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Especial — Hino Nacional Brasileiro

Matéria publicada na edição 57 | Abril 2010 – ver na edição online

Ensinando História, Geografia, Civismo e beleza poética.

Comemorado dia 13 deste mês, o Hino Nacional brasileiro representa um símbolo valioso para a aprendizagem multidisciplinar e a formação cidadã.

Por Rosali Figueiredo.

Os vocábulos “plácido, “fúlgido”, “brado”, “retumbante”, “penhor”, “impávido”, “vívido” e “florão”, alguns dos marcos inscritos no Hino Nacional Brasileiro, estão bem distantes do repertório utilizado hoje pelos estudantes e muitos de seus pais nas conversas e leituras diárias. Também expressões como “céu risonho” e “braço forte” remetem a uma conotação política bastante diferente da atual (ver quadro ao lado). “A falta de compreensão de parte do vocabulário e do contexto histórico tiram a ‘emoção’ do estudante ao cantar o Hino”, diagnostica a professora de música Maria Zei Biagioni, instrumentista e autora do livro “Hino Nacional Brasileiro” (Editora Fermata). No entanto Maria Zei revela-se sua grande admiradora e considera os versos escritos há mais de cem anos por Joaquim Osório Duque Estrada “uma belíssima harmonia acompanhando a melodia, formando o Hino mais bonito entre todos os países”. Música e letra, acrescenta, representam um valioso símbolo de criação de identidade entre o estudante e o País, além de um recurso de aprendizagem multidisciplinar, relacionado à História, Geografia, Literatura e Artes.

Dia 13 de abril homenageia o Hino Nacional Brasileiro, pois foi nesta data, em 1831, na partida de Dom Pedro I a Portugal, que a melodia de Francisco Manuel da Silva foi executada pela primeira vez, com letra de Ovídio Saraiva, segundo Maria Zei. A letra definitiva viria a ser oficializada às vésperas do centenário da Independência do Brasil, em 1922. Fora composta alguns anos antes, em 1909. Neste intervalo de cem anos, de 1822 e 1823, quando foi composta a música por Francisco Manuel, à oficialização da letra definitiva (em 1922), houve muitos percalços, como a tentativa de substituir a melodia em um concurso realizado em 1889, na proclamação da República. Após uma apresentação pública do que seria a nova versão, os brasileiros que assistiam à execução pediram o “velho Hino”. O presidente Marechal Deodoro da Fonseca disse, então, na ocasião, que também preferia “o velho”, lavrando posteriormente o decreto que oficializou a composição de Francisco Manuel.

“É importante mostrar aos alunos que o nosso Hino foi escolhido pelo povo em aclamação pública”, destaca Maria Zei. Segundo ela, não há dificuldade para aprender a interpretá-lo, desde que os professores “saibam cantar certo”. Maria Zei recomenda a eles trabalhar “a interpretação da letra, passando-a para a ordem direta, para que a beleza das mensagens seja entendida e, ao cantar, que os alunos entendam todo o significado”. Já o escritor Marcos Vinícius Lúcio, professor de Educação Física e oficial da Marinha brasileira, propõe em seu livro “Cantando o Hino Nacional”, lançado no ano passado pela Cortez Editora, trabalhar o significado dos vocábulos e expressões como forma de explorar toda a beleza poética e a riqueza da Língua Portuguesa presentes nas estrofes de Joaquim Osório.

Legislação

O Hino tornou-se símbolo nacional brasileiro pela Lei Federal no. 5.700, em 1971. Conforme o artigo 25, sua execução é obrigatória sempre por ocasião do hasteamento da Bandeira, a qual, por sua vez, segundo o item 14, deve ocorrer pelo menos uma vez por semana em todas as escolas públicas e particulares estabelecidas no País. Além disso, conforme o artigo 39, “é obrigatório o ensino do desenho e do significado da Bandeira Nacional, bem como do canto e da interpretação da letra do Hino Nacional em todos os estabelecimentos de ensino, públicos ou particulares, do primeiro e segundo graus”.

Uma nova Lei Federal (de no. 12.031), promulgada no ano passado a partir de um projeto proposto pelo deputado Lincoln Portela (PL/MG), modificou o artigo 39, colocando a obrigatoriedade de execução nos estabelecimentos de Ensino Fundamental. A pedagoga Regina Célia Sylvestre, do Departamento Pedagógico do SIEEESP (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo), aponta, entretanto, que o novo dispositivo gerou uma contradição. Pois mesmo ao incluir expressamente o Ensino Fundamental, a legislação não exime, porém, as instituições de Ensino Médio da execução semanal, já que o hasteamento permanece obrigatório para todos.

Segundo Regina Célia, cada escola deve definir a melhor maneira de cumprir com a legislação. O trabalho pedagógico pode ser realizado dentro da sala de aula, conforme o andamento do programa das disciplinas, e a execução atender, em esquema de rodízio, às diferentes etapas escolares. O mais importante, observa Regina, é encontrar um formato que permita corrigir a interpretação das palavras, incluindo a conjugação verbal e fonética adequadas. Regina Célia admite que trabalhar o tema com o Ensino Médio é mais “difícil”, “mas o aluno tem que ter o conhecimento, é inconcebível que uma pessoa não conheça o Hino do seu País”. De outro modo, a pedagoga questiona a eficácia da obrigatoriedade de execução semanal – “a escola é que deveria organizar a sua proposta”.

Responsabilidade cívica e social

Nas escolas do SESI em São Paulo, que inclui 180 unidades no Estado, a abordagem do Hino envolve três frentes de trabalho, afirma Maria José Zanardi Dias Castaldi, gerente de Educação da Rede Escolar da instituição. Cada unidade define o formato, mas em geral elas prevêem a execução semanal, o trabalho em sala de aula, especialmente dentro da disciplina de Língua Portuguesa, além do Projeto Institucional de Hasteamento da Bandeira e Culto à Pessoa Humana, atividade extracurricular vinculada ao Progrma CQV (Cidadania e Qualidade de Vida). Por meio do CQV, que envolve o Ensino Fundamental II, são abordadas as questões históricas e de interpretação.

“Para que tenhamos uma formação cidadã é importante criar a identidade com o País, com a comunidade e a sociedade, e isso se constrói à medida que a criança vai se apropriando de saberes, como os símbolos nacionais, entre eles a Bandeira e o Hino Nacional”, observa Maria José. “Ela vai percebendo que tem uma responsabilidade neste País, o qual se constitui das pessoas que aqui estão e não apenas das autoridades instituídas. A escola é o lócus privilegiado para ensinar esse conteúdo”, defende.

No CQV, professores e alunos realizam trabalhos junto à comunidade, conforme suas principais demandas, afirma a gerente da rede escolar. “O objetivo é desenvolver posturas como a responsabilidade social e a apropriação do empreendedorismo, no sentido de mostrar ao estudante que é possível gerar conhecimento por meio de buscas e pesquisas.” Eles costumam convidar uma personalidade da comunidade, muitas vezes ex-alunos da própria escola, para que dêem palestras e relatem a sua trajetória. Na unidade do SESI do Jardim Piratininga, em Osasco, por exemplo, os depoimentos são dados mensalmente, em cerimônias que envolvem o hasteamento da Bandeira e a execução do Hino, com a participação de todos os estudantes. Segundo a administradora da unidade, a pedagoga Rosemeire Soriano Zanini, o CQV é um projeto de construção da cidadania, conduzido por um professor auxiliar em horário invertido ao período de aulas.

Outras frentes de atividades com o Hino envolvem a execução semanal (“temos um cronograma que reveza as turmas da Educação Infantil ao Ensino Fundamental II, além dos horários”) e sala de aula. “Atingimos praticamente todas as séries e, conforme a faixa etária, utilizamos o livro ‘Juca Brasileiro e O Hino Nacional’ (de Patrícia Engel Secco, Editora Melhoramentos, 2001)”, diz Rosemeire. A administradora conta que na Educação Infantil, o Hino está presente nas rodas de conversa, nos desenhos e na simples audição da música; no Fundamental I, o professor de Língua Portuguesa desenvolve o estudo das estrofes; no Fundamental II, a abordagem é aprofundada e inclui também a disciplina de Artes (canto); e, finalmente, no Ensino Médio, “é apresentado o Hino no contexto de vida e de País”.

Abordagem multidisciplinar

A professora Maria Zei Biagioni sugere abaixo algumas possíveis abordagens em torno do Hino Nacional Brasileiro, para serem desenvolvidas dentro do programa curricular.

LITERATURA: destacar a forma poética (rimas, métrica e saudação literária), além da citação de versos de Gonçalves Dias;

HISTÓRIA: mostrar o Brasil Imperial, seu processo de Independência, o  I e II  Impérios e a República;

GEOGRAFIA: abordar a localização do Brasil no mundo e na América do Sul, comparando as proporções de tamanho, capitais e oceanos. Estudar as constelações e a localização do Cruzeiro do Sul, além da flora comparada a de outros países;

CIVISMO: trabalhar a saudação e a declaração de amor à Pátria;

ARTES: canto e desenho da Bandeira (com as proporções geométricas no Ensino Médio ), armas, brasões etc.

Compreensão do Hino

No livro “Cantando o Hino Nacional” (Cortez Editora, 2009), o autor Marcos Vinícius Lúcio lembra que a expressão “braço forte” refere-se ao processo de Independência, “proclamada contra a vontade de Portugal, de uma maneira um pouco forçada, meio na marra”. “Foi uma verdadeira queda de braço entre Brasil e Portugal, vencida por quem teve o ‘braço mais forte’.” A expressão “céu risonho”, por sua vez, representa uma figuração do “belo cenário” em que ocorreu a proclamação da Independência, “já que o céu resplandecia a imagem do cruzeiro”, sendo esta, por sua vez, outra metáfora. “Estamos falando da constelação do Cruzeiro do Sul, que sempre resplandece no nosso céu”.

A professora Maria Zei Biagioni comenta que um dos erros mais frequentes no canto do Hino é justamente colocar plural em “braço forte”, em que o desconhecimento da metáfora historicamente contextualizada projeta o entendimento equivocado de que a expressão está se referindo aos braços enquanto membros físicos.

Saiba Mais:

Maria Zei Biagioni
mariazei@hotmail.com

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