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Tutoria: uma prática educativa para a inclusão social

Quando o ganhador do prêmio Nobel de Literatura, em 1925, George Bernard Shaw expressou sua opinião “Quem sabe, faz. Quem não sabe, ensina”, abriu-se uma falácia sobre a função do professor. Se naquela época a afirmação já não era coerente com a complexidade da atividade docente, hoje, em meados do século XXI, torna-se completamente infundada pela intensificação da complexidade desta ação, baseada na prática educativa, já que esta, Sacristán (1999, p.61) diz que “A insegurança e a incerteza são, pois, condições definidoras dos assuntos humanos e o são, portanto, da educação”.  Na era das incertezas, a sociedade exige cada vez mais da escola e dos professores, o processo de universalização do ensino, possibilitando que os excluídos, marginalizados tivessem o seu direito de acesso garantidos não somente na lei, mas também de uma forma concreta, ou seja, na prática educativa. Desta forma, sabemos que os problemas sociais, os desarranjos familiares, a diversidade e dificuldades de aprendizagem entre outros fatores convivem nas  escolas. É notório, pelos debates em âmbito nacional (Plano Nacional da Educação, Fóruns educacionais entre outros) que  o acesso é uma  ação planejada e garantida, mas  a permanência na escola  a partir  da diversidade e a concepção de  qualidade da educação estão ‘xeque’, uma vez que percebemos o espectro da evasão e da repetência  escolar flanando sobre as escolas públicas.

Um caminho para evitarmos este “xeque-mate” é repensarmos os percursos trilhados no processo educativo.  Na Grécia antiga pensava-se a educação como um processo que deveria formar o homem e formar o cidadão, desta forma as crianças, do sexo masculino eram conduzidas pelo paidagogos, termo que surge na Grécia Clássica, cujo significado etimológico é preceptor, mestre, guia, aquele que conduzia para as palestras e exigia que as crianças realizassem as lições recomendadas, era o princípio da pedagogia – paidós– criança e agogé (condução).  Atualmente, cabe ao professor ao ministrar suas aulas se preocupar com seus alunos tanto na dimensão individual como coletiva. No Ensino Fundamental – ciclo II  e Ensino Médio, devido a organização do trabalho dos educadores, o professor passou a trabalhar com um número de 35 a 40 alunos por turma, em 05 ou 10 turmas, em um espaço de tempo de 50 minutos de aula, em 1 ou mais períodos de trabalho,  acrescidos das atribuições administrativas e organizacionais subjacente. Nesta conjuntura o distanciamento entre professor e aluno e o desânimo do mesmo pela educação eram previsíveis e a escola descaracteriza-se do seu princípio educativo, ou seja, não apenas a escolarização, mas também o compromisso social e político com a qualidade de vida dos alunos.

No Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), editados pelo MEC em 1998 e recebidos pelas unidades escolares, alerta sobre a necessidade das políticas públicas serem suficientemente diversificadas e concebidas, de modo que a educação não se tornasse um fator suplementar da exclusão social. Na Espanha (1990-2006) e em Portugal (2005) o sistema educativo já previa no cenário educacional um novo protagonista denominado tutor como o responsável por “contribuir par ao desenvolvimento social, afetivo, cognitivo e acadêmico dos estudantes, assim como a formação integral e a elaboração de um projeto de vida”. Neste sentido, em São Paulo,  no ano de  2009, uma escola pública do município de Embu propõe o projeto tutoria.  Nessa perspectiva, acreditamos que a  ação de tutoria educacional, se apresenta como  uma prática educativa inovadora que propicia a igualdade de oportunidades para a diversidade de alunos inseridos nas escolas.

Baseados nessa concepção, definimos  alguns contornos em relação à tutoria.  Primeiramente, ser tutor é ser um educador integral, uma pessoa capaz de aconselhar o aluno nas situações do processo de ensino e aprendizagem, desta forma, entendemos que o tutor deve ser um profissional especializado, com experiência na ação docente e/ ou coordenação educacional. Nesta ação de tutoria, o professor-tutor exerce a função de acompanhar, apoiar e orientar os educandos em seus diversos aspectos do indivíduo: pessoais, afetivos, sociais, profissionais e educacionais, constituindo-se como adulto-referência. Ricardo Argüis, autor espanhol, afirmar que “o tutor é um orientador da aprendizagem, dinamizador da vida socioafetiva da sala de aula e orientador pessoal, escolar e profissional dos alunos”.

Concordamos com Argüis (2002) ao elencar  três qualidades que devem compor a formação do professor-tutor:“Humanas (o ser tutor):  A empatia, maturidade intelectual-volitiva e afetiva, a sociabilidade, a responsabilidade e a capacidade de aceitação. Científicas (o saber):  Conhecimento da  maneira de ser do aluno, conhecimento dos elementos pedagógicos para conhecer e ajudar o aluno. Técnicas (o saber fazer): Trabalhar como eficácia e em  equipe, participando de projetos e programas definidos em comum acordo para a formação dos alunos”. Essa concepção de professor-tutor, em nossa realidade, implica em um profissional  situado, contextualizado em sintonia com a escola em que trabalha. Nesse sentido, para o desenvolvimento da tutoria  as ações de acompanhamento, orientação e apoio ao aluno devem estar previstas no projeto político pedagógico da escola. A tutoria é um projeto da escola, e como tal requer articulação  de  todos os profissionais que nela estão inseridos e da comunidade.

Nesta perspectiva a tutoria educacional é um processo que focaliza no professor-tutor o ser que apóia e articula as interações entre os alunos, o conhecimento escolar e o projeto político pedagógico, formando pessoas humanizadas (valores e atitudes), retomando e estreitamento do vínculo professor-aluno. Esta ação se constitui em uma prática educativa emancipatória, ou seja, uma prática educativa intencional, organizada, planejada objetivando o disposto no artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN/1996 “… o pleno desenvolvimento o educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, uma prática educativa inserida no contexto escolar, na escola e para a escola.

Desta forma, o educador é um parceiro do aluno no árduo processo da construção do saber, um processo não linear, nem imediatista. É sabido que o processo educativo constitui-se ao longo da vida, e como a vida é um percurso a ser trilhado, não solitariamente, e sim solidariamente. Ao longo da Literatura Universal observamos heróis e seus fiéis companheiros: Sherlock Holmes e Watson, Dom Quixote e Sancho Pança entre outros. Na Literatura Brasileira, Guimarães Rosa, no singular romance Grande Sertão: Veredas, diz que “Viver é muito perigo”, se para um homem como Riobaldo, um jagunço experiente  a vida era um  caminho perigoso, imagine para nossas crianças e adolescentes. Defendemos um processo educativo compartilhado, no qual o paidagogos, ou seja, os pedagogos com suas práticas iluminam, auxiliam  e ampliam as alternativas escolares  para o exercício da cidadania, construindo uma escola democrática, não somente por ser aberta a todos, mas sim, por considerar  a todos como indivíduos inseridos no coletivo favorecendo sua inclusão social,   não como números, nem dados estatísticos. Para nós, a tutoria reforça o princípio de que  “Quem sabe, faz. Quem faz,  acompanha e apóia. Quem acompanha e apóia, educa”.

Por Neide Noffs e Bianca dos Santos Torres*
* Profª Dra Neide de Aquino Noffs é doutora em Educação pela Universidade Estadual de São Paulo (USP), professora doutora e pesquisadora do Programa Educação: Currículo, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP) e assessora institucional de municípios.

Bianca dos Santos Torres é mestranda do Programa Educação: Currículo,  na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP), bolsista CAPES e Coordenadora Pedagógica vinculada a  Rede Estadual de São Paulo.


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BIANCATORESS
biancatorres12@hotmail.com

NEIDE NOFFS
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