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O lanche fala e o cérebro escuta

O que era para nutrir e alimentar pode estar fazendo exatamente o contrário. Entre embalagens coloridas e personagens sorridentes, o lanche escolar moderno tem se tornado uma mistura de açúcares, corantes e aditivos que não apenas esvaziam o prato, mas esvaziam o foco, a calma e a capacidade de aprender.

O problema não está apenas no que as crianças comem, mas em como isso conversa com o cérebro em formação. Aquilo que chega à lancheira, muitas vezes embalado como “diversão” ou “praticidade”, altera a química neural, desregula hormônios e interfere diretamente no comportamento dentro da sala de aula.

Uma meta-análise publicada em 2024 no European Child & Adolescent Psychiatry (Khazdouz et al., DOI 10.1007/s00787-024-02521-8), com mais de 58 mil crianças e adolescentes, confirmou: doces, refrigerantes e snacks ultraprocessados não são “calorias vazias”. Eles estão associados a maior risco e intensidade de sintomas de TDAH, mesmo em consumo diário considerado moderado. Os pesquisadores descrevem mecanismos claros: alterações na dopamina, neuro inflamação persistente, disfunção do hipocampo e oscilação de glicose e insulina, fatores que prejudicam atenção, memória e regulação emocional.

Não é um alerta isolado. O estudo clássico da Universidade de Southampton, publicado no The Lancet (2007), mostrou que misturas de corantes artificiais e benzoato de sódio aumentaram a hiperatividade em crianças de 3 a 9 anos. A descoberta foi suficiente para levar países europeus a reverem rótulos e proibir parte desses aditivos. Nos Estados Unidos, a FDA iniciou o processo de revisão e retirada de corantes derivados do petróleo, após décadas de evidências de efeitos neurotóxicos e comportamentais. O que antes era celebrado como “modernidade” agora é reconhecido como risco evitável.

Na clínica, a correlação é nítida. Trabalho diariamente com crianças com autismo, TDAH e outras neurodivergências e também sou mãe de uma criança com TDAH. É impossível ignorar o padrão: depois do consumo frequente de produtos cheios de corantes, aromatizantes, glutamato e gordura hidrogenada, surgem irritabilidade, impulsividade, lapsos de atenção e crises de agressividade. Quando esses alimentos são retirados, o comportamento muda. A clínica é soberana e o que vemos no dia a dia confirma o que a ciência vem revelando há anos.

As pesquisas normalmente analisam um aditivo de cada vez, em doses controladas, mas nenhuma criança consome assim. Nas lancheiras e cantinas, o que há é uma combinação de diversos compostos químicos atuando simultaneamente, algo que nenhum protocolo científico consegue reproduzir com segurança em humanos.

Esse “coquetel alimentar” chega ao cérebro em desenvolvimento e muda a forma como ele aprende a sentir prazer, foco e recompensa. O sistema nervoso infantil, mais permeável e sensível, acaba treinado para buscar estímulos rápidos e recompensas imediatas, exatamente o oposto do que a escola tenta ensinar: atenção, constância, paciência.

Os países que lideraram o consumo de ultraprocessados, como os Estados Unidos, agora recuam e reconhecem os danos dessa geração alimentada por aditivos. Enquanto isso, no Brasil, a nossa legislação ainda permite aditivos em níveis que a Europa já restringe. A indústria avança com campanhas de marketing voltadas ao público infantil, transformando alimentos em brinquedos e criando um vínculo emocional entre prazer, cor e consumo. O resultado é um ambiente alimentar que deseduca o paladar e sabota o neurodesenvolvimento.

Como gestor(a), coordenador(a) ou mantenedor(a) escolar, é preciso olhar para dentro da própria instituição. O lanche que muitas escolas oferecem, por meio de cantinas, podem impactar o comportamento e o aprendizado dos alunos. As mesmas substâncias que coloram a merenda são as que, silenciosamente, turvam a atenção e desorganizam o cérebro.

Mas é importante reconhecer que muitas escolas já vêm levantando essa bandeira com seriedade. Projetos de educação nutricional têm mostrado que é possível mudar hábitos com afeto, exemplo e constância. Esses movimentos provam que é viável equilibrar sabor e saúde e que cada gesto, por menor que pareça, ajuda a proteger o cérebro em desenvolvimento e a formar alunos mais atentos, tranquilos e saudáveis. Está na hora de despertar conhecimento e transformar as cantinas em espaços de cuidado e consciência.

Lembre-se, o que está sendo vendido ali não é apenas comida é desempenho cognitivo, equilíbrio emocional e futuro. E se aquilo que colocamos na lancheira pode prejudicar o que acontece no cérebro, então alimentar também é educar.

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