Tudo se constrói na interação.
Não acreditamos em aprendizagem que não passa pela interação. Não apenas de ideias, mas do corpo, da percepção, da experiência, das relações. Eu só consigo perceber a minha própria identidade a partir da identidade do outro. O outro na minha vida é constituição de mim também. Por isso, “a vida não pode ficar fora da escola”, dizia Freinet.
As crianças têm de perceber que as coisas não estão separadas e quando “eu conheço” é, inclusive, para poder viver mais. Wallon mostra que é preciso valorizar não apenas o intelecto das crianças, mas também o meio social e a afetividade (emoção): “Só podemos entender as atitudes da criança se entendermos a trama do ambiente no qual está inserida”.
O valor que atribuímos a tudo na vida é constituído na relação. “Ahhh, as crianças destruíram tudo”. Tal indagação mostra que não foi realizada uma reflexão com os pequenos sobre o significado que possuía o que estava em volta deles. Caso contrário, teriam criado vínculos, teriam uma história de pertencimento.
Por que hoje temos tantos espaços públicos completamente sujos e desorganizados? As pessoas não se sentem pertencentes a esse universo. “O que é público não me pertence”. Será? A rua, a cidade, o bairro, tudo é nosso.
Essa postura precisa estar muito presente na escola. Quando trabalhamos com um grupo e decidimos, por exemplo, trocar objetos de lugar sem pedir anuência ao próprio grupo, estamos contribuindo para que as pessoas não se sintam pertencentes ao mesmo, uma vez que não foram respeitadas na ocupação do seu espaço.
Um dos momentos significativos em relação à interação é o ato de cuidar. Quando cuido de alguém, cuido também de mim. É quando percebo a importância que tem o outro na minha vida e eu na vida dele. Quem cuida do outro também cuida do planeta. É uma dimensão muito maior de formação humana e de pertencimento.
Para Leonardo Boff, cada ser humano compõe a totalidade que é o planeta. Assim, não é apenas atentar-se ao cuidado específico de uma área, é ao ser humano. O ato educativo é um dos mais bonitos do mundo. Pois, na relação com outras pessoas, faz-se um círculo de interações, de teia e conectividade, promovendo a qualidade de vida.
Portanto, quais são as suas verdades?
No processo de construção de significados não há como não enfrentar contradições e conflitos. Quem trabalha com a educação da infância enfrenta conflitos porque não existem fórmulas prontas. Retomamos, reconstituímos e ressignificamos, continuamente, descobertas, costumes e ações.
Daí a importância de formar grupos de discussão intra e extramuros escolares. Para que possamos nos retroalimentar. Nós mesmos adotávamos práticas como educadores da infância as quais percebemos que, além de descontextualizadas hoje, tinham valor e significado com “aquele grupo e aquelas crianças”. Redimensionamos nossa ação, permitindonos fazer essas descobertas. Só que isso gera contradição, conflito e muitas ambiguidades.
Não possuímos todas as verdades. Não temos as respostas definitivas. Entretanto, quando o educador assume suas verdades, com a consciência de que não são absolutas, seu fazer assume outro sentido. Olhe para suas crenças. Em que, de verdade, você acredita? Quando não existe essa internalização, estamos apenas discursando. Se é tão importante a história de vida da criança, a do educador também tem de ser.
O educador da infância é uma referência fortíssima para as crianças. O tempo todo as crianças estão lendo o seu jeito, seu tom de voz, expressão, afetividade… Uma marca que chama muito a atenção na Educação Infantil é que os educadores são seres humanos que trazem consigo uma alegria muito grande. Tememos que um dia a percamos. Quem trabalha com infância só envelhece mentalmente se desejar. O educador, no contato com as crianças, pode ser eternamente jovem e alegre.
Não defendemos aqui simplesmente alguns princípios educacionais. Defendemos um modo de constituir uma vida que é minha identidade, minha crença.
As crianças nunca ficam desinteressadas. Muitas vezes, nós é que não sabemos despertar seu interesse.
Ampliamos o acesso à informação, mas, nem sempre conseguimos fazer a leitura de certas situações. Ler a subjetividade, com profundidade, é relacionar todos os momentos à realidade vivida.
Nossa visão de educação é humanizadora. Não acreditamos em educação que não humaniza. É um princípio. Podemos ser extremamente competentes, mas se nosso projeto não considerar a dimensão de humanização, excluímos a possibilidade de transformação que estamos vivenciando, nós e as crianças.
Temos nos permitidos interagir e identificar nossas verdades na relação com as crianças?
Por Emilia Cipriano e Claudio Castro Sanches
Emilia Cipriano é Doutora em Educação, Mestre em Psicologia da Educação e Pesquisadora da Infância.
Claudio Castro Sanches é Mestre em Educação, Especialista em Gestão Educacional e Pesquisador da Infância.