Nos dias atuais é importante reconhecer o tanto que as ideias do filósofo Edgar Morin são complexas e esclarecedoras, graças a sua indescritível capacidade de relacionar saberes. Graças também a sua história pessoal e à cultura que possui, tornando-o um grande sábio do século XX e destas décadas do século XXI.
Em seu livro “É hora de mudarmos de via: lições do coronavírus” (2020), como em várias entrevistas, desde o início da pandemia provocada pela Covid-19, Morin assinala o tanto que precisamos aprender a viver e a conviver com as condições existenciais inesperadas/imprevisíveis das quais o ser humano não escapa.
Nas nossas experiências cotidianas, nas relações que estabelecemos, somos continuamente impulsionados a dividir, somar, em todas as situações colocadas a prova quando precisamos levar em consideração a opinião e posição dos outros com os quais convivemos. No ambiente escolar, social por natureza, não é diferente e essas experiências são potencializadas. Cabe a nós, educadores, mediar e provocar uma diversidade de situações que ajudem o educando a sair do seu mundo egocentrado e olhar para o desejo, a vontade e a relação com os outros.
O valor do humano deveria ser para os educadores o ponto de partida para todos os planejamentos e projetos que envolvem as relações, a vida real e a convivência no ambiente escolar. Bem sabemos que não há respostas prontas e definitivas, mas é preciso rever e resgatar o nosso humanismo. O que temos feito dele, como nós o assumimos, individual e coletivamente? Como temos enfrentado a incapacidade humana de pensar e vencer o inesperado e as contradições que aparecem?
Na sociedade regida pela tecnologia, pelo imediatismo e pelas relações virtuais, muitas vezes envoltas na superficialidade, parece que o olhar atento, a escuta e o cuidar do outro ficou em segundo e terceiro planos.
Neste período pós-pandêmico, tem se falado muito na presença de situações socioemocionais nas escolas, bem como em ações humanitárias. Contudo, falar destas ações significa que não basta que elas sejam solidárias. No dizer de Morin (2011), é preciso que elas se complementem na fraternidade, sejam interdependentes, religadas ao pensamento complexo e em valores. No entanto, notamos a presença de valores que nem sempre são válidos para todos, que esbarram nos interesses e vontades pessoais. Precisamos nos atentar aos valores que vão de encontro ao individualismo e que necessitam de espaços de trocas e de demonstração de afetos. Ter em mente que valores não se aprendem com discursos, mas com ações!
Diante do exposto, como o ambiente escolar pode ser mais acolhedor, mais solidário e fraterno? Como, coerentemente, ser mais inclusivo? Como lidar com as diferenças, com os distintos ritmos nesse espaço? São algumas perguntas para a nossa reflexão, análise e ação cotidianas.
Em meio a uma sociedade repleta de sérias questões sociais, econômicas, éticas, ambientais e que influenciam a formação das nossas crianças e adolescentes, precisamos encontrar nas escolas um local seguro para a presença dos valores, expressos nas atitudes que queremos reforçar na vida dos nossos educandos.
A equipe gestora, ao assumir um trabalho integrado, cuja característica básica seja a coparticipação, a corresponsabilidade, a fidelidade entre seus membros, necessita ter como objetivo a união para que possam promover o pensar / transformar / sustentar o corpo docente e o dos colaboradores, para torná-los reflexivos, críticos e comprometidos. É a partir desse movimento de confiança, humildade e partilha que será possível criar metas mais realistas para atuar numa gestão de crise de valores, colocando o foco de atenção nos personagens principais do cenário escolar: o professor e o aluno. Considerar prioritariamente os docentes é abrir espaço para que na sua formação ele atinja a criança e o adolescente. Em serviço, dar possibilidade para a heteroformação: isto é, reconhecer o espaço coletivo aberto para a tomada de consciência de aprender e se aperfeiçoar com seus colegas; ter oportunidade de expor seus estudos, suas pesquisas, ampliar trocas de experiências e buscar novas estratégias, explorando sua criatividade.
Acreditamos que a escola, enquanto espaço de ricas mediações, necessita voltar seu olhar para planejar a dimensão das interações, do olhar solidário/fraterno e da resiliência no seu dia a dia.
Estamos em tempos de profunda cegueira e insensibilidade ante o outro. E a escola não pode fazer parte destas situações que nos afastam das verdadeiras relações humanas. É preciso que ela estabeleça uma cultura da paz interna entre seus pares, ficar atenta e reagir frente às perdas de valores que ocorrem no emaranhado das circunstâncias vividas no coletivo escolar.
Referências
MORIN, Edgar. O método 6: Ética. 4ª. ed. Porto Alegre: Sulina, 2011.
______. É hora de mudarmos de via: lições do coronavírus. Rio de Janeiro: Bertrand, 2020.
______. Ensinar a viver. Manifesto para mudar a educação. Porto Alegre: Sulina, 2012.
ZAMPIERI, Ana Maria Fonseca; PIMENTEL, Lucilla da Silveira Leite e ZAMPIERI, Paulo (orgs.). Viver em alto risco social. Terapia Familiar e EMDR, São Paulo: WS Formulários, 2018.
Autores:
Prof. Dr. João Carlos Martins
Doutor em Psicologia da Educação, Mestre em Educação, Sociólogo, Historiador, Administrador Escolar, Psicopedagogo, Educador e Gestor. Atualmente Diretor Executivo da Rede de Educação Missionárias Servas do Espírito Santo.
Lucilla Da Silveira Leite Pimentel
Mestre em Filosofia da Educação e Mestre em Comunicação e Cultura Midiática. Psicopedagoga, Assessora em Educação, Membro-sócio do Instituto Juan Drogrett e Membro da JCM Consultoria em Educação.