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Para além das palavras

Interpretação e realidade em Antonio Candido

 Nesta obra, em que analisa como Antonio Candido teorizou o problema da representação da realidade na literatura, Anita Martins Rodrigues de Moraes levanta uma questão fulcral: como abordar as contribuições do intelectual nos estudos literários tendo em conta a presença, em sua obra, de premissas evolucionistas criticadas, ou mesmo superadas, no âmbito das ciências sociais?

A indagação se justifica porque, para ela, o pressuposto do “progresso civilizador” habita o âmago da reflexão de Candido, permeando toda sua obra, o que torna relevante um olhar atento às pesquisas sobre as influências que exerceram sobre ele autores das ciências sociais tão distintos como Audrey I. Richards, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Ruy Coutinho, Frazer, Evans-Pritchard, Malinowski e Lévi-Strauss.

A autora observaque a representaçãoda realidade brasileira, em Candido, parte de uma elaboraçãodo real, acomodando-se muitas vezes aosrecursos expressivos europeus. A representação, assim, levaria a uma transfiguraçãoartística da realidade, a qual remontaria à própria formaçãoda literatura nacional. Para o crítico, uma literatura nacional poderia até mesmo não ter florescido, e sua existência se devemuito à “disciplina árcade”. Calcadana tradição clássica, esta teria moldado a realidadetropical aos padrões europeus e superadoa “incultura e a barbárie gerais”. A literatura nacional, ainda conforme Candido, esteve ameaçada em seu percurso pela “regressão” epela limitação ao folclore, assim como o português,“que se fez caipira” em contato com a naturezados trópicos.

A obra analisa os dois primeiros ensaios de Literatura e sociedade, a Formaçãoda literatura brasileira e “Literatura de dois gumes” (A educação pela noite), além de Os parceiros do rio Bonito, “Estímulos da criação literária” (Literatura e sociedade), “Literatura e subdesenvolvimento” (A educação pela noite), “O direito à literatura” (O direito à literatura e outros ensaios)e O método crítico de Sílvio Romero.

Trecho do prefácio

“A própria maneira como a autora propõe as questões mostra como sua admiração pelo autor analisado não a impede de levantar dúvidas e questões capitais à abordagem que ele realizara. É neste sentido que vemos seu ensaio como extremamente oportuno, no momento em que surge. Nesse momento, o epigonismo uspiano já não tem a unanimidade de décadas próximas passadas, suas formas de explicação privilegiadas antes se assemelham a clichês, sua recusa a priori da reflexão desenvolvida pela filosofia e pelas humanidades em geral, entre as décadas de 1960 e 1980, explicita o apego a um marxismo “parnasiano” que em nada esclarece os impasses globalizados. O ocaso da modelo uspiano ameaça pôr em risco a permanência da leitura de obras relevantes como a de Antonio Candido. Contra a ameaça, as questões levantadas por Anita Moraes, sobretudo sob a forma de discretas perguntas, representa um dos modos de manter ativa a sua circulação. Pois cabe não esquecer: intelectualmente, a relevância de uma obra revela-se até menos pelas divergências taxativas do que por seu cuidadoso questionamento. Assim sucede mesmo porque não é questionada senão a obra que estimula as perguntas que nos fazemos.” (Luiz Costa Lima).

  

Sobre a autora

Anita Martins Rodrigues de Moraes é professora de teoria daliteratura na Universidade Federal Fluminense. Seusinteresses de pesquisa se voltam para a questão darepresentação, com particular atenção para a representaçãodo outro, ou seja, para as questões damimesis e da alteridade. Dedica-se especialmente aoestudo das relações entre teoria literária e antropologia e entre literatura e etnografia. De suas publicações, destaca-se o livro O inconscienteteórico: investigando estratégias interpretativas de Terra Sonâmbula, de Mia Couto (2009).

 

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