Matéria publicada na edição 97| Abril 2014 – ver na edição online
Em tempos em que o chamado junk food impera entre crianças, jovens e até mesmo adultos, é difícil ver uma criança que realmente goste de comer legumes. Parece uma questão de padrão cultural, pois nossos pais e avós consumiam alimentos mais saudáveis, quase não ingeriam alimentos industrializados. Talvez por terem vivido num contexto diferente do atual, onde havia um contato maior com a terra, com o plantio. Antigamente as coisas funcionavam bem diferentes, um olhar mais rude de nossos pais e sabíamos que era para comermos os brócolis, ainda que não o considerássemos a sétima maravilha do mundo. Sabemos que os adultos são o espelho da criança. Ensinamos o melhor a eles, mas praticamos o que ensinamos? É necessário observar que as crianças seguem exemplos, por este motivo é possível ver tantas crianças imitando danças que viram adultos praticando, ou falando coisas que ouviram adultos falando. O mesmo acontece com a alimentação. Se quiser vê-los comendo legumes, tem que dar o exemplo e, além disso, buscar maneiras divertidas de introduzir a alimentação saudável ao dia a dia.
A nutricionista do Departamento de Alimentação Escolar (DAE) do Município de São Paulo, Helena Maria Novaretti Ferreira, conta que o DAE do Município de São Paulo tem como um de seus eixos de trabalho o incentivo às ações de Educação Alimentar e Nutricional (EAN). E aponta que é comum, por exemplo, observar que muitas crianças não têm o hábito de consumir verduras e legumes, problema que podemos atribuir, em grande parte, à falta de costume da própria família. Como a alimentação oferecida nas escolas do município de São Paulo é balanceada, variada e nutritiva, precisamos fazer um trabalho motivacional para garantir o consumo. As ações de EAN podem acontecer de diversas formas: oficinas de alimentação, palestras com pais e professores, hortas escolares, visitas às cozinhas, etc. Os educadores são fundamentais para pensar na estratégia de ação e contam sempre com a colaboração dos nutricionistas do DAE. Helena diz que do interesse do Departamento de Alimentação Escolar de implantar cardápios cada vez mais saudáveis e apresentar aos alunos mais uma opção de alimento, surgiu a iniciativa de implantar merenda vegetariana. A Proteína Texturizada de Soja – PTS foi eleita para aquisição do DAE, por se tratar de alimento de fácil armazenamento e conservação, bom prazo de validade e bastante versátil para a elaboração de receitas. O DAE já vislumbrava instituir um dia sem carne nos cardápios e neste momento, vindo ao encontro à esta proposta, houve apoio da Secretaria de Educação, Câmara dos Vereadores, da Sociedade Vegetariana Brasileira e Universidade de São Paulo para efetuar a implantação. Hoje apresentam no cardápio preparações como “Escondidinho de PTS com purê de batata” e “Macarrão ao molho de PTS”. A Proteína Texturizada de Soja (PTS), foi introduzida no cardápio das escolas municipais de São Paulo em 2011, com frequência quinzenal, dando a oportunidade aos alunos de conhecer um alimento de alto valor proteico, de origem vegetal, aumentando a variedade dos cardápios.
Essa introdução da PTS nos cardápios das Unidades Educacionais Municipais ocorreu de forma gradativa e mediante a avaliação de todos os critérios necessários para garantir a qualidade nutricional dos cardápios. A Nutricionista do DAE explica que num primeiro momento foi introduzida nos cardápios das Unidades Municipais de Educação Infantil e de Ensino Fundamental com gestão terceirizada, ou seja, cerca de 620 escolas, e 460.000 alunos matriculados recebendo esse alimento. Em 2012, foi realizada uma licitação para aquisição da PTS, estendendo-se os cardápios com esse alimento às Unidades Municipais de Educação Infantil e de Ensino Fundamental com gestão direta e mista e em 2013, os Centros de Educação Infantil também passaram a receber a PTS e incorporá-la aos cardápios. Hoje já são em torno de 900 mil alunos beneficiados com os cardápios vegetarianos em cerca de 2.700 unidades educacionais (base: setembro/2013).
Mas e a proteína da carne? Meu filho ficará com carência de proteínas?
A nutricionista Helena esclarece “Analisando o impacto nutricional da substituição da carne bovina pela PTS, constatou-se que a proteína de soja consiste em uma proteína de alto valor biológico associada a baixo teor de gordura, sendo, portanto, uma boa opção de preparação proteica para aumentar a diversidade dos cardápios. A frequência deste alimento no cardápio é quinzenal, e a determinação do porcionamento das preparações teve como critério o atendimento das necessidades proteicas do aluno, por faixa etária. Quando se implantou a PTS no cardápio associamos com uma sobremesa fonte de vitamina C na mesma refeição para aumentar a biodisponibilidade do ferro presente neste alimento”.
Ano passado, foi lançado o livro “Merenda Vegetariana”, que foi produzido para ajudar na divulgação e implantação da campanha Segunda Sem Carne (SSC), hoje adotada em São Paulo, Curitiba, Niterói e outras cidades, além do Distrito Federal. Hoje centenas de escolas oferecem uma merenda vegetariana ao menos uma vez por semana. No município de São Paulo, mais de mil unidades educacionais são contempladas com o programa, representando milhões de refeições livres de ingredientes de origem animal por mês. A jornalista e coordenadora do departamento de Publicações da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), Raquel Ribeiro, explica “Para que essas escolas não apenas tirem a carne, nesse livro ensinamos 102 pratos saborosos e incentivamos os alunos e toda equipe escolar a “descobrir novos sabores”. Esse, aliás, é o lema da campanha. O livro ainda fornece informações sobre os benefícios da dieta para a saúde, sobre os impactos ambientais da produção de carne e sobre ética/respeito/tolerância pelas escolhas individuais, propiciando conversas e debates sobre essa opção alimentar”.
Ela diz ainda que uma alimentação vegetariana é de baixo custo e fácil acesso, pois o maior gasto do vegetariano costuma ser na feira. Legumes, grãos, frutas e cereais são a base da alimentação – e são os mesmos ingredientes usados por não-vegetarianos. A diferença é que não gastamos com a compra de carne, leite e queijos. Assim, podemos consumir castanhas, cogumelos, palmito e alcachofra, por exemplo. Ingredientes mais difíceis de encontrar, como os leites vegetais, podem ser preparados na escola. Ela conta que no livro além de conter essas receitas, também são sugeridas várias atividades, como o passeio pela feira. Dar oportunidade para o aluno pegar, cheirar, provar os alimentos desperta seu interesse pelo novo. Dependendo da feira, há desde frutas exóticas a pratos regionais (caso da tapioca); ou seja, ela é um laboratório vivo. Também são interessantes, as oficinas culinárias para turmas de todas as idades: as crianças adoram comer o que fazem. Mas como implantar um cardápio “mais vegetariano”?
Raquel dá a dica “A melhor forma de adotar a campanha é deixando de oferecer produtos de origem animal, substituindo-os por alimentos de origem vegetal. Se é a escola que fornece a alimentação, basta a nutricionista responsável fazer a substituição; se há cantina, deve-se pedir ao fornecedor para não oferecer carne e derivados e/ou facilitar o consumo de produtos vegetais (com alimentos atraentes e por um bom preço). Também sugerimos o envio de material informativo aos pais e responsáveis, incentivando-os a colocar na lancheira alimentos adequados ao movimento. Essas são as diretrizes básicas, mas a SSC é flexível e adaptável para todas as realidades; e a coordenação da campanha está aberta para estudar junto aos administradores da escola a melhor forma de adotá-la. A SVB ainda oferece periodicamente treinamentos com médico nutrólogo e chefe de cozinha para as instituições que desejam capacitar sua equipe na alimentação escolar vegetariana. Vale lembrar que o principal foco do Merenda Vegetariana são as escolas, mas creches, universidades, hospitais, casas de detenção ou simplesmente pais que querem ensinar hábitos alimentares saudáveis a seus filhos podem usar as receitas”.
Cila Omine, nutricionista de uma conceituada empresa fornecedora de merenda escolar, dá dicas de como seduzir o paladar infantil, dizendo que o visual é muito importante para as crianças, por isso um prato colorido e interessante pode fazer realmente a diferença. “Além de oferecer alimentos variados, devemos procurar variar as formas de preparo, principalmente das frutas legumes e verduras, cuja aceitação geralmente não é satisfatória. A alface um dia pode ser oferecida na salada e no outro pode ser adicionado a um delicioso “bolo de maçã com alface”, a beterraba pode ser colocada no arroz o que o deixará rosinha e poderá despertar o interesse da criança, os legumes podem ser adicionados às tortas e as verduras podem ser adicionadas a sucos, o de couve-manteiga com maracujá é uma ótima opção e os pequenos vão adorar saber que esse é o suco do “Hulk”. O visual é importante e a atitude de quem está oferecendo esses alimentos à criança também é decisiva na sua aceitação, por mais que você não goste do alimento que está oferecendo, não “torça o nariz” nem diga que não gosta, pois isso irá influenciar diretamente à aceitação da criança. Vale contar histórias e transformar a sopa de legumes em uma interessante poção mágica”. Ela comenta que
As crianças tendem a preferir alimentos com alta quantidade de carboidrato, açúcar, gordura e sal pela melhor palatabilidade e geralmente possuem baixo consumo de alimentos como vegetais e frutas, se comparados às quantidades recomendadas. Diante desta situação, a família desempenha papel crucial na formação dos hábitos alimentares e há algumas atitudes que devem ser tomadas. Primeiro, o exemplo dado em casa é tudo. A criança precisa ver a sua família consumindo alimentos saudáveis, não espere que a criança prefira água e sucos de frutas se a família costuma consumir refrigerantes.
Cila Omine diz que é importante procurar envolver a criança nas tarefas que incluam as compras e a preparação das refeições, como levá-la ao mercado ou feira, e da elaboração dos pratos, tomando cuidado para não causar acidentes. Por fim, tentem sempre que possível sentar-se à mesa juntos para realizar as refeições. Pesquisadores da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, descobriram que as crianças que faziam as suas refeições em família, comiam maiores quantidades de frutas, vegetais, leguminosas e alimentos ricos em nutrientes do que aqueles que comiam separados das suas famílias. Além disso, a hora da refeição representa um momento em que os familiares têm a oportunidade de conversar, trocar experiências e aprender uns com os outros.
Saiba mais
Helena Maria Novaretti Ferreira – daecardápio@prefeitura.sp.gov.br
Raquel Ribeiro – raquel.ri@uol.com.br
Cila Omine – nutrico@nutrico.com.br