 36 meses de idade acompanhamento permite a identificação precoce de sinais de risco para o desenvolvimento do bebê e o encaminhamento, quando necessário, para a Intervenção Precoce, sendo promovido desta forma um trabalho no sentido da prevenção, afastando ou minimizando os fatores de risco e seus possíveis desdobramentos.
SERVIÇO:
Ana Paula Magosso Cavaggioni psicóloga da Clia Psicologia e Educação
Psicóloga Clínica – Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).
Especialização RAMAIN – Cari Psicologia e Educação
Especialização DIA-LOG – Cari Psicologia e Educação
Pesquisadora convidada do IPUSP – Departamento de Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade.
Diretora da Clia Psicologia e Educação