Tenho escutado muitos educadores em suas dores. Outro dia escutei um que dizia “eu não me sinto neste momento (de pandemia) vivendo, mas ‘sobre’vivendo”.
Acredito que o momento atual na educação é um convite para aprender sobre a arte de ESCUTAR e gostaria de convidar cada um de vocês – gestores e professores –a pensar/sentir sobre essa arte. Recentemente li um livro que se chama “À Escuta”, do filósofo Jean-Luc Nancy (2014), onde ele diz: “Escutar é inquietar-se. (…) É estar inclinado para um sentido possível, e consequentemente não imediatamente acessível” (p. 17). “Estar à escuta é sempre estar à beira do sentido, ou num sentido de borda e de extremidade, como se o som musicalmente escutado, quer dizer, recolhido e perscrutado por ele mesmo (…)”. Como estamos escutando neste momento de COVID-19, onde quase todos nós estamos em “isolamento” e afastamento social? Onde boa parte dos lúcidos assistem ao descaso político, o abandono das vidas humanas em detrimento do mercado. Onde a desigualdade social continua mantendo os mais pobres no subsolo da educação, enquanto os que tem mais oportunidades e acesso às tecnologias continuam saindo na frente.
Neste momento, o meu convite é: escutem os sentimentos tão amortecidos diante de uma realidade que todos nós participamos de uma forma ou de outra. O silêncio interior pode ser uma saída criativa para pensarmos as respostas rápidas e apressadas que muitas vezes emitimos, apesar da complexidade da situação. Como dizia T. S. Eliot, citado pelo querido e saudoso Rubem Alves (no livro “A Alegria de Ensinar”, 1994), “onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?”. Onde está a escuta frente a tantos barulhos e dizeres pedagógicos, leis, novas bases nacionais, ranking(s)? Quem vai escutar os professores?
Escutar primeiro a cada um de nós – só assim cuidaremos de nós e poderemos escutar o outro; escutar com tempo e tecendo o tempo de cada dia a nosso favor, sem pressa e conectados ao nosso aparelho chamado coração. Escutar é uma arte de esvaziar-se, de inquietar-se e, principalmente, a arte de desejar e ajudar a formar gerações melhores e mais sensíveis do que fomos. Certa vez, perguntaram a Francisco de Assis o segredo da santidade e ele respondeu: “Recomeçar a cada novo dia. Recomeçar sempre”. É esse recomeço que nos conectará como sujeitos desejosos, porém não santos, não é esta a nossa aposta. Nossa aposta é ajudar a formar gerações mais humanas, mais sensíveis e comprometidas com a causa de MUDAR o mundo atual.
É nessa educação que escuta e entende o processo, uma educação que toque o que cada um tem de melhor, que fale de arte, que seja destituída de opressão, e que deseje apresentar o mundo aos mais novos. Educar é incompatível com a pressa. Educar é fazer alianças e provocar a “parte” não doente daquele sujeito, é tocar naquilo que o fará despertar da sua surdez interior.
Portanto, escutar, nesse momento, é mais importante do que os métodos de avaliar e de classificar gerações, que não estão podendo ser escutadas em sua dor de existir.
É dessa forma que sigo no meio de uma pandemia: apostando na arte de ESCUTAR todos nós, sujeitos-professores, e de escutarmos sujeitos-alunos em sua experiência subjetiva e, quem sabe, reinaugurar um outro fazer pedagógico.
HOJE, lutamos para sermos escutados, mesmo que nos encontremos afastados socialmente. Não porque desejamos, mas porque a doença COVID-19 resolveu aparecer e se apossar do mundo, esse mundo em que todos nós, HUMANOS, achávamos que éramos donos e detentores de tudo que ali estava.
Para mim, tudo isso é esquisito demais e a única coisa que penso, hoje, é ensinar a escutar. E você?