Matéria publicada na edição 04 | Maio 2005 – ver na edição online
Por uma escola boa para todos
Para a especialista em inclusão, somente a formação continuada da equipe e o preparo de toda a comunidade escolar garante a adaptação de alunos com deficiências em salas regulares.
Por Luiza Oliva
Quando a inclusão ainda não era lei, Rejane Maria Dantas Maia, diretora pedagógica do Colégio Apoio, de Recife, já propunha em sua escola a implementação de um programa de educação inclusiva. Pedagoga com habilitação em Supervisão Educacional e Administração Escolar, pós-graduada em Construtivismo e Educação, Rejane foi uma das palestrantes do Congresso Educador 2005, com o tema “Inclusão: uma escola, de fato, para todos”. Rejane procura desmistificar o fato de que, para receber alunos com deficiências, a escola precisa ser especialista no assunto. “O fato de não ser especialista não justifica uma escola não receber essas crianças. Para aceitá-las é preciso ser educador. Senão, quem irá educá-las?”, questiona.
Para Rejane, o princípio da inclusão pressupõe uma escola boa para todos, inclusive para aqueles que não têm uma deficiência física ou mental mas que atravessam uma fase da vida em que demandam um cuidado real. “Alunos com dislexia ou distúrbios de conduta, por exemplo, sempre existiram e não eram tratados como especiais. Hoje, eles são olhados como alunos com necessidades especiais circunstanciais, o que é diferente de uma deficiência. São crianças que circunstancialmente, ou por questões de saúde ou porque vivem um episódio difícil na família, podem precisar de um cuidado diferenciado”, argumenta.
Acostumada a dar palestras sobre o assunto, Rejane comenta que hoje há muito mais fontes de informações para as escolas interessadas em se adequar a legislação e adotar a inclusão. Há 20 anos, quando ela iniciou o trabalho em sua escola, a preocupação com o assunto praticamente era inexistente. “A inclusão se dá quando todos estão contemplados. O olhar da escola deve ser para atender bem a diversidade de maneira geral, não só os deficientes”, resume. Leia, a seguir, a entrevista que a especialista concedeu a Revista Direcional Escolas.
DIRECIONAL ESCOLAS – Qual a maior dificuldade encontrada por uma escola ao tentar implantar a inclusão: o treinamento de seus professores e funcionários, a questão da acessibilidade do espaço físico ou a aceitação por parte da comunidade escolar (pais e outros alunos)?
REJANE MAIA – A grande dificuldade está na postura, na atitude das pessoas diante da inclusão, que deve ser construída na escola com um clima de naturalidade. No início, nosso colégio não era adaptado a deficientes. Não tinha rampas nem banheiros adaptados, mas tínhamos um desejo grande de atender essas crianças. A inclusão sempre foi a minha paixão. Dou assessoria inclusive para a rede pública de ensino, para não parecer que somos o único colégio a realizar a inclusão. Somos um grupo com compromisso e responsabilidade social, não com pena das crianças com deficiências. Mas é claro que é preciso uma equipe competente para realizá-la e não apenas vontade. Tento desmistificar o medo que muitos professores têm de ensinar alunos com deficiência. Quem tem que ensinar essas crianças é o educador, o professor. Não é preciso ser um especialista. É claro que quanto mais preparado estiver, melhor será o resultado. Hoje, há inúmeros eventos que têm dado espaço para a discussão da inclusão. Mas, se a disposição afetiva do professor não mudar, de nada adianta estudar e se preparar. No Colégio Apoio fazemos um trabalho com os professores. Há pessoas mais frágeis, mais sensibilizadas, às vezes por algum caso na própria família. Temos um espaço de escuta do professor, onde ele pode falar dos seus anseios e medos. Cuidamos da nossa equipe. Eventualmente convidamos um especialista em alguma área para enriquecer o grupo. Mas, no dia-a-dia é a força da equipe que nos move e nos faz superar as dificuldades.
A deficiência apresentada pelo aluno e seu grau de comprometimento interferem na possibilidade ou não desse aluno se adaptar a uma escola comum?
Em pouquíssimos casos, sim. Isso ocorre quando percebemos a inviabilidade de uma convivência coletiva segura, devido a sérios transtornos de conduta. Porém, na maioria dos casos, a inclusão é possível e, para nós, desejável. No Colégio Apoio temos 70 crianças inclusas. Apenas dez crianças freqüentam o que chamamos de classes integradas. Uma classe é para os alfabetizados e outra para os não alfabetizados. Essas dez crianças, por diversos fatores, não têm condições de realizar tarefas dentro de uma classe comum. Elas participam de todas as atividades que a escola oferece, mas na hora da aprendizagem ficam num espaço separado.
Em que circunstâncias a escola pode recusar um aluno com deficiência?
A limitação que pode fazer com que uma escola inclusiva não receba determinado aluno é o número de vagas destinado (e necessário de ser respeitado) em cada turma para alunos com necessidades educacionais especiais. Defendemos que esse número não deveria extrapolar 10% dos alunos da turma, a fim de que se possa oferecer um ensino adaptado às diferentes demandas individuais. Reforço, porém, que cada caso é único e deve ser analisado criteriosamente nas suas especificidades.
Há uma diferença entre integração e inclusão. Na integração, há alunos com deficiência segregados em classes especiais e escolas especiais. A senhora vê muitas escolas adotando a integração, ao invés da inclusão?
Percebo que o que ainda há é um bom número de escolas que nem inclui nem integra alunos com necessidades educacionais especiais, com alegações as mais diversas para não fazê-lo, apesar da obrigatoriedade de se fazer a inclusão ou, no mínimo, a integração nos dias de hoje. Acredito que o número de escolas que realizam exclusivamente a integração, mantendo classes especiais, decresce a cada dia, em função da própria pressão dos pais, que estão mais conscientes e melhor informados sobre os direitos dos seus filhos e sobre os benefícios da inclusão para o seu desenvolvimento integral.
Há preconceito contra a inclusão, por parte dos pais e dos próprios alunos?
Apesar da nossa sociedade, como um todo, ser ainda bastante excludente, constatamos que nas escolas, se o preconceito ainda existe, é cada vez menos expresso e creio que, também, menos sentido. No início de nossa escola, precisávamos justificar para os pais a presença das crianças com deficiências no colégio. Hoje, os pais novos já chegam até nós conhecendo a cultura da escola. Há, atualmente, uma consciência mais ampliada para as questões dos direitos humanos e sociais. As novas leis educacionais e a própria mídia têm contribuído para isso. De modo geral, existem dúvidas quanto aos possíveis prejuízos pedagógicos que as crianças e adolescentes que não apresentam necessidades educacionais especiais podem vir a ter quando na sua classe há colegas com tais necessidades. Alguns pais nos questionam, por exemplo, sobre crianças que imitam aqueles alunos que falam errado, pela sua deficiência. Explicamos que, por brincadeira, eles podem até copiar o que fala errado, mas que isso não causará nenhum dano a ele. A escola precisa prestar esclarecimentos para a família. Chegamos até a conversar na classe para que a turma entenda a limitação do outro. No caso de crianças pequenas, de até cinco anos, isso não é necessário, porque elas vêm a diferença como um atributo, uma característica daquela criança. Já os maiores questionam porque o outro é diferente. Na nossa longa experiência de mais de 20 anos trabalhando com inclusão, concluímos que quando a escola dá respostas satisfatórias nesse sentido, com esclarecimentos tranqüilizadores e bem fundamentados, a aceitação e reconhecimento da importância da inclusão para todos os alunos é o que prevalece.
Como são tratados a fixação de conteúdos e a aprendizagem para os alunos com deficiência?
Pelo fato de priorizarmos a aprendizagem de todos os alunos, respeitando as possibilidades e limites individuais, organizamos atividades diferenciadas, tanto para a introdução, como para a sistematização e fixação dos diferentes conteúdos, quer sejam conceituais, procedimentais ou atitudinais, procurando elaborá-las a partir dos mesmos temas que estão sendo trabalhados com a classe como um todo. Ampliamos o tempo para que eles realizem as tarefas; reduzimos a quantidade de propostas, prestamos as ajudas adaptadas necessárias, lançando mão de profissionais de apoio, quando necessário; dialogamos freqüentemente com as famílias e os especialistas que também atuam junto ao aluno, na busca de uma ação conjunta; investimos na construção de consensos quanto às intervenções importantes a serem adotadas tanto na escola quanto na família e, principalmente, realizamos um processo avaliativo diferenciado que contemple mais as possibilidades que as dificuldades dos alunos, que são, na maioria, bem acentuadas.
Na sua opinião, como caminha a inclusão nas escolas particulares brasileiras? As maiores dificuldades são encontradas no trabalho com qual faixa etária de alunos?
Percebo uma crescente busca dos profissionais dessas instituições por estudos e cursos sobre necessidades educacionais especiais, por estabelecer trocas com outros profissionais com maior experiência em inclusão. Somos cada vez mais procurados para isso. Constato, também, com alegria, grandes avanços e uma maior abertura para a aceitação das diferenças e para o atendimento delas nas escolas, não apenas de forma assistencialista, movida por sentimentos de compaixão e solidariedade, mas de forma profissionalmente competente, comprometida, por se reconhecer que a escola de qualidade, na atualidade, precisa, de fato, ser inclusiva. Percebo que há uma maior dificuldade de se realizar com êxito a inclusão em turmas de 5ª a 8ª séries, de adolescentes – no nosso caso particular, estamos avançando muito no trabalho com essa faixa etária – e nas turmas do Ensino Médio. Nas turmas dos adolescentes as dificuldades são maiores. Algumas vezes, uma criança bem incluída na escola quando entra na adolescência enfrenta problemas.
O fato de uma escola propor-se inclusiva aumenta seus custos? Há necessidade de treinamentos ou maior número de funcionários que podem tornar o processo inviável financeiramente?
De fato, a inclusão demanda investimentos diferenciados que implicam em custos adicionais. Por exemplo, a contratação de profissionais de apoio para determinados alunos, como é o caso de auxiliares de classe particulares, devido às limitações físicas dos que não se locomovem em cadeiras de rodas, e de um professor acompanhante pedagógico específico para uma ou duas crianças da turma, com maiores demandas ao nível comportamental. Esse professor acompanhante dá um suporte para que aquela criança não fique apenas numericamente na sala. Há ainda necessidade de outros profissionais, como professores itinerantes, psicopedagogos e outros, que atuem junto ao Serviço de Orientação Psicopedagógica do colégio.
Toda escola que faça a opção democrática e humanamente acertada em prol da inclusão precisa fortalecer uma parceria construtiva com as famílias dos alunos incluídos, que deverão colaborar de forma diferenciada para a viabilização desses custos extras e indispensáveis. No Apoio, os pais só pagam uma porcentagem além dos outros quando seu filho tem a necessidade de um funcionário só para ele. Não aceito que as famílias mandem as babás de casa. Contrato um funcionário da escola, específico para aquela criança, e a escola paga todos os custos, trabalhistas inclusive. A família apenas contribui com um porcentual do salário. Temos na escola oito crianças que necessitam desse tipo de auxiliar particular.
É necessário não só contratar mais funcionários mas, acima de tudo, investir num projeto de formação continuada de toda a equipe, Os custos dessa qualificação profissional, no nosso entender, devem ser contemplados no planejamento financeiro da instituição e assumidos por toda a comunidade de pais.
Contatos com Rejane Maia: apoio@colegioapoio.g12.br e www.colegioapoio.g12.br