Matéria publicada na edição 94 | Dezembro 2013 – ver na edição online
Por décadas a deficiência física foi vista como um mal irremediável. No passado, os indivíduos que nascessem com características físicas diferentes do que se julgava “normal”, eram considerados amaldiçoados por apresentarem anomalias, e por este motivo eram abandonados a sua própria sorte ou, as famílias os escondiam da sociedade. Foi a partir do século XIX, que se sentiu a necessidade de entender os motivos pelos quais um indivíduo apresentava alterações físicas, parcial ou completa, acarretando limitações no desempenho de funções. Porém, o fato de serem compreendidos ou estudados, não significou o fim da exclusão social praticada contra as pessoas “diferentes”. Toda diferença, sempre foi motivo de preconceito, seja ela social, física, racial, sexual, e a lista pode ser extensa, infelizmente.
Nos anos 60, deu-se início ao movimento de integração social. Apesar de ter sido um primeiro passo, encontrou-se dificuldades, pois, integrar significa que o deficiente deve adaptar-se à sociedade sem que esta se adapte à ele. É fácil falar sobre inclusão social, difícil é praticá-la de fato. Felizmente essa realidade vem mudando, principalmente pela força de vontade daqueles que lutam por seus direitos e fazem valer as leis que os defendem. Na verdade, toda pessoa sofre de algum tipo de deficiência, seja ela de caráter moral ou democrática. Afinal, ignorar o fato de que somos todos iguais enquanto seres humanos, ainda que com diferenças físicas ou de qualquer outro tipo, é uma falta grave.
Visitamos o Colégio Radial, uma instituição de ensino que cumpre a Lei (Decreto 5.626/2005 – que trata da garantia do direito à educação das pessoas surdas ou com deficiência auditiva). Além da “Conversa com o Gestor”, também conversamos, não com surdos, mas com alunos extrovertidos que talvez não nos ouça, mas nos sente, nos vê, interagem e nos ensinam que somos iguais, não importando o idioma ou a maneira de se expressar. O essencial é se fazer entender, ter o direito de ser o que se é, e ser respeitado na sociedade. Acompanhe entrevista com Sueli Cain, diretora acadêmica do Grupo Weducation, mantenedor do Colégio Radial.
O que é inclusão?
Para a nossa instituição, inclusão é aceitar e respeitar o outro com suas diferenças e ajudá-lo na sua inserção na vida pessoal, social e profissional.
Quem são os alunos diferentes? O que os torna diferentes?
São considerados diferentes pela sociedade todos que fogem da “normalidade” definida por ela, como por exemplo, os surdos, cegos, os que têm comprometimento mental ou físico, os superdotados e os que apresentam problemas comportamentais.
Como o Colégio Internacional Vocacional Radial teve a iniciativa da inclusão?
Passamos a receber alunos surdos de escolas especiais, pois os pais não estavam satisfeitos em mantê-los sem contato com a realidade que iriam enfrentar ao sair delas. Queriam realmente a inclusão.
Desde quando o apoio aos alunos surdos foi implantado e por quê?
Há cerca de 30 anos atendemos alunos surdos. Ao recebê-los, percebemos que teríamos que nos preparar para isso. Passamos a ter uma Coordenação de surdez, oferecemos aos professores aulas de Libras e palestras com especialistas, as avaliações passaram a ser traduzidas e corrigidas com outro olhar, levando em consideração a capacidade de comunicação específica de cada um deles.
Com o crescente ingresso de alunos surdos, passamos a oferecer aos colegas de sala ouvintes, aulas de Libras para que houvesse maior interação entre eles. Além disso, temos intérpretes em todas as salas em que há um aluno surdo e, por serem educadores, além da tradução, os acompanham na parte pedagógica enviando relatórios à Direção quando notam alguma dificuldade.
Inclusão x integração – qual é a diferença na visão do Colégio Radial?
A integração pressupõe a mudança do aluno para que possa fazer parte de um determinado grupo e não a aceitação de suas diferenças. Trabalhamos com a inclusão, pois oferecemos condições de crescimento pessoal, profissional e social, respeitando suas diferenças.
Apesar de termos intérpretes, sabemos que não encontrarão um deles nos locais em que irão trabalhar, ou em um local público, em hospitais etc. Por isso, participam de todas as atividades com alunos ouvintes, desenvolvem projetos, aprendem a se comunicar por outros meios, fazem as mesmas avaliações que os colegas, apesar de traduzidas – visto terem o vocabulário mais restrito, leem os mesmos livros, enfim, participam da vida escolar como qualquer aluno. Fazem inclusive o curso técnico, participam das aulas de inglês, que são ministradas nessa língua e viajam aos Estados Unidos em curso de imersão. No ano passado, dois alunos surdos participaram dessa viagem e, baseados nas dificuldades que um surdo encontra ao viajar relatadas por eles, uma de nossas intérpretes, com dois alunos surdos que irão viajar neste ano e o Coordenador do curso de informática estão criando um aplicativo para celular a fim de ajudá-los nessa nova experiência.
Já temos, neste ano, um dos nossos alunos surdos trabalhando na área em que fez seu curso técnico e aprovado em arquitetura em um dos vestibulares de 2013. Um exemplo de inclusão, de aceitação, de incentivo à participação pode ser confirmado com um vídeo feito para o Catraca Livre, em que nossa aluna Isabela declama em libras um dos poemas de Vinícius, projeto sugerido pelo site como homenagem aos Cem anos de Vinícius. Ela deu um show de interpretação, de expressão corporal. Comunicou mais do que um aluno não surdo.
Alunos com outras deficiências também possuem acessibilidade?
Sim, já tivemos muitos alunos cadeirantes e um aluno cego.
Sabemos que as diferenças podem causar bullying. Como os professores são preparados para lidar com essa questão?
Nossos alunos, desde pequenos, são orientados para um olhar de inclusão, para desenvolvimento de ações sociais e filantrópicas; há sempre algum projeto voltado à ajuda ao próximo proposto pelo professor.
Com esse valor desenvolvido e o contato com colegas com “diferenças” desde criança a aceitação é natural. A convivência entre pessoas diferentes é crescimento mútuo, ambos os lados crescem, aprendem e, o melhor, tanto as crianças como os adultos passam a ver a vida de forma mais natural, passam a aceitar melhor suas dificuldades. Aprendemos muito com essas crianças e suas famílias, que nos ajudam muito na educação de seus filhos.
Deficiência, classe social ou racial, crianças superdotadas, ou qualquer outra minoria que possa sofrer discriminação. O Colégio aborda a inclusão de um modo geral? De que maneira?
Incluir é dar condições iguais a todos, independentemente de suas diferenças.
A nossa metodologia já promove trabalho em grupo, com alunos diferentes em todos os sentidos e é com essa diferença que há o crescimento. Um aluno superdotado, por exemplo nos ajuda como monitor e, dessa forma, se sente valorizado e os alunos aprendem com ele. Os cadeirantes e alunos com dificuldade de locomoção são “abraçados” pelos alunos. Temos alunos de escolas do Projeto VENCE que fazem curso técnico e montam equipes com os alunos matriculados exclusivamente em nossa instituição, desenvolvem e apresentam projetos juntos, dividem conhecimentos, experiências.
A cultura da inclusão é muito antiga e frequente em nossa escola, por isso os alunos diferentes são aceitos com naturalidade.
Quais as perspectivas futuras a respeito da inclusão escolar?
No nosso histórico, temos grande número de alunos surdos para inclusão e são eles que trazem os colegas até nós.
No último teste de bolsa que realizamos neste mês, tivemos a participação de mais de cinco candidatos surdos e para eles já estamos contratando mais intérpretes.
Continuaremos com os trabalhos de acompanhamento, tradução de avaliações, intérpretes em todos os eventos, reuniões com pais e intérpretes, atividades em grupos heterogêneos, desenvolvimento de projetos, enfim, atividades que promovam realmente a inclusão.
Localização: tem unidades nos bairros do Jabaquara e em Santo Amaro, Zona Sul.
Número de Instituições e unidades: duas unidades
Fundação: O Radial é uma instituição com mais de 45 anos de experiência em educação. Iniciou suas atividades com os ensinos técnico, fundamental e médio. É referência no ensino técnico em São Paulo.
Mantenedora: Integra o Grupo Weducation
Ciclos escolares: oferece cursos técnicos em Administração, Informática, Eletrônica e Comunicação Visual.
Instalações (da Unidade central):
- Biblioteca
- Laboratórios de informática com computadores conectados à Internet
- Auditório com capacidade para 180 pessoas
- Cantinas
- Laboratórios de Biologia, Química, Física e Eletrônica
- Sistema de segurança com câmeras e equipe de profissionais especializados
- Instalações adaptadas a deficientes físicos cadeirantes
- Quadra Poliesportiva
Conversa com alunos
Estiveram presentes: A Diretora do Colégio Radial, Silvia Otila que deixou evidente seu empenho em acompanhar alunos e colaboradores. Também, os alunos Gustavo Maluhy Kopaz, Ricardo Fujikawa, Jorge Fellipe Rodrigues, Rusdy Delgado Rabeh, e as intérpretes Bianca Alencar, Gislaine Caroline Guedes e Jamile Jose Silva. Os alunos participantes são surdos e foram unânimes em dizer que preferem frequentar a escola regular. Alguns passaram por escolas especiais, aprenderam o básico, mas afirmam que a escola regular é de extrema importância para seu desenvolvimento intelecto-social. As intérpretes demonstraram ser mais que meras profissionais de acessibilidade, mas companheiras cotidianas de estudantes em busca de conhecimento e crescimento pessoal.
A Revista Direcional Escolas agradece a oportunidade de presenciar ações inclusivas como esta.