Matéria publicada na edição 06 | julho 2005 – ver na edição online
Meu caro amigo, diretor.
Por Celso Antunes
Primeiro foi o pai do Guilherme que pediu transferência para seu filho. Você, como Diretor da Escola lamentou, mas… paciência. Transferência é um direito de qualquer família e para uns alunos perdidos, quem sabe, outros virão. Depois foi o pai dos gêmeos, a mãe do Rodrigo da sexta e quando o quinto caso na mesma série se anunciou, você entrou em pânico. Desesperado pela rápida perda de alunos, buscou motivos e não foi difícil encontrá-los. Os alunos transferidos achavam-se perseguidos por alguns colegas, sentiam-se vítimas de gozações, brincadeiras, anedotas, nomes com insinuações perversas escritos no banheiro, rasteiras incapazes de serem identificadas e tudo mais quanto o bullying admite. Quem diria, pensou você, logo na minha escola? Que fiz para merecer o castigo desse hábito discriminador estudantil? Qual minha culpa?
Você não está sendo julgado. Ninguém o critica abertamente; os alunos transferidos até que apreciam sua camaradagem, mas sentindo-se vítimas de uma encoberta violência, exercem o direito de mudar de escola, de procurar outro ninho onde possam crescer sem o pavor de sentirem-se perseguidos. Você não está sendo julgado, mas se quiser mesmo saber o que levam seus alunos a essa fuga e a essa perda, interrogue-se:
• Será que você estimulou sua equipe de professores a promover debates e pesquisas sobre o que é o bullying e quais os meios para contê-lo?
• Será que você atuou de maneira absolutamente firme e coerente desde que o primeiro aluno veio reclamar das sevícias não claramente identificadas? Será que pesquisou que mal é esse e tornando-o público, pode expor a todos o direito à defesa e a consciência da responsabilidade pela prática?
• Será que seus professores foram devidamente orientados a estabelecer com suas classes, de maneira aberta e democrática, um conjunto de regras de convivência? Será que mostraram a seus alunos os direitos de cada um e a vigilância severa sobre sua não observação?
• Será que você convocou a comunidade escola – do servente ao segurança, do pessoal da manutenção aos funcionários da cantina – a identificar cenas explícitas de bullying, a perceber potenciais vítimas e algozes?
• Será que você entrou nas classes ou reuniu-as para, de maneira sincera e franca, criando opção para um diálogo aberto e construtivo, falar sobre o que é o bullying e a forma como essa prática não pode e não deve ser aceita em lugar algum? Discutiu a força do repúdio e exaltou a anônima coragem da denúncia de quem se acreditava vítima?
• Será que você foi franco, realista, imediato e ágil para interferir sempre quando essa prática – mesmo que de forma inicialmente tímida – foi constatada nesta ou naquela turma?
• Será que você fez de seus professores uma verdadeira equipe no sentido de criar uma ação coletiva na identificação e sanção contra essa prática?
• E, finalmente, será que seus funcionários foram devidamente orientados para perceber quais alunos se mostravam mais retraídos, porque se mostravam, buscando integrá-los, ensinando-lhes práticas de relações interpessoais?
Impossível saber a resposta que você dará a esses desafios. Nem é mesmo importante superá-lo, mas combater com energia a prática do bullying é bem mais que se evitar a perda de alunos, é respeitar em cada pessoa o direito em ser integralmente um indivíduo.