“PELO REFLORESCIMENTO DE UMA PROPOSTA EDUCATIVA”
Diretora há dois anos de uma instituição quase centenária, a Irmã Adriana dos Santos definiu, no título acima, sua principal missão à frente de uma escola confessional que, assim como outras de sua linha, perdeu grande número de alunos na última década. A ideia é atrair pais, comunidade e alunos para um trabalho de formação humanista, sem perder de perspectiva as necessidades da sociedade contemporânea.
Na virada entre os anos 2009 e 2010, a direção do Instituto Nossa Senhora Auxiliadora (INSA) pretendia conquistar 60 novos alunos, parte dos quais para recompor sua clientela, já que naturalmente ocorre uma perda anual dos estudantes concluintes do Ensino Médio. “Porém não conseguimos este número”, comenta a Irmã Adriana dos Santos, pedagoga vinculada à Inspetoria Maria Auxiliadora, dos Salesianos, e diretora da escola. Para 2011, a ideia é acrescentar 40 ao quadro atual, de 430 alunos distribuídos entre a Educação Infantil e o Ensino Médio. Localizado desde 1918 no bairro do Belenzinho, zona Leste de São Paulo, privilegiado por amplas instalações físicas e a proximidade com uma estação do Metrô, o INSA quer ver novamente seus pátios e salas de aula cheios, pois chegaram a receber 1.400 alunos no final dos anos 90.
Não será tarefa fácil, reconhece Irmã Adriana. Com perfil filantrópico e 20% da renda destinada a bolsistas (são 57 no total, com descontos que vão de 25% a 100% na mensalidade), o INSA apresenta um orçamento enxuto, que não lhe dá margem para grandes saltos. Além disso, sentiu a crise de identidade pela qual passaram boa parte das escolas confessionais desde os anos 90, motivada, segundo a diretora, pela mudança de valores nas famílias e o próprio secularismo. “Muitas escolas não souberam se adaptar aos novos tempos”, observa. O INSA sofreu ainda pela alteração no tipo de ocupação da região, que perdeu muitas famílias e demorou a atrair novos moradores, fenômeno que se reverteu somente nos últimos cinco anos, com o boom imobiliário do bairro.
Esta é a grande oportunidade que a instituição sente para “reflorescer”, lançando estratégias que venham a atender às necessidades dos pais, como a introdução do ensino integral, ocorrida no ano passado, e a do maternal, programada para 2011. Paralelamente, tem procurado “manter o preço o mais acessível possível”, oferecendo descontos de 15% nas mensalidades pagas até o 5º dia útil de cada mês. Os valores praticados pela instituição estarão, em 2011, entre R$ 528,23, na Educação Infantil, a R$ 838,28 no integral (considerando a anuidade dividida em doze parcelas).
MUDANÇAS NO PERFIL DE GESTÃO
Mas não são estratégias isoladas nem únicas, pois o INSA resolveu mesmo promover alterações no seu perfil de gestão, incluindo a área pedagógica, com vistas a adquirir uma “roupagem nova”. A primeira mudança significativa aconteceu em 2008 com a adoção do material didático da Rede Salesiana de Escolas, baseada nos princípios da pedagogia de Dom Bosco, sacerdote e educador italiano do século XIX. Sem perder de foco as necessidades de informação e preparo do estudante para o ingresso no Ensino Superior, a proposta está assentada em valores como a “religião” (vista hoje sob o prisma do ecumenismo, “como o lado transcendental do ser humano”) e a “bondade” (entendida como “a acolhida do outro, das diferenças”). Apoia-se também na “razão” (“no saber fazer as coisas”), explica Irmã Adriana.
“Dentro desta pedagogia, buscamos preparar o aluno para desenvolver um papel protagonista, um aluno que estude e pesquise que absorva o conteúdo de forma sutil e gradual”, acrescenta. Mais do que conteúdo, porém, a filosofia de Dom Bosco defende que o processo de ensino- -aprendizagem ocorra por meio de atividades artísticas, recreativas e interdisciplinares, o que a escola vem procurando reforçar através da adoção de projetos variados. Um deles é o Núcleo de Educação Ambiental, coordenado pela professora de Ciências do Fundamental II, Irene de Lacerda Ramos. Seus trabalhos foram apresentados durante o I Encontro Internacional de Sustentabilidade, realizado em 2009 em São Paulo, e fizeram parte da pesquisa de mestrado de Irene.
Outra proposta diferenciada foi levar os alunos para realizarem estudos do meio em Brasília e nas cidades argentinas de Buenos Aires e Mendoza. “Esses estudos fazem parte de nossa proposta há muito tempo, mas o perfil mais ousado e interdisciplinar é recente”, afirma Irmã Adriana, destacando que, na Capital brasileira, estudantes do 7º e 8º ano observaram aspectos geográficos, arquitetônicos e históricos do ambiente urbano e rural, entre outros, enquanto que na Argentina, além desta abordagem, as turmas do 2º e 3º ano do Ensino Médio tomaram contato com a literatura e a língua espanhola. Segundo a professora Irene, mesmo em sala de aula, entretanto, busca-se aplicar as experiências artísticas e culturais no ensino dos diferentes conteúdos, como os da área de Exatas, por exemplo.
Para tanto, o INSA mudou a forma de se relacionar com a sua equipe, os pais e a comunidade. Abriu-se mais ao mundo exterior, divulgando os trabalhos realizados internamente, desenvolvendo projetos que envolvam mais os pais e a região, e buscando reconhecimento, segundo relatam a Irmã Adriana e a professora Irene. “Queremos tornar o trabalho conhecido, prestigiado e valorizado”, observa a diretora, esperançosa de que “os pais sejam divulgadores para outros pais e assim tragam novos alunos”.
Conforme avalia a professora Irene, que leciona na escola desde 1999, “não ficava claro para os pais que trabalhávamos a formação mais a informação”. “O trabalho foi reforçado com o material da rede Salesiana, em 2008. Mas já oferecíamos um aluno muito bem preparado no Fundamental II, que acabava migrando para outras escolas no Ensino Médio, porque o pai não via aqui o perfil de preparação de seu filho para o vestibular.” Segundo Irene, a proposta pedagógica da escola sempre atuou no sentido de “transformar habilidades em competências”, um dos principais parâmetros avaliados pelo novo formato do ENEM. Não à toa, o desempenho do INSA no exame de 2009 superou a média 6,0, padrão observado em grande parte da rede privada de ensino.
Claro que a escola possui metas de melhoria na aprendizagem; atualmente conta com o apoio de uma consultoria externa que realiza a avaliação dos alunos, bem como dos seus processos de ensino. “Mas um trabalho somente ‘conteudista’ não combina com o perfil do INSA”, ressalva Irmã Adriana, que quer chamar a atenção dos pais para a necessidade de se atuar com um projeto mais amplo, de formação e de parceria com as famílias. Nem os próprios alunos atendem hoje a essa expectativa de desempenho, acrescenta a diretora, revelando que uma recente avaliação feita pela empresa de consultoria externa identificou um “baixo perfil de empenho” entre os estudantes do 6º ano ao Ensino Médio. “Na escala de zero a dez, eles obtiveram nota 3.”
É preciso, defende a Irmã, que os pais se envolvam mais com as atividades da escola e acompanhem o filho em casa. “O jovem de hoje deseja, mas não faz por onde. O pai cobra da escola, mas não percebe que dentro de casa o filho não está se empenhando para isso.” Para a professora Irene, os pais, cada vez mais atribulados, estão “deixando os alunos sem clareza de responsabilidades e valores”, enquanto as instituições de ensino procuram aprender a “se adequar a tudo isso”. Ou, segundo análise da diretora, “a escola começa a desempenhar outra função, a se tornar referência mesmo de família”. “Mas ela precisa assumir o papel que lhe compete, pois não consegue substituir o pai nem a mãe. À escola cabe proporcionar a vivência dos valores”, aponta.
O TRABALHO COM A EQUIPE
Um evento bastante ilustrativo desta concepção aconteceu no dia dos professores, em 15 de outubro passado. Alunos do Ensino Fundamental II e Médio reuniram-se na quadra coberta e realizaram apresentações de teatro, música e dança em homenagem aos docentes, sob a orientação da coordenação pedagógica. As festividades foram encerradas em clima de confraternização entre os educadores, gestores e estudantes. O diálogo está na base da nova “roupagem” da escola, um “método de trabalho circular, em que ouvimos o pedagógico e o administrativo, para que as buscas sejam conjuntas”, afirma Irmã Adriana. “Vínhamos de um modelo de gestão mais conservador, então, acolher o novo e se abrir para a mudança é mais custoso, pois há dificuldade para se encontrar um equilíbrio entre o tradicional e a necessidade de abertura”, analisa.
Segundo a diretora, a mobilização da equipe deve ser constante. “Nas viagens do estudo do meio, por exemplo, todos os professores precisam se envolver. Os que vão organizam o estudo, adaptam o conteúdo das disciplinas e produzem o material. Os que ficam cobrem o lugar dos que viajam. Além disso há um investimento da escola, pois temos pagar para a reposição da aula. Se fôssemos cada um por si, não daria certo. Já com o espírito de equipe, os que ficam colaboram para que a logística dê certo.”
O INSA apresenta um quadro enxuto de colaboradores. São 35 professores, os quais contam com o apoio da coordenação e de sete auxiliares, além do pessoal administrativo, de manutenção e limpeza. Nos últimos anos, a escola reduziu a equipe e renovou parte do quadro de educadores. Com o suporte da Rede Salesiana de Escolas e, eventualmente, da própria Inspetoria Maria Auxiliadora, busca investir na formação dos educadores, “mas prepará- los com o cinto ajustado, apertado, é como fazer milagre”, comenta Irmã Adriana. De qualquer forma, “a curva de alunos começou a ascender novamente de 2008 para cá”, anima-se, por sua vez, a professora Irene, que destaca o entusiasmo da equipe em contribuir para o reflorescimento de uma instituição que quer aproveitar melhor toda sua infraestrutura física, gerar recursos para modernizá-la e adaptá-la aos novos tempos, dotando-a de um anfiteatro, por exemplo, e convencer a comunidade de que a educação se constrói sobre valores humanistas. “Isso tem mobilizado todo mundo a buscar mais propostas”, finaliza Irene.
OS PRINCIPAIS PROJETOS
Na noite do dia 14 de outubro passado, o INSA abriu as portas aos pais, familiares e moradores do bairro para um evento comemorativo do centenário do nascimento dos compositores Noel Rosa e Adoniran Barbosa. Além da apresentação de grupos profissionais, o público assistiu a apresentações musicais e de dança de alunos do Ensino Fundamental II e Médio. Esta é a principal estratégia da escola, desencadear projetos pedagógicos que interajam com a comunidade. “Gostaríamos de nos tornar um ponto de referência de discussões no bairro, mas ainda estamos sem estrutura para isso”, observa a professora Irene.
Ainda assim, o Núcleo de Educação Ambiental, que coordena, lançou várias frentes de trabalho neste ano: “retomamos a campanha de coleta de óleo usado, que estamos transformando em sabão para doar à comunidade; fizemos parceria com o Recarga Verde e arrecadamos pilhas e baterias para reciclar (hoje somos ponto de coleta permanente); comemoramos o Ano Internacional da Biodiversidade em junho em um evento interdisciplinar com as áreas de Ciências, Artes, Espanhol e Geografia; e ainda fizemos campanha Anti-tabagismo em agosto”, relata Irene, coordenadora do trabalho. O Núcleo também realizará uma campanha de reciclagem no INSA, após a reorganização dos recipientes coletores, e promoverá a confecção de brinquedos e enfeites de Natal para levar a um orfanato, entre outros.
Os demais projetos da escola envolvem a festa junina anual e, intercalando uma a cada ano, as Olimpíadas INSA (realizadas neste ano), a festa de Maria Auxiliadora e a Mostra Cultural, com trabalhos interdisciplinares. De forma permanente, há outros projetos, como o de literatura de cordel (no 4º ano), de contos de fadas (2º ano) e de enciclopédia de verbetes (5º ano). Na Educação Infantil, destaca-se o Projeto Boneco, que trabalha a imagem do aluno, visando ao desenvolvimento da autoestima e do conhecimento do próprio corpo.
Por Rosali Figueiredo
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Irmã Adriana dos Santos
Profa. Irene de Lacerda Ramos