Revista Direcional Escolas – O que você tem observado como experiência de inclusão na educação básica, tanto em escolas públicas quanto privadas?
Jane Haddad – Entendo Inclusão social como um processo a ser construído diariamente, incluir não é uma ação natural em uma sociedade que prima por modelos ideais de beleza, inteligência e desempenho. Aceitar o “diferente” é uma construção lenta, já que a mesma envolve expectativas e desejos frustrados.
Ao acompanhar o processo de inclusão em diversas escolas, pude perceber uma característica interessante, nas séries iniciais: as crianças menores apresentam maior aceitabilidade em receber o coleguinha “diferente” e inclusive esforçam-se naturalmente para integrá-lo ao grupo. Em contrapartida, os adultos (professores e pais) apresentam mais resistência em lidar com crianças e jovens que fogem aos padrões estabelecidos do aluno-filho “normal”. Verifico na prática docente certa dificuldade de acolher até o colega-professor que apresenta ideias contrárias
A educação inclusiva permite um repensar e uma possibilidade de lançar o olhar para diversas direções.
Revista Direcional Escolas – A lei é realista ao determinar que todos os estudantes tenham acesso à mesma experiência de aprendizagem em um grupo pautado pela diversidade? Há situações em que o convívio dessa heterogeneidade seja impossível em um ambiente de aprendizagem?
Jane Haddad – De acordo com Fávero (FÁVERO; PANTOJA & MANTOAN, 2004 – p. 11), a “educação inclusiva garante o cumprimento do direito constitucional indisponível de qualquer criança de acesso ao ensino fundamental, já que pressupõe uma organização pedagógica das escolas e práticas de ensino que atendam às diferenças entre os alunos, sem discriminações indevidas, beneficiando a todos com o convívio e crescimento na diversidade”.
Pergunto-me como cumprir tal lei, contemplando uma educação que atenda às diferenças de cada um, se trabalhamos com um currículo ainda classificatório e excludente? Uma educação pautada na diversidade deverá indagar o sentido do currículo escolar. Começaria pensando um currículo que contemple os sentidos, o lúdico, a sensibilidade, o estético, alicerçado na forma de olhar e reconhecer a importância da diversidade e que favoreça um debate entre todos os envolvidos na comunidade educativa.
Não acredito em uma educação inclusiva imposta como uma obrigatoriedade, colocar todos os alunos para dentro das escolas não garante uma inclusão, o que muitas vezes acompanhamos é uma segregação dentro de uma pseudo-inclusão. Vivemos uma escola que ainda estimula a competição pela competição, o que já é excludente. Defendo a inclusão que começa em cada um de nós, primeiro nos aceitando em nossas limitações, para que possamos aceitar o outro. Uma proposta inclusiva deve contemplar uma concepção de sujeito, de educação e de mundo. Que pessoa queremos ajudar a formar? Para atuar de que forma no mundo? Pautado em quais princípios e valores?
Na década de 80 acompanhamos o surgimento da proposta de integração educativa. O ensino dos alunos portadores de necessidades educativas especiais poderia ser realizado no contexto da escola regular. Cardoso (2003, p.19-20) aponta que “[…] a ênfase consiste em oferecer ao aluno uma mediação. A finalidade primordial é analisar o potencial de aprendizagem, como sujeito integrado em um sistema de ensino regular, avaliando ao mesmo tempo quais os recursos que necessita para que sua evolução seja satisfatória”.
Revista Direcional Escolas – Em sua opinião, qual é o conceito de “inclusão” previsto pela legislação e qual deveria ser o acolhido?
Jane Haddad – Do meu ponto de vista, estamos engatinhando rumo a uma projeto educativo inclusivo. Nossas escolas estão sustentadas em tradições homogêneas, nossos professores ainda fundamentam suas teorias e práticas em modelos fechados, em que só entram alunos bons e produtivos. Trabalhar a diversidade e a diferença é um longo caminho a ser percorrido.
A legislação determina que todos os alunos devem estar incluídos, matriculados e assíduos nas escolas. Devem ser estimulados em seu processo cognitivo, incluídos em suas limitações e principalmente desenvolver- se e vir a ser um cidadão! Vir a ser? Então ele ainda não é? A legislação é um tanto ingênua e oferece uma longa distância entre o ideal e o real de uma prática pedagógica inclusiva, já que nossa estrutura curricular, métodos e técnicas de ensino, bem como a questão da avaliação, são extremamente excludentes. Como avaliar uma criança ou jovem com limitações cognitivas? Levando em conta nosso processo de avaliação?
Revista Direcional Escolas – Em sua experiência, quais os comportamentos e posturas você identificou entre os pais em relação a isso? Eles próprios têm dificuldades e/ou expectativas que dificultariam a “inclusão” de seus filhos?
Jane Haddad – Quando comentei em minha conferência no Saber (em setembro de 2011, em São Paulo) sobre rever o processo de inclusão nas escolas, defendi repensar o currículo como ponto de partida, levando em conta que crianças e jovens “diferentes” apreendem de formas diferentes, usam habilidades que nem sempre nós educadores conhecemos. Só haverá inclusão e aprendizagem se houver desejo e mobilização por parte do professor e aluno. O professor necessita acreditar e desejar incluir seus alunos “diferentes”, para isso ele precisa ser preparado e instrumentalizado. Mas nem sempre isso acontece, até mesmo por conta do despreparo do professor, ou do currículo e projeto pedagógico ineficientes para tal proposta. Aprender é o ponto fundante na vida de qualquer ser humano, incluir é revisitar esse ponto, lembrando que aprender requer sempre uma relação humana; professor aluno, pais filhos, mediados por um sentimento de desejo e cuidado Não há limitação quando há desejo e determinação por parte dos educadores e pais. Incluir ultrapassa diagnósticos conclusivos, laudos determinantes ou intervenções apenas psicofarmacológicas.
Revista Direcional Escolas – Um recado final?
Jane Haddad – Deixo algumas pistas para uma mudança efetiva:
O cuidado, o acolhimento das diferenças, o amor e competência técnica permitem abrir novos canais de aprendizagem que contemplem uma ação inclusiva, uma aprendizagem real, que ultrapassem as limitações.
O currículo educacional ainda é fechado em si mesmo, um instrumento que não anuncia a que veio, apenas direciona e contempla o bom aluno, classifica e solicita um aluno que reproduz e devolve resultados quantitativos. Quem sabe assim, um dia ele será alguém e conseguirá uma boa posição no mercado de trabalho. No fundo, não é isso que esperamos? Penso que estamos muito preocupados em definir diversidade/homogeneidade, certo/ errado, bom/ mal, baseado em pensamentos “vazios de sentido”, sentido esse que vejo nitidamente como ausente. Muitos de nós educadores não reconhecemos um verdadeiro sentido em ensinar tais conteúdos, e mesmo assim continuamos fazendo. Pensar e falar sobre inclusão é resgatar o sentido da educação, levar em conta a maravilha que é a diversidade e suas possibilidades. Porque precisamos de leis para que os alunos “diferentes” possam ter seus direitos garantidos?
O que nossa experiência pode nos ensinar…
Em primeiro lugar, aprender com ela e procurar não cometer os mesmos erros. Passei minha vida de estudante ouvindo que eu era diferente, agitada, muito inteligente, mas não aprendia porque não tinha atenção. Meu nome na época era DCM (disfunção cerebral mínima), hoje conhecido como TDAH (Transtorno do Déficit e atenção/ hiperatividade ). Passados anos na escola, primeiro como aluna e depois como professora e coordenadora, reconheço ainda hoje o mesmo discurso com novas roupagens: alunos diferentes, fora do ritmo da turma, com um relógio biológico funcionando contrário ao relógio da escola e do tempo da urgência em que estamos mergulhados.
O próximo ponto
Instigar novas perguntas, estimular pesquisas empíricas sobre o tema, escutar os professores em suas dificuldades reais . Tecer inclusão requer criatividade, curiosidade e diferentes formas de lidar com o saber , teremos que rever o binômio adaptação- reprodução. “Cada um de nós é um mesmo diferente”: isso significa que é nas diferenças que nos tornamos semelhantes.
Tecendo Inconclusões
Tecer inconclusões nos permite estar em aberto, construir e reconstruir nossa relação com o saber, rever concepções e ações, incluir o conceito inclusão para além de discursos “vazios”. Tecer ponto a ponto. A sociedade é o grande tear, a escola um ponto, a família seu contraponto… Nossos alunos são pontos a serem tecidos, um ir e vir, vão e vêm, mostrando pontos a serem dados e nós a desatar, tecer uma educação de boa qualidade para todos, que ofereça oportunidades será o grande nó a ser desatado na legislação de uma educação inclusiva que ultrapasse as barreiras da exclusão!
Referências
CARDOSO, M. Aspectos históricos da educação especial: da exclusão à inclusão: uma longa caminhada. In: MOSQUERA, J. M.; STOBAÜS, C. (Org.). Educação especial: em direção à educação inclusiva. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.
MANTOAN, M. T. E. Educação para todos: desafios, ações, perspectivas da Inclusão nas escolas brasileiras. Universidade Estadual de Campinas – ISSN: 1517-3992. 2002. Revista On-line da Biblioteca Prof. Joel Martins.
Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 23 dez. 1996
Jane Patrícia Haddad Pedagoga, com especialização em Psicopedagogia, Docência do Ensino Superior e Psicanálise. Atuou por mais de 20 anos em escolas como professora, coordenadora pedagógica e diretora, é consultora institucional e conferencista.
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janepati@terra.com.br