Matéria publicada na edição 61 | Setembro 2010 – ver na edição online
Plantando a semente da autonomia e da responsabilidade pela vida.
Sem pressa de crescer, a escola criada há 15 anos prefere atuar com pequenas salas, mesmo que tenha grande procura por vagas. Sua prioridade é a formação do aluno bem como a disseminação dos valores coletivos e do respeito à diversidade, filosofia que teve origem em uma antiga escola de ensino do japonês implantada há 50 anos pela sansei Marico Kawamura. Uma das fundadoras do Oshiman, Marico vivenciou no Japão as privações da 2º Grande Guerra Mundial e retornou ao Brasil determinada a propagar a cultura da paz, o que resolveu fazer por meio da educação.
Por Rosali Figueiredo.
Quem observa o prédio moderno com cerâmicas coloridas em azul e amarelo ouro, no alto de uma colina em pleno coração do bairro da Aclimação, em São Paulo, nem imagina que tamanha estrutura, de três mil metros quadrados, atenda a apenas 270 alunos da Educação Infantil ao Fundamental II, mesmo que a fila de espera por vagas vá até 2017 e seja suficiente para montar quase uma sala extra por série. Os planos de expansão do Colégio Oshiman, instituição com 15 anos de vida e ensino integral multilinguístico, incluem somente a implantação do Ensino Médio por volta de 2014, período necessário para a compra de terrenos próximos e a construção de outra unidade.
A estrutura e clientela atuais estão do tamanho que o Oshiman considera ideal para garantir a permanência de sua identidade, a de uma escola que trabalha a formação de cada aluno conforme as características individuais, preparando-o para viver com autonomia e responsabilidade pelo “que faz em relação a si e ao coletivo”. “Se abrir mais salas, corro o risco de perder esse perfil, ou seja, perco a possibilidade de lidar com cada criança dentro de sua individualidade, de conhecê-la e de ter essa proximidade”, afirma Mayumi Kawamura Madueño Silva, diretora e um das quatro mantenedoras da instituição. “O Oshiman não é um negócio da educação, mas uma proposta de formação que se mantém pequeno em escala e grande em seus propósitos. É claro que precisa ser administrado como empresa”, pondera Mayumi.
A demanda tem sido maior principalmente na Educação Infantil e 1º ano e poderia resultar em novas salas com 15 a 25 alunos. “Economicamente seria uma alegria, mas foge do ideal.” A missão do Oshiman, conforme reitera Mayumi, “é formar um cidadão para o mundo, deixar pronta uma semente dentro da criança em prol da formação ética, da tomada de consciência de sua responsabilidade por esse mundo e de um intelectual pensado não apenas enquanto sinônimo de conhecimento ou desempenho em números, mas como atitude diante de si e da vida”.
Mayumi acredita, inclusive, que este é o perfil de escola que os pais estão buscando cada vez mais diante da correria do dia a dia e da sobrecarga de tarefas. “Eles perderam a referência do educar, estão deixando de lado a verdadeira essência dos valores e de ensinar o beabá, como a higiene pessoal, bons hábitos e comportamentos.” Mas a intenção do Oshiman não é a de assumir o seu lugar e sim a de agregá-los e torná-los parceiros nesse processo de formação e crescimento do aluno. Assim, se a escola ensina a todos os seus estudantes, professores e funcionários a importância de se cumprimentarem, de falar um bom dia ou boa tarde a cada encontro ou despedida, também os pais são orientados a adquirir esse hábito. “Não há um pai que não fale bom dia hoje”, afirma.
Origem e perfil
O Oshiman surgiu como escola de educação infantil e 1ª série em 1993, sobre as bases da antiga escola de língua japonesa Shohaku Gakuen, de princípios da década de 50. Sua precursora e mentora foi Marico Kawamura, uma incansável defensora da paz e que hoje, aos 82 anos, ainda dá expediente na instituição, nas aulas de japonês. Nascida em Botucatu, Interior de São Paulo, filha de pais japoneses, Marico acompanhou a mãe ao Japão quando tinha 12 anos e lá teve que ficar por longos anos, distante do pai, diante da eclosão da 2ª Guerra Mundial. Ao retornar ao Brasil, criou a Shohaku Gakuen, como forma de promover a aproximação entre os dois povos e combater a intolerância.
A filha Mayumi, por sua vez, cresceu na pequena escola da mãe, onde começou a dar aulas desde cedo. Depois, graduada em Educação Física, trabalhou com crianças e se animou a montar uma unidade de educação básica juntamente com Marico, aproveitando a estrutura da escola anterior. A ideia era juntar os vários aprendizados adquiridos até então e desenvolver um projeto de educação integral. “Trabalhar com a expressão corporal ajuda na formação, pois o emocional e o intelecto estão ligados ao corpo físico e com este bem formado você consegue tudo na vida”, acredita Mayumi. Ainda hoje, o Oshiman tem 75% de sua clientela formada por descendentes de japoneses. A escola segue o currículo padrão brasileiro, mas introduz o ensino complementar do japonês na Educação Infantil. O idioma inglês também recebe reforço extra e, no 6º ano, entra o espanhol.
O período de aulas é extenso, entre 7h05 e 16h, mas com possibilidade de estender a permanência dos alunos com atividades extracurriculares até 18h30. Há salas específicas de informática, música e artes. Os estudantes têm seus próprios armários e são responsáveis pela limpeza e organização da sala ao término das aulas regulares. Pois trabalhar a auto-estima em paralelo com os limites e as responsabilidades constitui a base do ensino no Oshiman. “Nossa intenção é formar o indivíduo buscando a felicidade dele, pois assim ele vai semear a felicidade. E o que é a felicidade? É a auto-estima, mas também o limite bem trabalhados”, argumenta a diretora.
Acantonamento e viagens – valor ao convívio coletivo
O acantonamento anual promovido pela escola entre os estudantes do 2º e 9º ano dá bem a medida dessa intencionalidade. Nos meses de setembro, durante três dias, eles se hospedam em uma instituição parceira, em Arujá, Grande São Paulo, onde cozinham, limpam, organizam as atividades do dia, cuidam dos menores, “que fogem o tempo todo da limpeza”, e participam de muitos jogos. A responsabilidade pelos trabalhos fica a cargo dos alunos do 9º ano, que se dividem nas funções de coordenação geral, vice-coordenação, chefia da cozinha, da limpeza, do banho-relatório e dos jogos. Claro que são acompanhados e orientados o tempo todo pelos professores e a direção, mas ninguém toma as decisões por eles.
“Tenho que ensiná-los a trabalhar em grupo, fazemos com que sentem para discutir as divergências. Começa aí a preparação para o convívio coletivo”, defende Mayumi. Os alunos do 9º ano organizam previamente o cardápio para os três dias de acantonamento, relacionando os alimentos que deverão ser comprados, perecíveis e não perecíveis. Também organizam os jogos e atividades, mas os colegas podem questioná-los e dar sugestões. Cada aluno produz um relatório com os acontecimentos do dia e eventualmente o professor pode fazer comentários nesse diário. “Isso tudo é formação, é acreditar que sejam capazes de aprender, organizar e providenciar.”
O ponto alto dessa aprendizagem são as viagens internacionais organizadas pelo Oshiman. A experiência foi herdada da antiga escola de japonês. Além de uma visita anual ao Japão, que cada aluno pode realizar no 9º período, dependendo das possibilidades financeiras da família, há outra para o Canadá (proposta para as turmas de 11 a 13 anos) e o Peru (iniciada neste ano). “O significado das viagens é promover a paz, o que vem da trajetória da Marico. É educar as crianças para aceitarem as diferenças culturais”, ressalta Mayumi.
O Oshiman promove ainda um intercâmbio com escolas japonesas, que enviam seus alunos para cá. Em ambos os países eles são acolhidos por famílias. Entre o final de julho e princípios de agosto, por exemplo, um grupo de oito adolescentes japoneses esteve hospedado nas casas dos colegas brasileiros do Oshiman, acompanhado por dois professores. Em janeiro próximo, será a vez dos brasileiros cruzarem o mundo. Outro benefício do intercâmbio é o contato com o idioma estrangeiro. Segundo Mayumi, muitos familiares dos estudantes do Oshiman perderam o domínio sobre o idioma japonês, agora resgatado entre os filhos, netos e bisnetos.
Das responsabilidades da escola
A diretora Mayumi adota o princípio de que a responsabilidade cobrada dos estudantes e da própria equipe deve ser demonstrada antes pelo corpo dirigente. Nesse sentido, a escola prepara o professor para dar aula no Oshiman, “que passa por um período de adaptação de dois anos para entender o que é isso tudo”. Somente assim pode cobrar deles que ensinar representa a responsabilidade maior da escola, qualquer que seja a situação do aluno. “Acho, por exemplo, a aula particular uma bengala. Se o aluno estiver precisando disso, estará mostrando que a escola não vem cumprindo com o seu papel. A partir do momento em que assumimos o aluno, é nossa a responsabilidade ensiná-lo. Temos professores muito preocupados com a formação e isso resulta em alunos também comprometidos com o estudo.” Tanto que a escola não utiliza advertência ou suspensão, optando pelo diálogo quando há necessidade de atuar sobre casos de indisciplina.
De outro lado, os funcionários da cozinha, administrativos e da manutenção também são comprometidos com o trabalho da escola. “A base da sustentabilidade do negócio está no comprometimento da equipe, e isso é algo que se conquista através do comportamento dos próprios gestores, que são um espelho. Se você convoca a equipe para trabalhar num feriado prolongado, toda a direção estará aqui, junto com eles. Da mesma forma como exigimos que sejam flexíveis, multitarefa, também os gestores o são, a direção, por exemplo, coloca a mão na massa e faz a limpeza da escola quando há necessidade.”
Receitas de uma gestão com receita enxuta
Com o tamanho da clientela restrito a 270 alunos, uma equipe pedagógica de 50 pessoas, 15 funcionários próprios e três terceirizados, o Oshiman depende deste comprometimento para assegurar o equilíbrio nas contas. É uma gestão sustentável, observa Mayumi, mas bastante rigorosa. “A receita está baseada no comprometimento, dedicação e estar atento a tudo, conheço todos os gastos feitos, desde clipes até empenhos maiores”, diz. As mensalidades variam entre R$ 1.500,00 e R$ 1.700,00, mais os custos das três refeições diárias. Boa parte dos professores é contratada e apresenta títulos de pós-graduação, mas alguns atuam como hora-aulistas em atividades semanais bem específicas, como caligrafia em língua japonesa, teatro e dança. A equipe dirigente inclui a diretora, uma vice, um coordenador geral, três professores que acumulam função de coordenadores e um professor que dá expediente na biblioteca no período da tarde.
“Tudo aqui dentro é extremamente controlado, cada o pedido de compra é feito formalmente à secretaria e à direção e precisa ser bem justificado. Fazemos o reaproveitamento de folhas de papel e a sua reciclagem pelas crianças. Eliminamos o uso de copo descartável pelos estudantes – cada um traz o próprio de casa, como prática de combate ao desperdício. Há muito controle de gastos, não tem outro jeito”, afirma Mayumi, ressaltando que se vier a faltar dinheiro para o fechamento das contas no final do mês, “a direção fica sem receber”. “Mas dá para equilibrar, o que acontece é que os projetos futuros demoram mais para serem implantados, porque a sobra de caixa é pequena.”
Mesmo assim, a escola conseguiu adquirir o primeiro dos três imóveis que pretende comprar para erguer a unidade do futuro Ensino Médio. E vem pagando um empréstimo de parte da verba utilizada na construção da sede atual, há cinco anos. Na verdade, o bonito prédio concebido em linhas geométricas resulta de uma grande mobilização que os mantenedores e os pais empreenderam para proporcionar aos estudantes do Oshiman um espaço amplo, arejado, moderno e com os recursos apropriados às necessidades da aprendizagem. A partir da criação de uma associação sem fins lucrativos, eles angariaram verbas para aquisição do terreno e a construção, que vieram da realização de bingos, de doações e empréstimos de pais em longo prazo e sem juros. As doações somaram desde algumas dezenas de reais a grandes quantias provenientes de um casal de japoneses que queria doar parte de seu patrimônio a um projeto que considerasse merecedor das economias reunidas ao longo de toda uma vida; e também de uma entidade do Japão que patrocina projetos voltados à disseminação dos valores éticos no mundo. O Oshiman paga aluguel para a associação, proprietária do imóvel, e se prepara para ampliar um pouco mais o seu trabalho com os alunos, mas sem sobressaltos.
Saiba mais:
Mayumi Kawamura Madueño Silva
oshiman@terra.com.br