O dia a dia escolar se apresenta à maioria dos professores como um espaço de tensão contínua, em que além das discussões sobre questões intelectuais, existem com frequência enfrentamentos pessoais e dilemas disciplinares que atrapalha o trabalho em sala de aula.
Como sabemos, o respeito e a cooperação são condições necessárias para uma gestão democrática em sala de aula. Se bem interpretadas no ambiente escolar, elas impulsionam acordos imprescindíveis entre professor e aluno, esclarecendo as reais expectativas de um em relação ao outro. É o momento de partilhar as responsabilidades pelas decisões relacionadas às rotinas de trabalho pedagógico (o que será feito) e às regras de convivência escolar (como será feito), que Júlio G. Aquino denomina de “contrato pedagógico”, assegurado por meio de:
- Clareza razoável, para os parceiros, quanto aos propósitos da relação;
- Nítida configuração das atribuições de cada parte envolvida;
- Rotinas e pautas de convivência conhecidos e respeitados por ambos;
- Resultados concretos que validem o seu processamento cotidiano.
Esse contrato é gestado no coletivo, corresponsabilizando todos os participantes para que suas cláusulas sejam esclarecidas.
Diferente de um regimento escolar (que é o todo da escola), o contrato pedagógico constitui-se da especificidade de cada sala de aula e, ainda mais, de cada professor – até porque cada objeto de conhecimento requer uma dinâmica diferente de exploração. Para tanto, “as cartas precisam ser colocadas na mesa” – programa da área, cronograma de atividades, metodologias, formas de avaliação – para que sejam trabalhados concretamente os objetivos que deverão ser perseguidos por todos. As regras poderão, em consenso, sofrer alterações – inclusões ou exclusões de cláusulas, abordando questões, como o que é entendido por respeito, colaboração, responsabilidade, enfim, formas de viabilizar a cidadania na prática. As regras constituídas neste contrato amadurecem progressivamente, do seu desconhecimento (anomia – ausência de regras) à autonomia. Após o nascimento do contrato, relembrá-lo é função de todos, porém, a implantação e o suporte dos acordos, enquanto rotina do trabalho, está muito mais centrada na figura do professor, que aos poucos vai deixando isso para os outros participantes do processo educativo em sala de aula. Quando esse caminho é traçado e compreendido por todos, consegue-se perceber a real diferença entre anuência (estar de acordo) e obediência (submeter-se)
Como trabalhamos com indivíduos – por definição únicos e com ritmos diferentes de caminhada – sabemos que eles poderão atingir estágios diferentes, em momentos distintos, na compreensão do contrato pedagógico. Não podemos ser ingênuos e acreditar que não haverá transgressões, que deverão ser tratadas no coletivo (em que as regras foram constituídas), para não se tornar algo pessoal – professor/ aluno). Trazendo para o coletivo, as transgressões são analisadas como contra o bom funcionamento comum dos trabalhos e contribui para que não ajamos com “dois pesos e duas medidas”. Aquino faz uma única ressalva: que as sanções não podem, sob hipótese alguma, ser tomadas como mecanismos de exclusão. Por sinal, devem sinalizar o contrário: elas se prestam à inclusão de todos, indiscriminadamente, uma vez que sacralizam uma atmosfera de isonomia e, portanto, de justiça na vivência grupal. O contrato pedagógico não se trata de um ideal, algo que sempre se persegue e nunca se atinge. Esse pacto coletivo de confiança nada mais é do que um conjunto de parâmetros que delineiam as ações do coletivo em prol do bem comum: a efetivação do trabalho educativo – a aprendizagem.
Acedriana Vicente Sandi, Diretora Pedagógica da Editora Positivo. Pedagoga, especialista em metodologia de ensino e mestre em engenharia de produção pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
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