Por : *Irene Maluf, psicopedagoga
Diferentes e importantes estudos tem demonstrado que é a plasticidade cerebral que nos permite aprender, enquanto a memória nos permite guardar e usar o aprendido. Trata-se portanto dois aspectos de um mesmo fenômeno, e por isso é estranho falarmos da memória como uma faculdade mental à parte, isolada e alheia ao “verdadeiro processo de aprendizagem”, como se fossem distintos, antagônicos ou incompatíveis.
Frequentemente, ainda ouvimos falar que as crianças não devem memorizar, mas sim aprender. Ainda que se esteja referenciando certos exageros de uma educação puramente conteudista do passado, cuja avaliação por exemplo, prendia-se ao que o aluno conseguia repetir, sem mudar uma vírgula que fosse, daquilo que estava no texto do livro, no seu caderno e nas palavras de seu professor, e onde reflexão e compreensão passavam longe, de toda forma havia ai uma maneira de aprendizagem implícita.
Qualquer pessoa que hoje tenha mais de 35 anos se lembrará o que, com raras exceções, significava estudar para uma prova: decorar páginas e páginas de livros, cadernos, mapas, recheados de informações, datas, acontecimentos que pareciam totalmente desconectados entre si e ainda mais, da própria realidade.
O resultado da prova, praticamente media a memória do aluno, já que o que se escrevia era resultado do que se “sabia de memória”, já que poucas questões exigiam mais do que tal habilidade. Entretanto, pela continuidade do processo, as exigências pedagógicas e o amiúde das avaliações, sem dúvida o conhecimento ia se relacionando e sedimentando ao longo dos anos e a aprendizagem terminava por fazer sentido e sem dúvida, era duradoura.
Além disso, dessas gerações há registros escritos que sinalizam alunos que escreviam bem, tinham um repertório de conhecimentos vasto e eram capazes de articular idéias em textos de autoria e de excelente qualidade. E isso, praticamente desde o começo da escolarização. Portanto, também há pontos positivos nessa educação que visava aquisição de conteúdos, em uma época em que as pesquisas eram realizadas em bibliotecas e a informação recente dependia das editoras, dos jornais, da TV, do correio…
Por vários motivos, mas sem dúvida alguma, foi em boa parte o desenvolvimento das ciências e da tecnologia, as facilidades na transmissão ultra rápida das informações, que no final do último século levou definitivamente para uma outra dimensão o entendimento sobre processo de memorizar informações, que passou a ser (aparentemente) secundário à capacidade de elaboração cognitiva dos conhecimentos, quando não passou a ser considerado divorciado deste.
Tal movimento contribuiu também, para a idéia de que as informações estando disponíveis, os alunos a poderiam utilizar para construir conhecimentos de acordo com seus interesses, sem se preocuparem em memorizar o que quer que seja, já que não haveria mais tal necessidade. Assim, o professor também deixou de ser a figura central da escola, passando ao seu aluno tal lugar e em boa parte também, a responsabilidade pelo aprender. O resultado que hoje vivenciamos em nossas escolas, não prescinde de reflexões profundas e atitudes urgentes dos educadores, das famílias e dos governantes responsáveis pela educação…
O princípio dessa nova visão, passa a ser de modo louvável, aprender pela compreensão, análise, síntese, etc e tirar conclusões próprias, baseadas em fatos ou em dados comprováveis. O objetivo continua ser tornar-se ser autor, alguém capaz de expor coerentemente suas idéias, pensamentos, acrescentar conhecimento ao conhecimento. Só que isso depende de um aparelho cognitivo e emocional competente mas também de memorização de conteúdo, de informações armazenadas e relacionadas, compreendidas e facilmente acessíveis à quem pensa, fala e escreve.
Memorizar é um processo natural de aprendizagem, faz parte dela. Pensemos nisso ao ensinar e avaliar nossos alunos.
* Irene Maluf é também especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Neuroaprendizagem; Editora da revista Psicopedagogia da ABPp; Membro do Conselho Vitalicio da ABPp e Coordenadora dos cursos de Especialização em Neuroaprendizagem e Psicopedagogia do Grupo SaberCultura
Site: www.irenemaluf.com.br