Matéria publicada na edição 65 | Fevereiro 2011 – ver na edição online
Em busca da profissionalização
No momento em que o governo defende mais qualidade e a profissionalização do segmento no Brasil, os gestores privados enfrentam dificuldades com a má formação da mão de obra, a deficiência em orientação e a falta de apoio. E acabam investindo em políticas próprias de capacitação. Segundo a especialista Zilma de Moraes Ramos de Oliveira, “quem passar a entender mais de bebê vai dar o maior salto em Educação Infantil” no País.
Logo depois da posse da presidente Dilma Rousseff, no dia 1º deste ano, o ministro da Educação, Fernando Haddad, que permaneceu à frente do cargo, destacou em entrevistas à imprensa o compromisso de trabalhar para alterar o perfil da Educação Infantil no Brasil. “É preciso mudar o ambiente da creche, da pré-escola, fortalecer essas unidades como estabelecimentos de ensino”, declarou Haddad ao jornal O Globo, em um recado não apenas à rede pública, mas ao conjunto das instituições. A declaração sinaliza uma mudança de conceito, em que o assistencialismo deve sair de cena e dar lugar à profissionalização e ao investimento em qualidade, explica Zilma de Moraes Ramos de Oliveira, uma das principais especialistas da área no Brasil.
Segundo Zilma, “ainda há muitos leigos na Educação Infantil, não basta ter o perfil maternal, é preciso formação de educador”. Professora aposentada Livre Docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, coordenadora da pós-graduação em Gestão Pedagógica e Formação em Educação Infantil do Instituto Superior de Educação Vera Cruz e consultora do MEC, Zilma destaca a necessidade de entender e trabalhar o segmento enquanto “espaço de educação e aprendizagem, principalmente na rede pública”. “Hoje não se separa o cuidar do educar”, ressalta a especialista. O que deixa dois grandes desafios aos gestores, conforme indica Zilma: proporcionar a formação continuada da equipe e estabelecer uma boa relação com a família.
Para a gestora e educadora Fernanda Teixeira, que há cinco anos adquiriu a Escola de Educação Infantil Capítulo 1, localizada na Vila Mariana, zona Sul de São Paulo, a imagem das escolas enquanto locais de brincadeiras e passatempo das crianças mantém-se forte na sociedade, especialmente entre os familiares e também junto aos profissionais, independente se da rede pública ou privada. “Está faltando conscientizar pais e docentes de que o foco da Educação Infantil é, na verdade, a aprendizagem, mesmo que esta ocorra pelo lado lúdico. Pois toda a base de formação da criança é construída nesta fase da vida, quando se desenvolve a personalidade e se estrutura o seu lado emocional, a sociabilidade, o convívio com as regras e a noção de cidadania”, diz.
CARÊNCIAS
Assim, enquanto gestora, Fernanda precisa investir constantemente em dois públicos, além dos próprios bebês e alunos: nos profissionais e nos familiares. Entre esses, o foco é a organização de agendas que lhes permitam acompanhar os projetos desenvolvidos junto às crianças, “para que compreendam nosso trabalho, que percebam que estamos articulando, a partir de alguns temas geradores, conhecimentos em Matemática e Linguagens, entre outros”. Quanto aos educadores, são desenvolvidas duas linhas de ação. “Do ponto de vista externo, custeamos integralmente cursos de formação e metade da pós-graduação. Internamente, promovemos reuniões pedagógicas e grupos de estudos”, relata Fernanda. No ano passado, por exemplo, o objeto de discussão foi como abordar a Matemática junto às crianças pequenas, o que levou a equipe a fazer levantamento de material de apoio, analisar textos e a contratar uma consultoria externa especializada em jogos. “Temos que fazer essa reciclagem o tempo todo”, comenta a gestora.
De acordo com a consultora Zilma de Moraes, uma das principais carências em formação profissional no Brasil recai sobre educadores que trabalhem com a faixa etária de zero aos dois anos de idade. “Há uma defasagem geral de conhecimento sobre a aprendizagem nesta idade, precisamos conhecer e debater como acontecem as interações entre os bebês e qual o papel do faz de conta e do brincar sobre esta aprendizagem.” Zilma acrescenta que existe “pouca informação sobre os processos de apreensão de estímulos”’. “Sabemos que a criança é ativa e interativa e age desde cedo, que o bebê constrói significado desde pequeno. Ele não constrói conceito, mas precisamos aprender o que o bebê está entendendo da situação que está vivenciando e o que está significando em torno disso”, explica Zilma. “A carinha do bebê indica o quê? O educador muitas vezes desconhece isso e trata o bebê como mamífero. Quem passar a entender mais de bebê vai dar o maior salto em Educação Infantil”, prevê a especialista.
De outro lado, Zilma de Moraes aponta que a falta de profissionais “formados e ‘bem formados’ é problema geral na rede pública e privada”. “Ambas precisam de professor especializado de 0 a 3 anos, de 3 anos a 5, etc.”, diz. Ela defende a formação interdisciplinar, de um profissional que saiba trabalhar com o desenho, o faz de conta e que possa, na pré-alfabetização, por exemplo, na idade entre 4 e 5 anos, “fazer a aproximação da criança com a língua sem ficar preocupado com o domínio do código escrito”. “Ele deve despertar a sua curiosidade, tirar o medo e estimulá-la a escrever de seu próprio jeito, pois aos 6 e 7 anos o aluno percebe como o adulto escreve e passa a querer fazer igual.”
Entretanto, sem apoio técnico e logístico nem subsídios da estrutura pública – estados e municípios mantêm programas de capacitação, entre outros recursos voltados aos docentes de suas redes -, o gestor privado acaba tendo que investir nesta formação. No caso de Fernanda Teixeira, a escola chegou mesmo a promover o preparo de seus educadores para lidarem com três casos de inclusão em sala de aula (dois alunos com diagnóstico de autismo e outro com uma síndrome neurológica degenerativa), além de contratar os serviços de uma terapeuta ocupacional e de uma fisioterapeuta. “A professora tem que estar preparada para fazer uma intervenção individualizada em cada caso, mas sem tirar este aluno do grupo nem diferenciar as atividades”, explica Fernanda. Já o Colégio Criativo, uma das principais instituições de ensino privado de Marília, Interior de São Paulo, resolveu estabelecer uma parceria com uma universidade local, para que os graduandos de Pedagogia possam fazer estágios em sala de aula, junto aos professores da Educação Infantil e anos iniciais do Fundamental. “Temos que qualificar, profissionalizar, pois eles saem muito crus do ensino superior. Esses alunos ficam até três anos conosco, como estagiários e, quando estão prontos, são contratados como auxiliares de sala e, depois de mais dois anos, como professores”, afirma o diretor administrativo Érico Assuino, que exerce a função há 30 anos.
COMO FECHAR A CONTA
O interessante é que, no caso do Criativo, a solução não implica em custos maiores, já que os estagiários não entram na folha de pagamentos convencional. “Acaba sendo benéfico para a escola e, para o futuro professor, uma ótima oportunidade”, diz. Érico Assuino reconhece, entretanto, que os professores, em comparação a outras categorias profissionais, são mal remunerados e isso desestimula a formação de bons quadros. Por outro lado, se houver mudança do padrão salarial, a escola terá dificuldades em repassar os custos, “pois aí ficarei fora do mercado”. “A escola privada é mal assessorada pelo governo e muito tributada. Cumpre com uma função do Estado e ainda paga por isso.” Segundo ele, a Educação Infantil representa um custo muito elevado para as mantenedoras, inferior apenas ao do Ensino Médio. Somente um controle minucioso dos gastos permite aos gestores da Escola Capítulo 1 fecharem (e bem) as contas ao final do mês. Fernanda Teixeira, graduada em Pedagogia e Psicologia, especializada em alfabetização, adquiriu a escola há cinco anos com apenas oito alunos. Hoje, com 100 crianças que frequentam desde o berçário ao 1º ano, Fernanda abriu o Ensino Fundamental 1 e mudou de casa. Reformou um espaço de 1.700 metros quadrados próximo à antiga sede, com recursos gerados pela própria escola. Além dos gastos controlados na ponta do lápis, conta com o apoio de uma diretora administrativa experiente, sua mãe, Vera Lúcia Bello, que chegou a ter três escolas na zona Sul, nos anos 90.
A “ESCOLA LEGAL”
As escolas que oferecem Educação Infantil (desde o berçário) no município de São Paulo devem cumprir com exigências amplas e rigorosas da Diretoria Regional de Educação, com base na Deliberação 04/09 e na Indicação 13/09 do Conselho Municipal da Educação, aprovadas pela Portaria 4.737/09. As demais instituições, de Ensino Fundamental e/ou Médio, mesmo que ofereçam a Educação Infantil, devem ter autorização da Secretaria Estadual de Educação.
Desde 2006, o Sieeesp mantém uma prática de certificação das mantenedoras que cumprem com as exigências legais, como forma de oferecer aos pais e familiares um garantia de que as condições mínimas de funcionamento estejam sendo cumpridas. Conforme o mais recente balanço publicado pelo Sindicato, das 936 instituições cadastradas, 695 receberam o selo “Escola Legal”, ou seja, estão agindo de acordo com as normas. Mais informações sobre o processo podem ser obtidas junto ao Departamento Pedagógico do Sieeesp, com Marlene Schneider (marlene@sieeesp.com.br ).
FUNDAMENTAL DE 9 ANOS PROVOCOU GRANDES MUDANÇAS
Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil no Brasil foram baixadas pelo Conselho Nacional da Educação em dezembro de 2009, processo que contou com a consultoria de Zilma de Moraes. Também o município de São Paulo estabeleceu, um pouco antes, em 2007, um novo Programa de Orientações Curriculares e Proposição de Expectativas de Aprendizagens para a área. Segundo Zilma, ambos os documentos apresentam parâmetros convergentes e, de maneira geral, operacionalizam mais as aprendizagens propostas às crianças. Mas a grande novidade trazida pelo documento federal foi a idade de ingresso obrigatório na pré-escola (4 ou 5 anos) e no 1º ano (6 anos), com a fixação da data de 31 de março para a complementação do mínimo exigido. Na prática, isso consolidou o Ensino Fundamental de nove anos e provocou grandes mudanças nas instituições de Educação Infantil, obrigando muitas delas a investirem neste ciclo, como aconteceu com a Escola Capítulo 1.
“As escolas de Educação Infantil perderam as salas dos alunos de seis anos e aí veio a decisão de abrir o Fundamental”, diz Fernanda Teixeira. No seu caso, a mudança de sede foi obrigatória, pois ela precisou disponibilizar, desde já, espaços para o ciclo completo. Fernanda critica a forma como o governo conduziu o processo. “Faltou orientação para as escolas e os professores, que precisam ter uma base para trabalhar essa transição com uma criança de seis anos.” A gestora anota que as mantenedoras estão “bem preparadas em termos de infraestrutura, mas que falta apoio governamental à Educação Infantil privada”. “Somos muito sozinhos, tudo o que sai é voltado para a escola pública, falta um direcionamento”, afirma.
Para Zilma de Moraes, o gestor privado deve correr atrás desses subsídios, consultando textos disponíveis nos sites, formando espaços de debates, como, por exemplo, grupos de estudos, e participando de cursos de especialização, “para que possamos aprender juntos, pois ainda não sabemos muita coisa sobre a aprendizagem nos anos iniciais de vida”. Por outro lado, as diretrizes ou os parâmetros consolidados na esfera pública têm como propósito estabelecer grandes linhas de trabalho, cabendo às escolas “planejarem esse aprendizado, já que a legislação dá autonomia a elas”. “As diretrizes orientam para que as escolas construam seu guia de trabalho, uma programação própria com os seus professores.”
De qualquer maneira, o MEC deverá publicar, em breve, um guia de orientações para o segmento, resultado de uma discussão pública aberta nos meses finais de 2010 pelo Ministério, a partir de onze textos produzidos por especialistas e publicados em sua página na internet. Zilma de Moraes, que contribuiu com um texto, revela que todo o material está sendo revisado pelos autores, considerando as dúvidas e/ou sugestões enviadas pelos internautas. Também em breve os ministérios da Saúde e Educação deverão reeditar, de forma conjunta, uma revisão da Portaria 321/1988, contendo novas regras sobre instalações e infraestrutura para as creches e pré-escolas.
Por Rosali Figueiredo
Saiba mais
ÉRICO ASSUÍNO
COLÉGIO CRIATIVO
www.criativo.com.br
eassuino@criativo.com.br
FERNANDA TEIXEIRA
ESCOLA CAPÍTULO 1
www.escolacapitulo1.com.br
capitulo.1@bol.com.br
NORMAS DA PREFEITURA DE SÃO PAULO PARA FUNCIONAMENTO E SUPERVISÃO DAS UNIDADES EDUCACIONAIS DE EDUCAÇÃO INFANTIL DA INICIATIVA PRIVADA
CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO/Protocolo
CME nº 32/98 (reautuado)
Indicação aprovada pela Portaria SME nº 4.737/09,
publicada no DOC de 20/10/09
www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/educacao/cme/deliberacoes__indic/index.php?p=441
RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 5, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2009
FIXA AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A
EDUCAÇÃO INFANTIL
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12992&Itemid=866]
ZILMA DE MORAES RAMOS DE OLIVEIRA