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Especial Educação — A família na escola: afinando objetivos e ajustando papéis

Matéria publicada na edição 76 | Março 2012 – ver na edição online

Duas especialistas indicam que as escolas podem ajudar os pais a retomarem a educação de base de seus filhos, de forma a lhes passar o valor e o estímulo pelo conhecimento. Mas que os papéis de ambos devem estar bem claros e que haja sintonia com a proposta pedagógica. As instituições precisam ainda estabelecer agendas adequadas ao ritmo de vida dos pais. 

 Por Rosali Figueiredo

Edições anteriores da Revista Direcional Escolas relatam experiências de escolas públicas e privadas em prol de uma aproximação maior e da parceria com os familiares dos alunos. Seja porque a relação, muitas vezes pautada por divergências, ocupe um lugar importante na aprendizagem (cabe à família estabelecer o sentido e o estimulo à educação), seja porque as instituições observam que o compartilhamento das atividades no ambiente das escolas representa uma importante oportunidade para ampliar o tempo e a qualidade do convívio dos pais com as crianças e os adolescentes, espaço atropelado hoje pela correria e nova configuração da família.

Mas pensar a família na escola é um contexto que pede antes a definição sobre a educação, a escola e a escolarização que querem, aponta Leny Magalhães Mrech, professora livre-docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), doutora em Psicologia Escolar. A pesquisadora observa uma situação bastante controversa na atualidade. Ao mesmo tempo em que grande parte das famílias abraça “pacotes educativos”, fortemente baseados na meritocracia e na capacitação do aluno para um mercado de trabalho que muda a todo o momento, “a educação pensa hoje o aluno no mundo”, compara Leny.

A professora da USP explica que “a educação superou a mera transmissão de conteúdos, o que fazia com que se pensasse de forma repetitiva. Agora temos que rever os papéis da própria educação, da escola, família, professores, alunos e da comunidade escolar”, aponta. O problema é que as escolas pertencentes ao que Leny define como “mercado do saber” não sabem manter uma interlocução que esteja além da apresentação dos resultados de desempenho. Outras esbarram ainda na dificuldade de pais e mães, muitas delas únicas provedoras do lar, em atender a uma agenda escolar restritiva em termos de horários e espaços de interlocução. Segundo observa a pesquisadora, escola deve envolver-se em um trabalho sistemático “de inclusão dessas famílias” em seu contexto, fazer “um chamamento à responsabilidade de todos nesse processo, e, infelizmente, se a família não estiver fazendo sua parte, cabe à escola sim fazer essa cobrança”. E dentro desta nova realidade, a família não pode mais “ser simplesmente convidada a ir de vez em quando para a escola”, mas ajudar a instituição “a se repensar”.

Para isso, no entanto, é preciso que a proposta pedagógica vá além do “pacote educativo” e que as famílias passem a desejar uma escola que não se paute em processos de exclusão dos alunos que não consigam um desempenho médio, pois, em geral, os que ficam acima ou abaixo da curva, acabam rejeitados. (Ver a reportagem completa no site da Direcional escolas).

ENTREVISTA / ISABEL PAROLIN

QUANDO ALERTADOS, PAIS “TORNAM-SE MAIS PRESENTES”

Por Luiza Oliva 

A psicopedagoga Isabel Parolin conhece muito bem família e escola, as duas instituições responsáveis para que crianças, jovens e adolescentes alcancem a tão sonhada aprendizagem. Pós-graduada em Psicodrama Pedagógico, Mestre em Psicologia da Educação, Isabel convive há anos com famílias em seu consultório em Curitiba e também corre o Brasil proferindo palestras a pais, alunos e educadores.

Da sua experiência, ela tira uma certeza: a escola não pode substituir a família. Mas tampouco deve transferir algumas de suas responsabilidades à família, como se observa em algumas situações. De qualquer forma, segundo Isabel, tem sido da escola a iniciativa de “clarear a diferença” entre esses papéis e é ela quem pode hoje auxiliar pais e mães a “melhorar sua forma de ser família”.

Revista Direcional Escolas – A aprendizagem formal é função da escola, mas a família tem delegado a ela outras tarefas. Como definir melhor os papéis atuais da escola e família?

Isabel Parolin  –  Essa linha divisória é tênue e requer mais que um “olhar competente” para distingui-la, requer a adição de uma boa dose de bom senso. O papel da família, dentre outros, é desenvolver o sentimento de pertença e autonomia, aprendizagens que promovem os sistemas autorregulatórios essenciais para que o aprendiz possa estar na escola de forma adequada. O papel da escola é, dentre outros, desenvolver e instrumentalizar o aprendiz frente ao conhecimento historicamente acumulado em nossa sociedade. Ambas as instituições, família e escola, têm a tarefa de promover desenvoltura, que é mais que conhecimento: é apropriação dos bens culturais para o desenvolvimento de um novo comportamento, que demonstre uma educação de melhor qualidade. Em outras palavras, a criança/adolescente precisa saber por que vai à escola e desenvolver bem o seu papel de aprendiz. Essas ações estão ligadas ao valor que a família reserva à escolarização e à construção do conhecimento.

A escola, parceira da família na construção do cidadão instrumentalizado para ser feliz, tem estratégias diferentes para atingir o objetivo comum a ambas. São parceiras e complementares, contudo uma não substitui o papel da outra. A escola muito fará para a construção do cidadão-aprendiz, no entanto, ela precisará de uma família atenta, disponível e presente. A linha divisória é construída no dia a dia e em relação direta com a família de seus alunos. Ambas deverão contratar como irão se relacionar e quais os limites de cada uma na tarefa de formação do filho/aprendiz.

Revista Direcional Escolas – As escolas têm reclamado que as famílias estão abandonando e terceirizando a educação dos filhos. Como fazê-las rever a importância de ensinar valores básicos às crianças?

Isabel Parolin Alertando-as e apontando melhores caminhos, promovendo reflexões. Existe um desconhecimento importante das famílias brasileiras (será apenas desconhecimento?): que a escola educará seus filhos de forma integral. Quanto melhor os pais qualificam a escola, mais eles esperam que ela faça o que eles não fazem. Existe uma tendência, sim, de a família transferir para a escola tarefas que são suas: “Professora, me ajude a convencer fulano a comer verduras.” Ou “Ele não dorme cedo de jeito nenhum, você pode convencê-lo a ir dormir cedo?” Ou ainda “O que está acontecendo com esse menino? Anda muito desobediente e avoado. Você sabe alguma coisa, professora?” No entanto, a recíproca não é muito diferente. A escola tem uma tendência também, de transferir para a família tarefas que são suas: “Precisamos que a senhora tenha uma conversa séria com seu filho, ele anda muito bagunceiro em sala de aula.” Ou “Seu filho foi mal na avaliação de Matemática. Favor tomar providências para a recuperação que acontecerá na próxima semana.” Ou ainda “Seu filho não entregou o trabalho.”

Enfim, apesar de algumas confusões e transferências de papéis, tem sido da escola a tarefa de clarear a diferença entre a educação que a escola promoverá da que ela não conseguirá promover, e ainda, da que a família deve desenvolver. Quando ambas as instituições não têm claro essa linha divisória, quem sai perdendo, certamente, é o aprendiz, pois começa um jogo de empurra e de transferência de responsabilidade desgastante para a escola, para a família e repercutindo na criança/jovem.  A minha experiência tem mostrado pais muito atarefados, apressados e desligados das minúcias da educação e que quando alertados, tornam-se mais presentes e conscientes. Por isso, sou tão favorável às reuniões de pais e à oferta de literatura específica objetivando relembrar valores, procedimentos e conceitos que favorecem melhores resultados. O fato é que a família tem tido, como grande parceira e conselheira, a escola de seus filhos e é nela que a família se alimenta e busca melhorar sua forma de ser família.

Revista Direcional Escolas – É uma queixa comum, tanto na rede pública como privada, a falta de comprometimento dos pais com reuniões e eventos na escola. Como levar a família para dentro da escola?

Isabel Parolin Não acredito que exista uma fórmula infalível, mas sei de procedimentos que costumam dar certo.  Vamos a alguns: vincular a entrega de pareceres avaliativos com uma palestra; chamar os pais para assistirem ou participarem de um evento cultural de seus filhos (apresentação de poesias, bandas, danças, música) junto com uma palestra para pais; fazer um encontro só para pais com temas escolhidos por eles. Sei que não funciona mandar o convite pela agenda, pois os pais não costumam ler convites dessa natureza. Eles comentam: “Eu não sabia que ia ter uma palestra…” Não sabia porque não leu na agenda. É preciso motivá-los, fazer barulho e movimento em torno do evento. Trabalhar com os alunos a importância dos pais virem às reuniões também funciona muito bem, pois os alunos ficam “no pé” dos pais. É interessante ter uma atividade para o aluno (teatro, apresentação de filme, gincana etc.) concomitante com o evento dos pais. Cafés da manhã, fim de tarde festivo com palestra, momentos de vivência em família, com tempo para trocas de experiências, também funcionam. Algumas escolas fazem reunião com os pais às 14h, reclamam seu não comparecimento e ainda os classificam de desinteressados! Bem, os pais trabalham e muitos deles não conseguem flexibilizar seus horários (lógico que há os que não querem sair da zona de conforto). É preciso estar atento e repensar algumas práticas que ficaram obsoletas e que acabam interferindo, de forma negativa, no bom andamento do processo escolar.

Revista Direcional Escolas – A escola tem dificuldades em lidar com os diversos formatos atuais de família? 

Isabel Parolin Ela não tem dificuldade de lidar com o formato das famílias atuais, ela tem dificuldade de trabalhar, de forma competente, com as famílias de modo geral. Claro que as formas diferentes de ser família hoje agravam o quadro, mas a dificuldade existe, quer as famílias sejam tipicamente tradicionais (pai, mãe e filhos) ou de novos formatos (pais divorciados, mães sozinhas, casais homoafetivos etc.). Ainda se fala em família “desestruturada” e “estruturada” como causa do fracasso escolar. De que estrutura se fala e lamenta? Hoje se trabalha com o conceito de família funcional e disfuncional, independente da formatação da família. Quem diz que sustenta, realmente sustenta? Quem diz que cuida, cuida mesmo? O aluno reconhece a autoridade deles? A família é funcional se cada um dos componentes desenvolver o seu papel de forma adequada.

 

Saiba mais

Isabel Parolin — Isabel Parolin é autora de inúmeros livros sobre o tema, entre eles Por que você não me obedece e Pais & Educadores – Quem tem tempo de educar? (ambos pela Editora Mediação) e Professores Formadores: a relação entre a Família, a Escola e a Aprendizagem (Pulso Editorial)
www.isabelparolin.com.br

 

Leny Magalhães Mrech
lenymrech@uol.com.br

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