“Se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte”
Sigmund Freud
Falar de morte não é algo que agrada os professores – o assunto é quase sempre evitado, já que, na maioria das vezes, as pessoas não sabem como lidar com o enlutado, com a dor e o sentimento de perda. Não é fácil receber a notícia de que “perdemos” alguém que amávamos, porém, todos os dias temos que lidar com essas perdas nas escolas. Recebo inúmeras mensagens de professores e orientadores educacionais me perguntando: Como falar de morte na escola? E sempre respondo: Como vocês lidam com a morte? E completo: A morte é a única certeza que temos na vida e a única coisa que negamos o tempo todo. Morre-se todos os dias, a morte é um encontro sem hora marcada e não podemos negar esse tema nas escolas. Abrir espaço para falar sobre o tema pode ajudar crianças e adultos a passar pela dor da perda.
A perda e seu processo de luto pertencem à condição humana, ou seja, basta estar vivo para poder morrer. Sem contar que hoje, em nosso mundo contemporâneo líquido (como diz o sociólogo Bauman), a violência é mais presente na sociedade e consequentemente nas nossas escolas. Conhecemos diversos casos de pessoas que saem de suas casas e jamais retornam, seja por um assalto, acidente, infarto e até mesmo massacres… Ela está presente em toda privação, nas rupturas matrimoniais, nos rompimentos com amigos, na mudança para outro país e até na mudança de escola. Portanto, o assunto deve ser discutido na escola e fazer parte dos nossos currículos.
A BNCC, em suas entrelinhas, nos sinaliza a importância de educarmos as crianças para as perdas como ciclo da vida. Se pararmos para refletir sobre as habilidades socioemocionais, elas nos colocam em posição de reconhecimento de nossas emoções – sejam elas frustrantes ou não – e teremos que encontrar uma forma em lidar com cada uma delas. Como acolher quem passa por uma perda súbita, como a que vimos no massacre de Suzano? A morte é parte VIVA da vida, pensar e sentir sobre a morte não é algo fácil e nem prazeroso, porem necessário.
Trabalhei por anos diretamente em sala de aula e em Coordenação, onde pude vivenciar perdas de crianças, pais e professores, jamais esperadas pela lei natural. Desde aquela época, me sentia tocada pelo assunto e ao mesmo tempo sem muitos recursos para falar sobre o tema. Foi quando comecei a estudar formas de “provocar” o debate, primeiro entre meus pares para depois construir um projeto que se chamava: TECENDO MEUS PONTOS DE DOR, onde trazíamos músicas, poemas e textos sobre perdas, lutos e saudade. Uma vez por semana sentávamos em roda, sem pressa, entregues a um tempo com o tempo, e cada um de nós trazia seus retalhos, tesouras, agulhas, canetinhas… e tecíamos nossos pedaços, falando, contando de nossas experiências, juntando e experimentando o que nos tocava. O projeto foi tocante e mudou a forma de lidarmos com o luto. Saíamos de lá sensibilizados com nossas vivências, o que nos mobilizava a levar as experiências para nossas salas de aula.
Sempre tecíamos algumas questões, como: Você quer falar sobre isso? Quer que eu converse com seus colegas? Quando a criança “enlutada” pede que a turma seja comunicada, lá vamos nós, uma roda com as crianças onde a palavra era o ponto de partida e aos poucos as conversas e cantigas sobre a dor (que sentiam, logo aparecia). A dor nos aproxima de algo que não aprendemos colocar em palavras, mas podemos experimentar!
Gosto muito de trabalhar com os professores a obra de Elizabeth Kubler Ross[1], considerada uma pioneira nos estudos sobre a morte e o morrer, onde ela apresenta em seus estudos o luto em cinco fases, que não necessariamente ocorrem em sequência. Para a autora, essas etapas seriam: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Elas indicam uma evolução da maturidade de lidar com a morte, e temos que aprender com quem sofre, além de considerar que o luto é como se fosse uma existência à parte: quando a vida de todos à volta parece continuar, a do enlutado parece estar em outra frequência, o tempo parece girar ao contrário, em câmera lenta. Isso é real, a dor de cada um, por isso a importância de falar e ser escutado.
Elizabeth enfatiza muito a ideia de processo, um processo necessário que ninguém poderá fugir. O luto tece pedaço por pedaço de sonhos perdidos, histórias interrompidas e possibilidades de uma costura que borde as bordas de uma ausência.
As escolas podem construir um espaço que legitime o luto como um recurso de saúde não só para o enlutado, mas também para os que convivem com ele. O processo de luto (bem elaborado) devolve ao enlutado a chance de reconstruir sua história e ressignificar sua dor.
Acolher perdas importantes nos ensina a falar e expressar sobre a vida, sobre o tempo e sobre a urgência de abrirmos espaços de ESCUTA.
Afinal, a vida é apenas uma sucessão de começos e fins.
Experimentem TECER O LUTO DE CADA DIA!
DICAS[2]:
Um livro[3], que também indico.
site: http://vamosfalarsobreoluto.com.br[4]
Um livro muito interessante para trabalhar com crianças é o Medo da Sementinha[5]: Rubem Alves.
[1] KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a Morte e o Morrer. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1969; Morte – estágio final da evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1975; Perguntas e respostas sobre a Morte e o Morrer. São Paulo: Martins Fontes, 1979; A morte: um amanhecer. São Paulo: Pensamento, 1991; A roda da vida: memórias do viver e do morrer. Rio de Janeiro: GMT, 1998.
[2] Desenhos animados, como Operação Big Hero e O Rei Leão
[3] Menina Nina – Duas Razões para não Chorar. Autor: Ziraldo
Editora: Melhoramentos.
[4] Esse projeto foi construído com o trabalho de muitos voluntários que se mobilizaram pelo tema.
[5] O livro conta a trajetória de uma sementinha desde seu nascimento