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Gestão Escolar — Déficit de professores: da alfabetização às disciplinas exatas

Matéria publicada na edição 67 | Abril 2011 – ver na edição online

A Formação em Serviço

Instituições investem no preparo dos docentes, com o objetivo de suprir dois sérios problemas que enfrentam sempre que vão compor a sua equipe pedagógica: a falta de quadros e a precariedade na formação. Entre 2007 e 2009, o número de docentes atuando no País caiu mais de 20%. Segundo especialistas, as políticas de valorização do magistério precisam despertar nos jovens o desejo de se tornarem educadores, sob pena de gerar séria crise no setor educacional brasileiro.

Dados mais recentes do INEP mostram que pouco mais da metade dos professores que atuam na Educação Infantil no Brasil não possuem formação superior, assim como quase 40% entre os que lecionam nos anos iniciais do Fundamental, justamente em uma das fases mais importantes da vida escolar das crianças, o ciclo da alfabetização. Os números estão contidos na “Sinopse do Professor de 2009”, disponibilizados para consulta pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, vinculado ao Ministério da Educação (MEC). Eles remetem à precariedade da formação dos educadores, um dos mais sérios desafios enfrentados pelo sistema de ensino no Brasil, tanto o público quanto o privado. Entretanto, pari passu, outro problema atinge as instituições: a falta de quadros, principalmente de profissionais que tenham formação específica para atuar com determinadas habilidades e áreas do conhecimento.

“Faltam professores aos montes, não apenas em áreas tradicionais, como Matemática e Física, mas ainda em Geografia e alfabetização”, afirma João Carlos Martins, diretor do Colégio Hebraico Brasileiro Renascença, consultor em gestão escolar e doutor em Psicologia da Educação. Segundo Martins, em dez anos o Brasil poderá viver uma crise ainda mais séria, “pois não estamos formando novos educadores”. “Precisamos chamar atenção para mudar a cultura do País e criar nos jovens o desejo de serem educadores”, defende. Enquanto isso, a saída encontrada pelas instituições tem sido a chamada “formação em serviço”. Nesse sentido, o Colégio Renascença resolveu implantar, neste ano, o programa de “Período Estendido”, em que seus professores são remunerados em dez horas aulas por semana para que se dediquem aos estudos e desenvolvimento de projetos, o que pode ser feito em casa. A remuneração está além da hora atividade formalizada pela Convenção Coletiva da categoria.

“Temos que ter esse processo de formação interna o tempo todo, olhando para a prática, as questões didáticas, mas também para o conhecimento específico, adequando-o às faixas etárias com que se atua”, observa o diretor. Martins destaca ainda que a atual geração de alunos exige “novas possibilidades de trabalho e de abordagem”, obrigando a esse movimento contínuo de aprimoramento da equipe pedagógica. Para tanto, a escola precisa disponibilizar um suporte mínimo, no caso, coordenadores que atuem por área do conhecimento (Linguagens, Matemática, Ciências Naturais e Ciências Humanas), além dos coordenadores por ciclo. São eles que dão suporte aos estudos e fóruns de discussão, realizados por meio de encontros presenciais e também pela internet. O Renascença disponibiliza ainda um professor auxiliar nas classes de alfabetização e também por etapa, a partir do 3o ano do Fundamental.

“Ao preparar o orçamento de um ano para o outro, as escolas têm que destinar recursos para essa formação”, recomenda João Carlos Martins, ponderando, entretanto, que isso “requer uma ginástica orçamentária e administrativa”. Mas não há outro jeito, especialmente porque Martins observa falta generalizada de profissionais nas mais diferentes áreas. “E os poucos e bons quadros acabam migrando para a carreira no Ensino Superior”, comenta o gestor. Ele acredita que se houver um salário inicial e um plano de carreira mais atraente no setor público, por exemplo, os profissionais acabem se estabelecendo, gradativamente, na educação básica. De qualquer maneira, mesmo as escolas privadas, que oferecem remuneração maior, não têm garantia de atrair candidatos “com a competência desejável, associada a uma formação teórica consistente e a um olhar didático preparado para a prática”. Quanto à instituição do plano de carreira entre os estabelecimentos particulares, João Carlos Martins acredita que seja uma maneira de “fidelizar o professor”, mas o processo deve ser estudado com calma, e que está em curso no Renascença.

ORIGENS DO PROBLEMA

Conforme números do Censo Escolar de 2007, quase 40% dos professores que davam aula de Língua Portuguesa na época não apresentavam formação específica para atuar na disciplina; em Matemática, esse percentual atingia 42%; em Língua Estrangeira, 40%; em Química, 62% e; em Física, 75% de profissionais não estavam habilitados na área. Os dados relativos a 2009 ainda não foram disponibilizados, mas este Censo mais recente registrou uma queda de mais de 20% no número de docentes trabalhando na Educação Básica em um período de dois anos no Brasil (entre o censo de 2007 e o de 2009).

Para o professor Artur Costa Neto, que atua há 33 anos, é diretor do Sindicato dos Professores em São Paulo (Sinpro) e vice-presidente da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme), o déficit de profissionais sempre existiu. Em sua análise, ele observa que o processo de expansão e universalização do ensino público ocorrido a partir dos anos 70 no País não foi acompanhado por uma política de valorização da carreira do magistério. Pelo contrário, o achatamento salarial foi o que de fato “financiou” a ampliação da rede. “O fim do exame de admissão para ingresso no antigo ginásio, determinado pela Lei Federal 5.692, de 1972, e a criação do ciclo de alfabetização foram dois grandes avanços da área educacional brasileira, temos hoje 98% das crianças matriculadas nas escolas. No entanto, o poder público teve que expandir a rede para atender a essa demanda e fez isso expropriando a condição salarial do professor e relaxando nos critérios de formação e seleção desses profissionais”, avalia Costa Neto.

Ao mesmo tempo, prossegue Costa Neto, o MEC “precarizou” a graduação, reduzindo, por exemplo, o período dos cursos de Pedagogia de quatro para três anos. “Também as Licenciaturas tiveram tempo de formação reduzida, ao passo que áreas como Direito, por exemplo, ampliaram sua carga”, compara o dirigente. Precisaria, no entanto, ter ocorrido justamente o contrário, pois “o professor tem que ter muita formação de didática para dar aula, um amplo conhecimento e habilidade para integrar isso tudo”. Além do mais, na alfabetização, são necessários profissionais bem experientes, “mas como o professor com mais tempo de carreira na rede pública tem o direito de escolher suas salas, ele acaba rejeitando as séries iniciais, porque são muito trabalhosas”.

Costa Neto acredita que as estratégias de valorização do professor previstas pelo Plano Nacional de Educação sejam capazes de reverter o quadro, assim como iniciativas adotadas pontualmente por algumas redes, como o programa de acompanhamento do professor iniciante implantado pelo governo de São Paulo. “Caso contrário, em dez anos não teremos como repor a grande massa dos professores que estão trabalhando hoje e irão se aposentar”.

O CENÁRIO EM NÚMEROS

• De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio apresentavam, em 2007, 2.172.268 professores atuando em sala de aula. Ao se incluir o ensino profissional, especial e o EJA (Ensino de Jovens e Adultos), esse número saltava a pouco mais de 2,5 milhões de professores. Já pelo Censo Escolar de 2009, o total baixou a 1.977.978 docentes atuando em todo o País nos diferentes ciclos da Educação Básica, uma queda de mais de 20%;

• Pelo mais recente Censo Escolar, publicado no dia 20 de dezembro no Diário Oficial da União, a Educação Básica reúne 51.549.889 de estudantes, entre os quais 7.560.382 se encontram no sistema privado;

• Segundo dados compilados pelo movimento Todos Pela Educação, com base na “Sinopse do Professor 2009”, documento disponibilizado pelo INEP, mais da metade dos professores da Educação Infantil não têm formação superior. O mesmo acontece em quase 40% entre os que atuam no Ensino Fundamental, conforme revela o quadro abaixo:

• Outro dado divulgado recentemente pelo Todos Pela Educação e baseado na “Education at a Glance”, publicação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), revela que os docentes no País têm menos tempo de experiência que nos demais países vinculados à Organização. “Os professores experientes, com mais de 50 anos de idade e 20 de profissão, são minoria na Educação Básica do País. Atualmente, nos anos finais do Ensino Fundamental, 15,6% dos professores têm 50 anos ou mais; já a média da OCDE é de 32,7% – mais que o dobro da proporção brasileira. No Ensino Médio, o cenário é semelhante: na OCDE a média de professores com idades a partir de 50 anos é de 35,9%. No Brasil, é de 17,1%”, informa o texto do Todos Pela Educação;

• Levantamento realizado pelo jornal Valor Econômico neste ano mostra que 15 secretarias estaduais da Educação pretendem atrair profissionais para a sala de aula, vinculando a sua remuneração ao desempenho dos alunos e ao cumprimento de metas.

• Notícia divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo em princípios de março revela que os professores convocados pela rede do Estado por meio de recente concurso público estão desistindo da efetivação, em pleno andamento do ano letivo. Até os 20 primeiros dias de março, o jornal contabilizava 60 desistências, “média de mais de dois por dia letivo”.

• Entretanto, números recentemente divulgados pelo SISU (Sistema de Seleção Unificada), apontam que algumas universidades federais registraram substancial aumento na procura pelos cursos de Pedagogia ou Licenciatura em estados do Norte e Nordeste, chegando a superar a 100 candidatos por vaga. Em São Paulo, a concorrência no último processo seletivo para o curso de Pedagogia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), campus de Guarulhos, chegou a 30,91 candidatos por vaga. (Edição: R.F.)
O PNE E ALGUMAS ESTRATÉGIAS DE VALORIZAÇÃO DO PROFESSOR

Agrupadas em quatro metas, as de número 15 a 18, as estratégias de valorização do professor defendidas pelo Plano Nacional de Educação (PNE) passam pela preocupação em assegurar desde uma remuneração similar à das demais categorias profissionais, como forma de atrair o jovem para o magistério, a programas de aperfeiçoamento, aprimoramento e estudos em nível de pós-graduação. Abaixo, alguns destaques:

META 15 – Com vistas a garantir formação específica em nível superior aos profissionais da Educação Básica, a estratégia 15.2 prevê a “amortização de saldo devedor” dos graduandos matriculados em cursos de Licenciatura e integrantes da rede pública de ensino. Pretende ainda “institucionalizar” em no máximo um ano uma “política nacional de formação e valorização dos profissionais da educação”, assegurando, inclusive, a sua “formação em serviço”, trecho esse que a FENEP pretende excluir.

META 16 – O propósito é formar 50% dos quadros do magistério em cursos de pósgraduação, em lato e strictu senso, através, entre outros, da concessão de licença no trabalho para estudantes de mestrado e de doutorado.

META 17 – A meta pretende “aproximar o rendimento médio do profissional do magistério com mais de onze anos de escolaridade do rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente”. Para tanto, determina a constituição de um fórum permanente para acompanhamento e atualização do piso salarial.

META 18 – Quer assegurar a implantação de planos de carreira em no máximo dois anos, em todos os sistemas de ensino do País. Estipula ainda que 90% dos profissionais do sistema público estejam investidos de provimento efetivo na rede, a criação de uma “política nacional de formação continuada para funcionários de escola” e a prova nacional de admissão de docentes.


Saiba mais

ARTUR COSTA NETO
arturcneto@uol.com.br

JOÃO CARLOS MARTINS
joaocarlos.m@renascenca.br

SINOPSE DO PROFESSOR 2009
www.inep.gov.br/basica/censo/Escolar

TODOS PELA EDUCAÇÃO
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