Vivemos tempos de verdades líquidas e de inverdades multiplicadas nas redes digitais. São tempos paradoxais: por um lado, caem velhos paradigmas e novos surgem ampliando as liberdades individuais e de grupos minorizados; por outro, entretanto, a mesma rede mundial que amplia nosso poder de expressão potencializa grupos de intolerância, muitos dos quais sustentados em notícias falsas, fabricadas com o único intuito de atacar, ameaçar, destruir.
Zygmunt Bauman nos trouxe o entendimento das “verdades fluidas” que se moldam e mudam de maneira efêmera, e podemos somar a esta teoria riquíssima do sociólogo polonês os pertinentes trabalhos da chamada “escola canadense” nas ciências da comunicação, cujo ícone Marshall McLuhan nos trouxe a máxima “Os homens criam as ferramentas e as ferramentas recriam os homens”, uma visão perfeitamente adaptável à era da internet das coisas e de smartphones quase acoplados a todas as nossas ações.
Na liquidez que escorre pelos códigos binários da internet, aumentam as liberdades, mas diminui a segurança e diluem-se as “verdades” num contexto que nos faz sentir numa temporada de “Black Mirror”. Estamos tão conectados por meio das máquinas, mas ainda não totalmente capazes de exercer nossa humanidade com relações empáticas, respeitosas e em pluralidade.
Tudo isso está escancarado em nossas salas de aula. O celular, as conexões digitais, o “fake news”, os velhos paradigmas que caem e os novos que surgem, a efemeridade das relações, a angústia diante de inseguranças, as diferenças que eclodem e as intolerâncias com que se reagem a elas… Perguntamo-nos: o que fazer? Recorro ao mestre dos mestres de nossa área de missão e seu grande ensinamento. Sim, Paulo Freire. E, sim, autonomia (mais especificamente educar para a autonomia).
Para ser autônomo em qualquer tempo é necessário, antes de tudo, entendê-lo. Precisamos, então, compreender que muitos dos velhos modelos, de “verdades” duras e impostas, não mais cabem nos dias de hoje. Acima do digital e do fluido, o tempo de hoje é o tempo das diferenças que se escancaram não só na internet, mas também em nossas escolas. E o melhor caminho para educar para a autonomia é semear conhecimento para fazer brotar a empatia e a convivência.
Francis Wollf, filósofo francês, nos convida a entender a diferença entre civilização e barbárie nos dias de hoje, convidando-nos a tratar como bárbaro aquele que quer eliminar o outro apenas por ele ser diferente. Civilizado, portanto, é aquele que convive com o outro, seja ele quem for, e o respeita do jeito que ele é.
Educar para a civilidade e para a cidadania (emprestando o pensamento de Wolff), gerando autonomia, é ensinar que a diferença faz parte da essência humana, e que ela não está apenas no outro, porque está em cada um de nós (recorro, aqui, ao brasileiro Reinaldo Bulgarelli, referência em temas da diversidade). E, mais que isso, é preciso esclarecer que a aceitação do outro não muda o que somos nem nos atinge, porque só nas diferenças se faz uma sociedade.
Pode parecer ainda mais paradoxal, mas os tempos líquidos e digitais podem contribuir para que sejamos mais que uma escola, uma universidade, uma unidade de ensino: precisamos ser um polo de conhecimento e transformação, comprometido em transformar não apenas o “intramuros”, mas também o entorno, a sociedade, usando tanto as relações virtuais como as reais. Como? Com coragem para superar os velhos conceitos e utilizando das novas ferramentas para que elas nos recriem melhores do que já fomos e do que somos.
Marcos Brogna é professor universitário, autor da “Trilogia Contemporânea” (Liberdade, Diversidade e Sustentabilidade) e co-autor de “Diversidade e Sexualidade”, gestor de comunicação da OPEE Educação, formado em jornalismo e pós-graduado em Comunicação.