Os pais, em geral, idealizam o desenvolvimento do filho, partindo da premissa de que uma criança normal não apresenta problemas de qualquer espécie, tampouco ansiedades, conflitos e dificuldades. Na realidade, o desenvolvimento infantil ocorre de forma espiral e não linear ascendente, num movimento de progressão e de regressão. Cada nova fase adquirida carrega características da anterior, havendo reintegração dessas etapas, o que dá a impressão de regressão, de aparente piora em algumas situações. Existem dificuldades e conflitos inerentes a cada fase do desenvolvimento que geram comportamentos regressivos e desorganizados, mas que são manifestações temporárias e fazem parte do esperado.
É como se houvesse um embate de forças, de um lado, a tendência ao crescimento e, de outro, à regressão, no qual a primeira acaba predominando. Por isso as crianças apresentam flutuações e oscilações de comportamentos de pior, ou melhor, desempenho. Vale ressaltar que o mesmo se observa no adulto, que também não apresenta ritmo constante de desempenho tampouco de produtividade, paciência, tolerância etc.
É importante enfatizar que o desenvolvimento normal não ocorre dentro de padrões rigidamente estabelecidos, numa correspondência biunívoca idade e habilidades adquiridas. É algo flexível, cuja variação encontra-se dentro de limite amplo e elástico, o que culmina em ritmo individual e espontâneo de cada criança.
Outra concepção ideal diz respeito às relações estabelecidas na família. A criança, sendo normal e por apresentar desenvolvimento sem conflitos e dificuldades, jamais manifesta ciúmes, rivalidades, inveja de seus irmãos. A relação familiar, seja com pais e filhos bem como entre irmãos, ocorre em perfeita harmonia, sem conflitos e impasses, uma família que convive pacificamente, sem resistências, problemas ou rebeldias, enfim, uma família feliz e seus membros sempre contentes e satisfeitos (reclame de margarina). Caso ocorram essas dificuldades, os filhos serão capazes de ouvir e de acatar a imposição dos pais e os problemas serão superados, pois os membros da mesma família se amam e, quando se ama alguém, não se pode sentir raiva e irritação.
Embora seja difícil aceitar a existência de sentimentos ambivalentes, infelizmente faz parte da natureza humana, portanto, tais sentimentos são normais e naturais. É importante salientar que é válido tanto para crianças como para adultos amar e detestar ao mesmo tempo.
A dimensão da complexidade da natureza humana é ilustrada por Haim Ginott na seguinte passagem: “onde há amor, há também algum ódio, onde há admiração, há também alguma inveja; onde há dedicação, há também alguma hostilidade; onde há sucesso, há também apreensão” (1975, p. 22). Significa, então, que todos os sentimentos, sejam positivos, negativos ou ambivalentes, são legítimos, o que vai ao encontro da educação vigente de categorização “bons”, “maus” e “confusos”. É natural e esperado que, em alguns momentos da vida, a pessoa sinta-se feliz, triste, raiva, medo, culpa, aborrecimento, prazer etc., pois as emoções fazem parte da natureza humana.
O filho normal é visto, muitas vezes, como cópia dos pais, que não conseguem vê-lo como pessoa diferente e distinta, e se esforçam em moldá-lo e enquadrá-lo em padrões que correspondam às suas expectativas. Encaram o filho como tendo a mesma visão de mundo e modo de agir, desconsiderando totalmente a perspectiva dele, o que engendra conflitos e desentendimentos. Ocorre o estabelecimento de uma relação vertical de dominação e de poder, na qual o desejo e a necessidade do filho são descartados, predominando as perspectivas e referência dos pais. Trata-se de autoritarismo, necessidade de controlar e dominar o filho com medo de “perder as rédeas”, de que ele fique com maior poder, uma maneira de encobrir a própria insegurança. A punição, as ameaças, ordens excessivas, limites rígidos, proibições constantes são estratégias utilizadas para exercer esse controle e transformar a criança segundo sua expectativa.
Como consequência, a criança pode se tornar submissa e excessivamente obediente, o que bloqueia o desenvolvimento da autonomia e da capacidade de tomar decisões. Há possibilidade de apresentar também reação de rebeldia, manifestando hostilidade, ressentimento e resistência. As características semelhantes podem culminar também em disputa de poder entre pais e filhos (dois bicudos não se beijam). Continua no Leia Mais Como superar as dificuldades no relacionamento de pais e filhos
Por Elena Etsuko Shirahige
Elena Etsuko Shirahige é Psicóloga clínica e educacional, Profª Drª pela FEUSP (Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo), membro do Núcleo de Atendimento ao Dependente Química (NADeQ).
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