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Ainda sobre o luto

Minha última coluna, eu escrevi um pouco sobre o luto e seu processo além de ainda ser um tabu na nossa cultura. A dificuldade de abordar e debater o assunto com as crianças passa pela dificuldade dos próprios pais e professores em lidar com a morte, com a perda e até mesmo com a própria finitude da vida. Outro dia, eu conversava com um homem que acabara de perder sua esposa, ele muito triste e perdido, evitava que seus filhos deparassem com aquele momento de dor. Conversei muito com ele e ao final da conversa, sugeri que ele levasse as crianças no velório, onde pudessem se despedir da mãe. O pai não aceitou de forma alguma, disse que aquilo estava fora de cogitação.

Fiquei pensando naquela situação, naquele momento, só me cabia respeitar a opinião daquele pai sofrido em sua dor, apesar de não concordar com essa saída, mas há momentos em que se calar é o melhor momento para quem acompanha de longe essa dor.

Ainda mais, no momento, atual onde todos tem conselho para dar e uma forma de julgar a decisão do outro. Tudo o que aquele pai queria naquele momento era proteger seus filhos daquela dor que ele mesmo não estava dando conta e me disse: ninguém está sentindo o que estou sentindo. Ele tinha toda razão, aquela história era dele e com certeza ela rememorava outras perdas que ele já havia passado. E assim, entre perdas, vamos tecendo momentos como esse, ora na clínica, ora nas escolas e até mesmo na família.

O sofrimento, não é algo aceitável em tempos de gozar a vida e escancarar felicidade. O sofrimento nem sempre é lembrado como parte viva da vida. Entre lutos e vida vou tentando tecer momentos de alivio para aqueles que se encontram frente a essa dor, lembrando a cada um que o ciclo da vida envolve o morrer. O tempo e a natureza nos ensina isso diariamente, a única certeza que temos é que vamos perder sempre, perdemos a infância, depois a adolescência, depois o brilho na pele, chegam os cabelos brancos, as primeiras rugas, perdemos nossos avós, perdemos nossos alunos para outras escolas, nossos amores e assim e a roda da vida, onde em alguns momentos estamos eufóricos de alegria e em outros momentos no chão da tristeza. A vida é aprendizagem e quanto mais cedo aprendermos, mais cedo iremos abrir espaço para falar e escutar aqueles que passam por essa dor. Muitas vezes a natureza também se inverte e as crianças e jovens vão na frente, uma doença que chega devagar e lá estamos nós tentando tranquilizar os coleguinhas, vem o silêncio e o medo do próximo. Sim, isso é a vida, isso é viver, isso somos nós, minúsculas peças nessa grande engrenagem chamada VIDA.

É dessa forma, que vou fazendo minha parte, sensibilizando pais e professores para que abram espaços para dor, pois ela chega em algum momento e já que chega, é melhor que ela entre pela porta da frente e seja recebida pelos adultos, na engrenagem da fala e da escuta, no movimento da conversa com a criança, com o jovem, com o enlutado. Para o luto só temos uma forma de ajudar: Eu estou aqui com você, podemos chorar juntos e ir passando por esse deserto… acolher e se colocar a disposição de forma simples e sincera, sem se preocupar com palavras bonitas e conselhos eficientes. O importante é ensinar aos mais jovens o valor da despedida, a importância do falar permite manter um laço com os pequeninos, uma laço de confiança entre o adulto e a criança.

E assim, vamos tecendo momentos e recontando as histórias, abrindo espaços criativos para que a dor se transforme em lembrança. Contar e recontar histórias é uma forma de jogarmos sementes sobre temas dolorosos, sobre os ciclos da vida e do morrer.

Não há roteiros estabelecidos para isso e muito menos bulas e receitas mágicas, o que há, são nossas apostas nos pequeninos, o que há, são possibilidades de tornar o sofrimento menos pesado e mais fácil de ser expressado.

A forma é de cada um, o importante é que esse tema circule, quebre tabus e faça parte da vida. A morte está mais presente na vida, do que imaginamos. O luto é um longo processo e necessário, tanto na infância como no mundo adulto, ambos precisam de tempo e espaço. Como explica autora Kübler-Ross:

 

“Mais cedo ou mais tarde, a criança se aperceberá de que mudou a situação familiar e, dependendo de sua idade e personalidade, sentirá um pesar irreparável, retendo este incidente como uma experiência pavorosa, misteriosa, muito traumática, com adultos que não merecem sua confiança e com quem não terá mais condição de se entender. (KÜBLER1-ROSS, 2008). E como dizia o nosso saudoso Rubem Alves: “a morte é onde mora a saudade” e completa: Dizem as escrituras sagradas: “Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer”. A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A “reverência pela vida” exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir.

 

É assim que gosta de pensar a vida…

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