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Poluição sonora no ambiente escolar: primeiras reflexões

Fim de período, toca o sinal. Um último alvoroço: cadeiras arrastando, portas batendo, sons de passos, vozerio alegre e apressado, rodinhas de mochilas “voadoras”, bater de portas, buzinas dos carros dos pais, os nomes dos alunos que ecoam em chamados pelos pátios e portão de saída… até que o último aluno parte e o ranger do portão de entrada encerra toda a agitação. Essa paisagem sonora que acabei de descrever é muito frequente nas escolas, cada uma com suas diferenças, mas todas com algo em comum: a poluição sonora.

Que bom seria se pudéssemos reduzir essa paisagem ruidosa somente a esse momento do dia. Sabemos que ela se estende ao longo de um dia escolar, dispõe-se de diversas maneiras, mas sempre com a presença do excesso de sons não agradáveis.

Uma paisagem sonora é o conjunto de sons presentes no nosso ambiente, sejam eles agradáveis ou não. Esse termo foi criado pelo compositor, escritor, educador musical e pesquisador canadense R. Murray Schafer. Segundo ele, “a poluição sonora ocorre quando o homem não ouve cuidadosamente. Ruídos são os sons que aprendemos a ignorar.”

Será que estamos ignorando muitos sons? Apesar de “ignorarmos” os sons desagradáveis, ao contrário do sentido da visão, onde podemos fechar as pálpebras e dar um descanso aos olhos e à mente, os ouvidos não podem ser fechados e a presença desses sons é constante e tem efeitos sobre nosso organismo,física e psicologicamente.

Quando a paisagem sonora de um local tem ruídos em excesso, isso pode se tornar um problema de saúde, alimentando o estresse e, num ambiente escolar, soma-se a isso um prejuízo nos processos de aprendizagem e relações interpessoais. Expostos, dia após dia aos ruídos, alunos, professores e toda a equipe escolar tornam-se irritadiços, intolerantes e doenças derivadas do estresse começam a aflorar, sem que a origem de tudo seja detectada facilmente.

Nós nos acostumamos com essa realidade. Assumimos que a paisagem sonora de uma escola é assim mesmo, esquecendo que somos os artistas, os pintores desse quadro e, portanto, escolher as tintas, o formato dos pincéis e a disposição das cores e formas está em nossas mãos.

Pintar outro quadro é possível. Jogar o anterior no lixo e pintar, do nada, um novinho talvez não seja a melhor ideia. Porque as tintas que pintam essa paisagem são as nossas ações, as nossas atitudes, escolhas, além das  relações interpessoais e com o ambiente físico. Sabemos que mudanças demandam tempo, reflexão e paciência.Como nosso quadro sonoro é uma obra coletiva, o pensamento de todos precisa estar alinhado.

Pedir que a direção ou gestão da escola ofereça uma tela em branco, novinha em folha, é tarefa impossível. Cabe aos gestores, entendendo a profundidade da questão, encabeçar um projeto de mudança que será elaborado e executado por toda a comunidade escolar, um projeto com começo, muitos meios e sem fim.

Aprender a ouvir, a analisar os sons isoladamente e em conjunto, detectar suas fontes e escolher quais sons a comunidade quer preservar e quais sons quer (e pode) reduzir, ou mesmo abolir da paisagem sonora, seriam alguns pontos a serem trabalhados num projeto acústico.

Em alguns parágrafos acima, usei uma analogia da paisagem sonora com um quadro visual. Para um primeiro entendimento, essa comparação pode ser útil, pois estamos muito mais familiarizados com o visual do que com o sonoro. Só que num projeto acústico, precisamos abrir os ouvidos e assumir o papel de plateia, músicos, compositores e maestros da nossa paisagem sonora.

Todo projeto de sucesso parte de uma reflexão inicial. Antes de sugerir caminhos para a construção de um projeto acústico escolar, deixarei somente algumas questões para alimentar essa reflexão.

1) Observe os sons dos diferentes espaços físicos da escola em diferentes horários. Em todos eles a paisagem sonora é igual? Existem salas mais ruidosas e outras menos?

2) A comunicação verbal entre todos os membros da comunidade escolar é eficiente? O volume das conversas, das falas entre os alunos e entre professores e alunos pode ser considerado exagerado, ou parece-lhe normal? O volume é constante, ou depende de outros aspectos, como localização ou horário?

3) Quais são os sons que mais lhe incomodam e quais são os que mais lhe agradam no ambiente escolar?

4) Como anda a saúde vocal dos professores? Eles ficam roucos com freqüência? Se sim, como a reconstrução da paisagem sonora do ambiente escolar poderia melhorar isso?

Reflita sobre cada uma destas questões. Retomaremos o assunto em breve!
Referência bibliográfica:

SCHAFER, R.Murray.A afinação do mundo. São Paulo: UNESP, 2001.

 

Denise Venturini, atriz, cantora e educadora musical, está à frente da Cia Vento de Inventar (www.ventodeinventar.com.br), voltada especialmente para a idealização e realização de projetos de música e teatro para o público infanto-juvenil em instituições públicas e privadas. Este trabalho une a expertise como professora de música em diversas escolas, além da atuação como atriz, cantora e preparadora vocal em renomadas companhias. Entusiasta da música como agente transformador, colabora nesta coluna abordando diversos assuntos de interesse da comunidade escolar. Deseja esclarecer alguma dúvida ou sugerir novos temas? Escreva para ventodeinventar@ventodeinventar.com.br

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