Matéria publicada na edição 117 | Abril 2016 – ver na edição online
Deputada Federal Mara Gabrilli
No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. Se pudesse resumir em poesia a realidade de muitos estudantes com deficiência no Brasil, as palavras de Carlos Drummond de Andrade cairiam muito bem. Ter uma deficiência em nosso país, e ao mesmo tempo frequentar a escola, são variáveis que não se encaixam em uma mesma sentença. E uma decisão infeliz de um magistrado de Santa Catarina deflagrou o quão tortuoso vem sendo esse caminho para estudantes e suas famílias.
Recentemente, o juiz José Mauricio Lisboa, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Florianópolis, garantiu por meio de uma liminar o direito de as escolas particulares do estado cobrarem taxas extras de alunos com deficiência. O pedido, encaminhado pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de Santa Catarina (Sinepe/SC), representa um retrocesso à inclusão, além de uma afronta ao cumprimento da Constituição e a Lei Brasileira de Inclusão, texto relatado por mim na Câmara dos Deputados, em vigor desde janeiro desse ano.
A decisão do magistrado, além de autorizar a cobrança de maior anuidade aos alunos com deficiência, o que é crime, desconsiderou a decisão do Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, que já havia indeferido o pedido da liminar, alegando que esta não tinha fundamentos legais para concessão.
Além da discriminação praticada por instituições privadas, há também o descaso de nossos gestores públicos. A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, diminuiu o repasse destinado ao TEG (transporte escolar gratuito), e diversos condutores passaram a permitir a condução de apenas dois alunos com deficiência por turno (dois de manhã e dois de tarde). Antes, ao menos cinco crianças podiam viajar por perua por turno.
Sem alternativa, muitas mães são obrigadas a deixar as crianças em casa. Outras tiveram de largar o emprego para levar e buscar seus filhos. E mesmo as mães que conseguiram o transporte escolar se veem forçadas a aceitar um serviço mal prestado. Há residências em que o condutor aparece apenas três vezes por semana.
De acordo com a Secretaria Municipal da Educação de São Paulo, ainda falta regularizar o transporte de 4,2% dos 9.804 alunos com deficiência da rede municipal. São 412 alunos. Todos sem transporte há mais de um mês.
Até que ponto os interesses de instituições e gestores, que se dizem trabalhar pela educação, podem sobrepor os direitos humanos? Até que ponto podem ser maiores que o direito alienável do acesso à educação?
Nossos gestores e toda a sociedade precisam entender uma das lições mais importantes para qualquer nação que visa o desenvolvimento: a Educação é uma das mais importantes políticas públicas para erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades.
A Lei Brasileira de Inclusão pune com multa e reclusão o gestor que recusar ou dificultar o acesso ao aluno com deficiência. Fazer com que esses artigos sejam respeitados e cumpridos na prática é um dever de todos nós. Todos os exemplos bem sucedidos de educação só ocorreram pela parceria entre Estado, escola e comunidade, como a própria LBI, que foi construída em conjunto com a sociedade civil.
Ouvir as pessoas e trabalhar pelo bem estar delas faz parte do ser político, do ser cidadão. Essa sim deveria ser a maior lição da nossa Pátria Educadora.