O folclore brasileiro, rico em diversidade e marcado pela força da oralidade, carrega em cada região do país elementos únicos que dão forma à identidade cultural do Brasil. São contos e narrativas que atravessam gerações, transmitidos de avós para netos, de mães para filhos, em histórias cheias de mistérios e encantarias. Esse sistema de transmissão oral tem resistido ao tempo, mas enfrenta atualmente os desafios impostos pela vida urbana e pela velocidade da comunicação moderna.
Personagens como Caboclo d’Água, Moura Torta, Mão de Cabelo e Bicho Tatarana, presentes em tradições locais, são exemplos de lendas que, embora fundamentais para o imaginário popular, foram se apagando diante das transformações sociais. A urbanização, as mudanças nos formatos narrativos e a concorrência com a mídia moderna — influenciada por culturas estrangeiras e presente em livros, séries, quadrinhos e programas de TV — têm contribuído para esse processo.
A preservação cultural exige novos mecanismos de difusão. Nesse sentido, iniciativas recentes têm resgatado personagens folclóricos para o grande público. Um exemplo marcante foi a série Cidade Invisível, da Netflix, que trouxe figuras como o Saci e o boto-cor-de-rosa para o centro de uma narrativa contemporânea, colaborando para a valorização do patrimônio imaterial brasileiro. Antes disso, obras clássicas já desempenhavam papel semelhante, como o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), referência essencial que registra centenas de lendas pouco lembradas.
No livro, encontram-se descrições detalhadas de figuras como o Caboclo d’Água, ser associado ao Rio São Francisco, capaz de virar canoas e assustar pescadores; a Moura Torta, assombração de origem portuguesa ressignificada em Minas Gerais como punição e medo; a Mão de Cabelo, uma enorme mão peluda que persegue crianças e andarilhos; e o Bicho Tatarana, lagarta monstruosa ligada ao castigo contra agricultores que desrespeitavam a natureza. Esses exemplos demonstram como o imaginário popular brasileiro é vasto e criativo, mas muitas vezes restrito ao contexto rural e oral, o que dificultou sua presença na cultura de massa.
Resgatar essas histórias é fundamental para manter viva a memória cultural do país. O trabalho de Câmara Cascudo e as iniciativas contemporâneas demonstram que a tradição pode dialogar com a modernidade, garantindo que o folclore continue a inspirar e a refletir a identidade do povo brasileiro.
Referência:
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Editora Itatiaia; MEC, 1972.