Matéria publicada na edição 62 | Outubro 2010 – ver na edição online
Equilíbrio, continuidade e “alto desempenho”
A apresentação do case do chamado Colégio Embraer, sediado em São José dos Campos, foi um dos destaques do Congresso Saber. A experiência mostra como desenvolver um sistema integrado de ensino e de gestão, colocando os resultados de aprendizagem como norte das estratégias, das ações e da sustentabilidade da escola.
Por Rosali Figueiredo
A palestra do diretor Jamerson Mansur Peixoto, do Colégio Engenheiro Juarez Wanderley, escola de Ensino Médio sediada em São José dos Campos, começou com uma provocação no final da tarde de 17 de setembro, durante o XIV Congresso Saber. Dirigindo-se à plateia, Jamerson perguntou quantos ali eram “ex-professores que estão gestores”? Foi uma questão retórica, já que as escolas ainda hoje são administradas em sua maior parte por profissionais sem formação inicial em gestão. “90% delas”, costuma dizer o presidente do Sieeesp, José Augusto de Mattos Lourenço. As respostas do público confirmaram a estimativa.
O próprio Jamerson foi professor de Geografia e coordenador antes de chegar à direção da escola, voltada para egressos da rede pública e mantida pelo Instituto Embraer de Educação e Pesquisa. Não que isso seja necessariamente uma desvantagem, já que no case do chamado Colégio Embraer, o “alto desempenho” do aluno se encontra “no topo da pirâmide”, enquanto o suporte reside na base, oferecendo condições “para que a sala de aula funcione”. Ou seja, o professor permanece como o grande mediador deste processo.
De outro lado, porém, não basta projetar um “alto desempenho” sem que o suporte dê conta das demandas e ofereça não somente a infraestrutura necessária, como também os parâmetros de trabalho. Em outras palavras, é preciso planejar e aplicar um modelo que adote as novas tendências em gestão, guiando-se a partir de um escopo composto por missão, visão, valores, princípios e, claro, metas.
O Colégio Embraer, criado em 2002 para 600 alunos, com jornada integral (entre 7h35 e 17h35), vem se destacando no ENEM (liderou o Estado em 2008 e ficou em 8º no último exame) e aprovando 80% de seus alunos em universidades públicas. Suas metas, portanto, estão muito claras e o “alto desempenho” se traduz em uma concepção que busca “100% de aprendizagem”, em vez de focar na média mínima (7,0) necessária para o aluno passar de ano, erro muito comum entre as escolas, apontou Jamerson. Além do ingresso em universidades de alto gabarito, as metas incluem o domínio da leitura e interpretação, visão crítica, produção de texto, resolução de situações problemas, capacidade de atuar com projetos interdisciplinares, de trabalhar com as diferenças e usar as tecnologias de informação, entre muitos outros.
A base do trabalho é dada por um Sistema de Gestão Integrado, desenvolvido pela Rede Pitágoras, parceira do Instituto Embraer no projeto. “O pilar do sistema é a autonomia, não fazer o que quer, mas sim chamar a responsabilidade para si, porque temos que ter resultado.” O que envolve tanto gestores e professores, quanto os alunos, “cada um tem a sua cota”.
Compete aos gestores oferecer uma “liderança forte no pedagógico e no emocional”, por meio de uma equipe que envolve o diretor, três coordenadores, três orientadores e um psicólogo. É um grupo desafiado a comandar uma proposta curricular de “excelência acadêmica” (em 4.200 horas de disciplinas que compõem a matriz do Ensino Médio), o Programa de Preparação para a Universidade (composto de 800 horas, incluindo projetos de orientação profissional), além de visitas, workshops e demais atividades que totalizam mil horas. Tudo ao custo de R$ 1.200 mensais por aluno, bancados pelo Instituto e 40% deles relativos à “parte não pedagógica”, como alimentação e uniforme, segundo revelou Mariza Scalabrini, gerente de desenvolvimento social do órgão.
Como fechar a conta ?
Segundo Jamerson, o Colégio Embraer tornou-se paradigma de uma experiência que deu certo e que pode ser reproduzida pelas demais escolas, “uma parte dela pelo menos”. Para a rede privada, por exemplo, montar um projeto de “alto desempenho” nesses moldes exige repassar o custo para a mensalidade do aluno. “Não há outro jeito, porque é preciso investir muito na qualificação dos professores, assegurando uma boa formação”, comentou Alessandro Marques, diretor de relacionamento da Rede Pitágoras.
Já o diretor Fabrício Silva, que comanda três unidades do Centro Educacional Charles Darwin, grupo sediado no Espírito Santo, com dez escolas no Estado e uma no Sul da Bahia, ponderou que é possível chegar a bons resultados sem tamanha estrutura e ao mesmo tempo diminuindo o patamar da mensalidade. Segundo ele, a escola pode chegar ao equilíbrio trabalhando até com 35 alunos por sala de aula no Ensino Fundamental e 45 no Médio. “Essa escala não compromete a qualidade, apenas se for para o parâmetro do pré-vestibular”, defendeu. Com 8 mil alunos, o Charles Darwin apresenta bons resultados, comentou Fabrício, “como o melhor desempenho no ENEM entre as escolas com mais de 400 estudantes participantes no Exame e 80% de aprovação nas vagas dos cursos de Medicina”. Sua estratégia está baseada na busca de uma receita maior, aproveitando a capacidade das salas de aula, “sem perder a qualidade”, e na “minimização dos custos”.
Em uma mesa redonda promovida pelo Congresso e voltada a discutir a sustentabilidade das instituições do terceiro setor, a advogada Lucia Maria Bludeni apresentou uma análise que pode se aplicada ao conjunto dos estabelecimentos de ensino. Como ponto de partida, definiu a sustentabilidade “como aquilo que pode ser mantido ao longo do tempo”, mediando “equilíbrio e continuidade” e levando em conta “a necessidade social para a sua existência”. Quatro são as premissas de uma empresa ou organização sustentável, observou Lúcia: “ser ecologicamente correto, economicamente viável, socialmente justo e culturalmente aceito”.
Do ponto de vista econômico, isso significa cumprir com a missão institucional, mobilizar e aplicar os recursos de forma adequada, ser eficiente e eficaz. “É fazer as coisas certas (eficácia). E fazer certo, com a menor quantidade de recursos possível (eficiência).” Em termos de estratégia, é adotar os princípios da governança (transparência, equidade, prestação de contas/accountability e responsabilidade), reduzir gastos operacionais ou administrativos, promover a gestão dos ativos e dos contratos e buscar fontes alternativas de receitas. “Isso demanda muita criatividade”, reconheceu Lúcia, que lembrou, no entanto, a possibilidade de as escolas mobilizarem os recursos existentes para a promoção de novos cursos.
Segundo a advogada, que foi a primeira presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor no Brasil, criada pela seccional da OAB em São Paulo, os casos de desequilíbrio financeiro decorrem da falta de planejamento estratégico, da aplicação inadequada de recursos financeiros, físicos e humanos, da falta de mobilização de recursos, além do desconhecimento ou desrespeito ao marco legal (especialmente entre as instituições beneficentes). Nestas, Lúcia identificou ainda dificuldades geradas pelo uso de uma fonte única de financiamento, pelo não comprometimento da diretoria com a captação alternativa e com sua “atuação isolada”. Para essas entidades, a Comissão da OAB desenvolveu a cartilha “Captação de Recursos para o Terceiro Setor/Aspectos Jurídicos”, disponível para download gratuito no site da Ordem (www.oabsp.org.br/comissoes2010/direito-terceiro-setor/cartilhas).
Alternativas ao financiamento
Diretor Geral das Faculdades Integradas Rio Branco, o economista Custódio Pereira também participou da mesa redonda sobre a sustentabilidade nas organizações do terceiro setor. Mas ali falou de um tema que interessa a todas as instituições de ensino: o atual quadro de financiamento da educação brasileira. Segundo Custódio, membro do Conselho Estadual da Educação, reside aí um dos grandes desafios à sustentabilidade do segmento. “O Brasil oferece incentivos para doações nas áreas da cultura e do esporte, mas não tem nada para a educação”, disse.
Custódio participou do desenvolvimento de uma proposta de lei para a captação de recursos para a educação. Ela resultou no Anteprojeto de Lei para Instituição do Programa Nacional de Incentivo à Educação e Apoio à Prestação da Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio e Superior, entregue no ano passado ao ministro da Educação, Fernando Hadadd. O texto foi levado a Brasília pelo próprio Custódio e o presidente da OAB São Paulo, Luiz Flávio Borges D”Urso.
Os signatários do documento propõem que o Estado promova o “hábito das contribuições”, visto que “os estímulos à dedutibilidade fiscal, de doações, constituem incentivo de eficácia historicamente comprovada, de que nos dão provas países que já desenvolveram esta forma de reconhecer e incentivar doações”. Entre os mecanismos propostos pelo anteprojeto, está a possibilidade de as pessoas físicas abaterem 100% de suas contribuições ou doações à área no imposto de renda, desde que não superem a 6% do total devido, mas sem prejuízo das deduções já permitidas pelo Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, a Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual. A proposta, conhecida como a “Lei Rouanet da Educação”, ainda não teve um parecer do governo federal.
Saiba mais:
Francisco José Zorzenon
www.biologico.sp.gov.br
zorzenon@biologico.sp.gov.br
Carlos Massari Watamabe e Marcos Gennaro
www.aprag.org.br
aprag@aprag.org.br