Ultimamente não é pouco comum encontrarmos, em um supermercado, por exemplo, a cena de uma criança impondo à sua mãe o que vai comprar e também não é pouco frequente ver os pais cedendo aos caprichos de seus filhos. Muitas destas crianças, espertas como só elas, afinal se encontram um de seus auges sinápticos, já ganham, no primeiro chilique, o objeto de seu desejo, que então passa a ser outro e mais outro…
Como poderíamos interpretar estas cenas? Apenas um chilique, falta de educação, imaturidade cerebral, novos tempos, geração alpha?
Na última década muitos estudos e pesquisas em Neurociências vêm, por um lado, confirmar muitas práticas educativas e, por outro, desmistificar outras. É inegável a importância e urgência em buscarmos informações relevantes acerca do desenvolvimento do cérebro para nortearmos a educação no século XXI. O cérebro é o órgão mais importante para nossas aprendizagens. É nele que se encontra nosso comando central.
Mas o que o cérebro tem a ver com a cena descrita acima?
Acompanhem comigo: uma criança nasce com quase 100 bilhões de neurônios e até chegar aos três anos de idade, já houve uma grande poda significativa destas células nervosas. Há uma nova grande poda na adolescência. Ora, o que são podas senão limites? Sim, o cérebro também precisa de limites para se desenvolver de modo saudável! Sim, o cérebro é programado para as possibilidades, mas também para os limites! Se uma criança, após o nascimento, continuar com os quase 100 bilhões será deficiente mental, por exemplo. Apenas esta informação da área da Neurociências já deve causar certo espanto nos pais muito permissivos, principalmente. O “não” para uma criança muitas vezes é a confirmação de sinapses “positivas”. O “não” é fortalecer sinapses competentes, de acordo com cada época do desenvolvimento neurocognitivo.
Há um estudo muito interessante, que inclusive teve um de seus vídeos veiculado no Youtube, sobre o controle de impulsos em crianças. Ou seja, controle de impulsos é uma competência que a criança desenvolve quando está sob o estímulo do limite. Conduzido por um cientista da Universidade de Stanford, foi desenvolvido em 1982, o início de tal pesquisa que tinha a proposta de estudar a capacidade de autocontrole de crianças entre 4 e 6 anos. Este estudo longitudinal teve 600 crianças submetidas a um teste no qual deveriam controlar sua vontade de comer um marshmellow delicioso colocado à sua frente, esperando passar um determinado tempo para então ganhar outro. Após alguns anos foram investigar como foram seus desempenhos escolares e, mais tarde, desempenhos no vestibular. O que acha que aconteceu com a criança que não conseguia controlar sua vontade em saborear o doce? E com a criança que conseguiu controlar seu impulso? Lógico que a segunda conseguiu ganhar outro doce. Mas do ponto de vista de seu desempenho cognitivo esta última obteve maior competência na vida acadêmica. Logo esta é uma das pesquisas que corroboram com a necessidade de treinar na criança sua capacidade de autocontrole, afinal esta função está localizada em uma região do cérebro, no pré-frontal, que só termina de se formar por volta dos 28 anos.
Sabendo que esta região do cérebro precisa ser estimulada desde cedo para ao final do processo de desenvolvimento cerebral estar plena de suas capacitações, é que eu volto à pergunta inicial e ainda coloco mais uma: será que não é também importante darmos limites claros e competentes para que as crianças desenvolvam suas habilidades cerebrais de modo mais eficiente? Sei que não é uma tarefa fácil, mas quem disse que o que realmente vale a pena, é fácil? Talvez seja mais fácil dizer um “não” para os chiliques e para o que não é saudável.
Por Adriana Fóz*
Ministra cursos e palestras por todo o Brasil sobre temas relacionados à neurociência na educação em suas diversas vertentes. Recentemente leva a palestra “Plasticidade Emocional” para o mundo corporativo, instituições e escolas. Em dezembro de 2012 lançou o livro “A Cura do Cérebro” (Editora Novo Século, 2012), onde narra a sua história de superação após sofrer um AVC (Acidente Vascular Cerebral).
Mais informações:
(*) Plasticidade Emocional – conceito de sua autoria que se caracteriza por um conjunto de ações capaz de levar a pessoa com pequena ou grande limitação, física ou emocional, recuperar capacidades e conquistar competências.