Já há algum tempo, venho me deparando com pesquisas que apontam a importância da primeira infância para o desenvolvimento eficaz das capacidades cognitivas e sociais. Neurocientistas afirmam que as transformações vivenciadas nos primeiros anos têm impacto sobre toda a vida do indivíduo.
Pesquisa da Universidade de Harvard (Center on the developing child) destaca o desenvolvimento das habilidades de funções executivas – memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva ou mental – como base de sustentação da vida escolar e pessoal. “Tais funções não são totalmente distintas, trabalham juntas para produzir o funcionamento executivo competente”, explica o estudo.
A memória de trabalho permite que as crianças mantenham e manipulem informações em suas mentes durante um curto período de tempo. É graças a ela que podemos, por exemplo, seguir instruções com várias etapas sem a necessidade de recorrer a lembretes. Nas questões escolares, a memória de trabalho aparece na resolução de um problema com diversas fases, na conexão de informações de um parágrafo para outro, nas interações sociais durante atividades em equipe, na dramatização e no revezamento de exercícios.
O controle inibitório é a habilidade que nos permite controlar e filtrar pensamentos e impulsos, manter o autocontrole, parar e pensar antes de agir. Possibilita uma atenção seletiva, focada e mantida.
A flexibilidade cognitiva ou mental nos permite, de forma ágil, aplicar regras diferentes para que possamos nos ajustar a contextos distintos. Por exemplo, não levar o que é da esfera privada para a pública, encontrar e corrigir erros, rever processos seguindo novas orientações, considerar mudanças e novas perspectivas, estabelecer metas.
Essas habilidades são desenvolvidas desde muito cedo, por meio de práticas intencionais que são reforçadas pelas experiências aplicadas em casa e no ambiente escolar. O desenvolvimento desse conjunto de habilidades permite às crianças e aos jovens assumir gradualmente sua autonomia e enfrentar os desafios futuros de maneira mais produtiva e colaborativa.
A pesquisa de Harvard mostrou que “as bases da arquitetura do cérebro são estabelecidas no início da vida por meio de uma série contínua de interações dinâmicas, em que as condições do ambiente e as experiências pessoais têm impacto significativo na forma como as predisposições genéticas são expressas”. Nessa perspectiva, a qualidade do ambiente onde uma criança convive, a disponibilidade de experiências apropriadas ao seu desenvolvimento, respeitando cada etapa da escolaridade, e as interações com um cuidador atencioso são fundamentais para definir “os pontos fortes e fracos da arquitetura do cérebro que, por sua vez, determinam o quão bem ele ou ela será capaz de pensar e regular suas emoções”.
Ao cuidar do ambiente e oferecer oportunidades para que as crianças desenvolvam suas habilidades nas funções executivas, teremos pessoas mais aptas a controlar seu comportamento e suas emoções, a atender a solicitações, a respeitar regras, a focar em seus objetivos e a respeitar o outro, em uma interação de troca.
De acordo com a especialista em primeira infância Renata Weffort, as escolas de Educação Infantil devem oferecer, além de experiências estimulantes, um ambiente seguro, com uma rotina estruturada, que implica ações de cuidado, interação de qualidade com os adultos cuidadores e socialização com as outras crianças.
Entretanto, ela ressalta que, para evitar a padronização e o enrijecimento das rotinas nas instituições de Educação Infantil, é preciso que o educador da Educação Infantil faça uma contínua reflexão sobre a rotina e organize seu tempo, evitando o estresse de fazer tudo igual. Além disso, é importante dar espaço às crianças e ser claro quanto aos critérios que os fazem realizar as atividades de um modo ou de outro.
É essencial que o trabalho dos educadores nessa etapa inicial seja fundamentado em estudos e pesquisas sobre o desenvolvimento infantil e que as atividades sejam direcionadas para que as crianças evoluam ao máximo de seu potencial. A Educação Infantil não pode ser vista como um espaço para deixar a criança por falta de opção, mas como base de sustentação para seu desenvolvimento nos aspectos cognitivo, social e afetivo.
Referência bibliográfica: National Scientific Council on the Developing Child (2007). O Período e a Qualidade das Experiências da Primeira Infância se Combinam para Moldar a Arquitetura do Cérebro: Documento de Trabalho no 5.
http://www.developingchild.net
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